Depois de perseguir e censurar a imprensa tradicional, a Nicarágua agora investe contra as rádios católicas em uma campanha contra a presença da própria Igreja no país.
No mês passado, imagens da expulsão de freiras da Associação Missionárias da Caridade, ordem fundada por Madre Teresa de Calcutá, chocaram o mundo com as religiosas sendo escoltadas pela polícia para deixarem o país a pé.
Ignorando a repercussão do caso, autoridades nicaraguenses fecharam nesta semana veículos de comunicação associados à Igreja Católica e invadiram templos religiosos para apreender equipamentos de radiodifusão.
Padre se tranca em igreja na Nicarágua
O Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh) denunciou as ações da polícia da Nicarágua contra a Igreja e rádios católicas nas redes sociais.
Na segunda-feira (1º), forças de segurança invadiram a capela Menino Jesus de Praga e a igreja da Divina Misericórdia, ambas localizadas na cidade de Sébaco, em Matagalpa, região norte do país.
Na capela, funciona a Rádio Católica de Sébaco, uma das sete estações da Diocese de Matagalpa. Horas antes da invasão, todas essas rádios foram fechadas pelo Instituto Nicaraguense de Telecomunicações e Correios (Telcor), sob a alegação de que os veículos não tinham licença para funcionar.
As emissoras atingidas são a Rádio Hermanos, Rádio Santa Lucía de Ciudad Darío, Rádio Católica de Sébaco, Rádio Estrangeiros de San Dionísio, Rádio San José de Matiguas, Rádio Monte Carmelo de Río Blanco e Rádio Nuestra Señora de Lourdes em La Dalia.
Em nota, o Cenidh rebateu os argumentos das autoridades, informando que os documentos necessários foram apresentados em 2016 pelo monsenhor Rolando Álvarez, responsável pela diocese e pelos veículos.
🔴En las redes sociales de la Diócesis de Matagalpa circula información sobre el cierre de 5 radios que administra Monseñor Rolando Álvarez, lo que consideramos otro acto de PROVOCACIÓN por parte de la dinastía de los Ortega Murillo en contra de la iglesia católica. pic.twitter.com/6B9ujp8fXj
— Cenidh (@cenidh) August 1, 2022
Com a cassação das licenças pela Telcor, a polícia foi até a capela Menino Jesus de Praga apreender os equipamentos usados no meio de comunicação.
Mas, segundo informações do portal Confidencial, os fiéis da igreja foram ao local antes e retiraram os materiais da rádio.
Mesmo assim, os policiais invadiram a capela e jogaram gás lacrimogêneo para dispersar as pessoas que estavam no local. Há relatos de presos e feridos na ação, embora as autoridades não confirmem os números relatados pelos religiosos e grupos de direitos humanos.
Amigos, fieles vengan, estoy siendo asediado; la policía ha violentado los candados de ña Capilla para entrar a donde están los equipos para llevarselo. La policía está agrediendo a los fieles que está dentro del colegio. pic.twitter.com/RdDZ5IdizL
— Pbro Uriel Vallejos (@pbrourielv) August 2, 2022
O padre Uriel Vallejos se trancou num dos cômodos e, até quarta-feira (3), relatou no Twitter que permanecia dentro da igreja para impedir que a Rádio Católica fosse destruída.
A polícia seguia no local e cortou a luz para forçar a saída do padre, segundo ele publicou nas redes sociais.
Estamos a oscura, me han cortado la luz de la casa curl. pic.twitter.com/OZQF1upmcJ
— Pbro Uriel Vallejos (@pbrourielv) August 2, 2022
Ao longo da semana, o padre Uriel foi relatando o estado de sítio em que se encontrava com a presença dos policias na capela. Em uma das ocasiões, a polícia tentou forçar a entrada no quarto em que ele se abrigava, mas não conseguiu.
“Há muitos policiais dentro e fora da capela”, publicou no Twitter. No mesmo terreno da igreja, também funciona uma escola administrada pelos religiosos e, com a ação da polícia, as aulas foram suspensas.
URGENTE ! ALERTA👇👇 pic.twitter.com/7Ou086Mx8m
— Pbro Uriel Vallejos (@pbrourielv) August 2, 2022
O Cenidh condenou a ação da polícia e pediu que as autoridades “parem de usar gás lacrimogêneo contra o povo católico, pois o dever é proteger os nicaraguenses, não atacá-los”.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos também disse que estava ciente do fechamento das rádios católicas, ocorrido após uma “ação policial violenta” e pediu que o governo “cesse imediatamente” a repressão aos cidadãos nicaraguense.
Em entrevista ao Confidencial, o monsenhor Rolando Álvarez disse que estava disposto a lutar contra a censura às rádios da diocese.
“Todas as nossas rádios foram fechadas. Mas a Palavra de Deus não será silenciada”, publicou no Twitter.
“Nos han cerrado todas nuestras radios. Pero la Palabra de Dios, no la callarán”. Mons. Rolando José.
— Monseñor Rolando José Alvarez L. (@DiocesisdeMat) August 2, 2022
Perseguição a religiosos foi intensificada em 2018
Pouco mais de seis meses depois da reeleição de Daniel Ortega, a situação da liberdade de imprensa na Nicarágua não dá sinais de que pode melhorar e o caso das rádios católicas é apenas um dos tantos exemplos recentes ocorridos no país.
O país está em 160º lugar no ranking de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que lista 180 nações.
Segundo a RSF, o jornalismo local “continua a enfrentar um pesadelo de censura, intimidação e ameaças”, com jornalistas submetidos a assédio, arbitrariedades, prisões e ameaças de morte, razão pela qual vários foram para o exílio.
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O site Confidencial destaca que a perseguição à Igreja Católica foi intensificada em 2018, quando a instituição denunciou violações de direitos humanos contra a população da Nicarágua.
Neste ano, no entanto, o regime aumentou ainda mais a pressão contra os religiosos. Em julho, 18 freiras da Associação Missionárias da Caridade foram expulsas do país e obrigadas a atravessarem a fronteira com a Costa Rica a pé.
O grupo atuava no país desde 1988 e mantinha um lar para meninas carentes, um para idosos e uma creche para crianças pequenas.
Naquela mesma semana, o governo ordenou que 100 organizações sem fins lucrativos fossem fechadas. Ortega já fechou mais de 900 ONGs no país desde os protestos pedindo sua renúncia em 2018.
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