Londres – A informação revelada pela mulher do jornalista britânico Dom Phillips, Alessandra Sampaio, de que os corpos do marido e do indigenista Bruno Araújo Pereira teriam sido encontrados na Amazônia repercutiu na mídia internacional imediatamente após divulgada no Brasil, em um sinal de como as questões ambientais atraem atenção e arranham a imagem do país.
Críticas à conduta do governo brasileiro desde o anúncio do desaparecimento dos homens têm sido frequentes na imprensa estrangeira.
Na manhã desta segunda-feira (13), a irmã de Dom Philips, Sian, deu uma longa entrevista no telejornal matinal BBC Breakfast falando sobre pesca ilegal e problemas com tráfico de drogas em rede nacional.
Irmã fala do caso Dom Phillips no horário nobre da BBC
Desaparecido no Vale do Javari no dia 5 de junho junto com o ambientalista, o inglês Philips é um notório jornalista que viajou à Amazônia para a pesquisa de um livro.
Ele fazia reportagens para veículos internacionais como The Guardian, Washington Post e New York Times.
Em editorial na semana passada, o The Guardian, veículo para qual Phillips colaborou com reportagens sobre meio ambiente, disse que o país é “perigoso” para ambientalistas.
Na entrevista de hoje à BBC no principal programa de notícias da rede, a irmã de Dom falou sobre a possibilidade de o jornalista ter sido vítima de uma emboscada.
No dia do desaparecimento, os dois homens deveriam se encontrar com um líder comunitário em uma vila ribeirinha.
No entanto, o homem não estava lá quando eles chegaram e, por isso, partiram de volta à cidade de Atalaia do Norte (AM).
“Parece que foi uma emboscada. (…) Conforme os dias vão passando, de acordo com Tom [jornalista britânico baseado no Brasil], eles começaram a se referir a Dom e a Bruno no passado, então, sim, eu acho que [eles morreram].”
''It's looking likely it was an ambush..'
Police in Brazil have found personal items in the Amazon belonging to missing UK journalist Dom Phillips and indigenous expert Bruno Pereira.
His sister Sian, and her partner Paul, appeared on #BBCBreakfasthttps://t.co/6WIlKXtlGj pic.twitter.com/WoqCgYwzrO— BBC Breakfast (@BBCBreakfast) June 13, 2022
Imprensa internacional cita falta de esperança com vestígios humanos localizados
Mesmo sem a confirmação oficial das mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira, a imprensa internacional repercutiu com destaque a localização de vestígios humanos próximo ao local em que os homens desapareceram.
O jornal francês Le Monde, afirmou que a “esperança desaparece” deles estarem vivos após a Polícia Federal (PF) confirmar que pertences, como mochila, sapatos e documentos, foram encontrados durante as buscas na mata.
O Le Monde ainda cita uma sobrinha do jornalista, Dominique Davies, que relatou à agência France Presse sobre a suposta localização de dois corpos. “Ela escreveu que os parentes aguardavam a confirmação sobre os corpos serem dos desaparecidos, embora a polícia no Brasil tenha negado.”
O veículo italiano Corriere della Sera informou a localização de vestígios humanos na Amazônia, no domingo (12). Abrindo o texto com a fala de Bolsonaro sobre o desaparecimento dos homens ser “uma aventura não recomendada”, o jornal disse que essa era uma “admissão explícita de impotência”:
“No Brasil, há regiões onde vigora a lei da selva e o Estado não quer fazer nada. Enquanto isso, a polícia encontrou ‘material orgânico, presumivelmente humano’ no rio Itaquaí, próximo à cidade de Atalaia do Norte, que agora será testado para DNA.”
O New York Times também publicou matéria sobre a localização de vestígios humanos e dos pertences dos desaparecidos na floresta.
O jornal americano ainda divulgou um artigo de opinião em que a jornalista brasileira Eliane Brum questiona: “Um jornalista britânico foi a vítima mais recente da guerra de Bolsonaro na Amazônia?”.
Was a British Journalist the Latest Victim of Bolsonaro ‘s war on the Amazon?
By me in New York Timeshttps://t.co/x47sUFTEtK— Eliane Brum (@brumelianebrum) June 12, 2022
“Enquanto escrevo, Dom e Bruno ainda estão desaparecidos. Não sei o que aconteceu com eles. Eles podem ter sido mortos ou sequestrados. Tememos que eles nunca sejam encontrados”, lamenta Eliane.
Em reportagem sobre a suposta confirmação das mortes, o espanhol El País classificou de “enorme confusão” a falta de informações confiáveis do governo brasileiro sobre o paradeiro de ambos.
“A princípio, nesta segunda-feira, a esposa do repórter garantiu que eram os corpos dos desaparecidos. Mas logo em seguida, a Polícia Federal do Amazonas, que cuida do caso, divulgou nota em que afirma que ‘a informação de que os corpos foram localizados não procedem’.”
Caso Dom Phillips e Bruno Pereira era ‘tragédia anunciada’, diz BBC
Uma reportagem da BBC trouxe no título a fala de um líder indígena amazonense sobre as mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira: “tragédia anunciada”.
A rede britânica detalhou a situação do Vale do Javari, onde pescadores locais e indígenas dependem da pesa do pirarucu para sobreviverem — mas disputam, nos últimos anos, o espaço com pescadores e caçadores ilegais, além de gangues do narcotráfico sul-americano.
A reportagem também apontou que o governo do presidente Jair Bolsonaro realizou grandes cortes nos orçamentos de proteção indígena:
“Sob o presidente Jair Bolsonaro – um homem que tem pouco tempo para as comunidades indígenas ou órgãos ambientais – a agência de proteção indígena Funai foi enfraquecida, a vigilância caiu, assim como as multas aplicadas a quem descumprir a lei.”
A BBC falou ainda sobre o trabalho exercido por Bruno quando trabalhava na Funai, momento em que ele desempenhou um importante papel para a comunidade local ao “registrar e mapear ocorrências para poder denunciar crimes” ao governo estadual e federal.
“O Estado nos abandonou, não só aqui no Vale do Javari, mas também em outros territórios indígenas”, diz uma liderança indígena que pediu para não ser identificada pelo jornal brtiânico.
Manoel Chorimpa, líder da comunidade indígena Marubo, decidiu falar abertamente à BBC sobre a sensação de impunidade que cercam os moradores da região:
“As ameaças não são novidade. O que estamos vendo é uma tragédia anunciada.”
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Organização RSF alertou para riscos
A ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) foi outra que alertou sobre os riscos que jornalistas ambientais enfrentam no país e na América Latina.
“A cobertura jornalística de conflitos ambientais é cada vez mais perigosa na América Latina, com envolvimento até de agências de aplicação da lei na violência contra os profissionais”, alertou o diretor da RSF para a região, Emmanuel Colombié, em entrevista ao MediaTalks.
O caso de Dom Phillips e Bruno Pereira não é isolado. Jornalistas, ativistas e funcionários da Funai são frequentemente alvos de ameaças que acabam se concretizando em agressões e até mortes.
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ONU se diz ‘alarmada’ com situação ambiental no Brasil
A alta comissária de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), Michelle Bachelet, demonstrou preocupação com a situação ambiental do Brasil durante discurso nesta segunda-feira (13). A declaração foi feita na abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.
“No Brasil, estou alarmada com ameaças contra defensores de direitos humanos ambientais e povos indígenas, incluindo a exposição à contaminação por mineração ilegal de ouro.”
Apesar de não citar casos nem mencionar o nome de Dom Phillips, a fala de Bachelet acontece apenas alguns dias após a ONU chamar a ação do governo brasileiro de “extremamente lenta” para localizar o jornalista e o indigenista desaparecidos no Amazonas.
Em coletiva de imprensa na semana passada, a porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, Ravina Shamdasani, reforçou o discurso de Bachelet sobre a preocupação com os “constantes ataques e perseguições enfrentados por defensores dos direitos humanos, ambientalistas e jornalistas” no país.
“Insistimos que o governo precisa empregar todos os meios disponíveis para ajudar a localizar os dois homens. Infelizmente, a resposta inicial foi lenta.”
“O Estado tem a responsabilidade de proteger o trabalho de jornalistas e defensores de direitos humanos. Ele tem obrigação que o direito à vida e segurança esteja protegida e tem obrigação de iniciar investigação e para buscar quem desaparece.”
Ela acrescentou ainda, em resposta a jornalistas estrangeiros, que “a resposta inicial foi lamentavelmente extremamente lenta” para encontrar os homens desaparecidos na floresta amazônica.
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