Londres – O Tribunal Penal Especializado da Arábia Saudita sentenciou mais uma mulher por expressar opiniões nas redes sociais: Nourah bint Saeed al-Qahtani foi condenada a 45 anos de prisão por “usar a Internet para rasgar o tecido social” e “violar a ordem pública usando mídias sociais”, em uma escalada da repressão no país governado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.
A condenação foi revelada pela ONG Democracy for the Arab World Now (Dawn), fundada pelo jornalista saudita Jamal Khashoggi, assassinado pelo governo de seu país dentro da embaixada em Istambul em 2018.
Segundo documentos vistos pela organização, o julgamento da mulher teria acontecido no fim de agosto, semanas após outra condenação que teve forte repercussão no mundo.
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Em 9 de agosto, a profissional de saúde Salma al-Shehab, estudante de doutorado da Universidade de Leeds, no Reino Unido, foi condenada a 34 anos de prisão por ter uma conta no Twitter e por retuitar e seguir dissidentes sauditas e ativistas de direitos humanos.
A pena inicial era de oito anos, mas em novo julgamento foi aumentada porque “a sentença original não alcançou retenção e dissuasão suficientes”, segundo o tribunal.
A Dawn não confirmou detalhes sobre a Nourah bint Saeed-Qahtani, mas veículos de mídia árabes e a organização de direitos humanos Together for Justice afirmam que ela é uma acadêmica da Faculdade de Artes da King Saudi University (KSU) e escreve para a revista cultural do jornal árabe Al-Jazirah.
A acadêmica pertence à Al-Qahtan, uma das tribos mais famosas da Arábia Saudita, e também teria estudado na Universidade de Leeds, onde obteve um doutorado defendendo uma tese sobre a recepção do romance saudita nas culturas árabe e ocidental.
“A nova condenação mostra como as autoridades sauditas se sentem à vontade para a punir até mesmo as críticas mais suaves de seus cidadãos”, disse Abdullah Alaoudh, Diretor de Pesquisa para a Região do Golfo da Dawn.
Assim como outras organizações, que criticam fortemente as relações amistosas mantidas por líderes mundiais com o governo da Arábia Saudita apesar de seu histórico de repressão e violação dos direitos humanos, a Dawn afirmou:
“É impossível não conectar os pontos entre a reunião do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman com o presidente Biden no mês passado em Jeddah e o aumento nos ataques repressivos contra qualquer um que se atreva a criticar o príncipe herdeiro ou o governo saudita por abusos bem documentados.”
De acordo com um documento judicial e informações obtidas pela Dawn, a Divisão de Apelação do Tribunal Penal Especializado fundamentou a sentença contra al-Qahtani sob o argumento de “quebra do tecido social no Reino” criticando os governantes sauditas e por “produção ou armazenamento de materiais que insultam a ordem pública e os valores religiosos”.
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O Tribunal Penal Especializado da Arábia Saudita tem jurisdição sobre casos relacionados a terrorismo e segurança por meio de uma Lei Contra o Terrorismo excessivamente ampla e vaga, na avaliação da Dawn.
“Organizações de direitos humanos e órgãos da ONU criticaram repetidamente a Lei de Contraterrorismo e a Lei Anticrime Cibernético por permitir que o governo reprima os cidadãos sauditas e mine os direitos humanos.
Ambas as leis são propositadamente vagas para dar às autoridades sauditas o máximo de discrição com pouca ou nenhuma responsabilidade por excessos.”
O artigo 6 da Lei Anticrime Cibernético proíbe a “produção, preparação, transmissão ou armazenamento de material que impactem a ordem pública, valores religiosos, moral pública ou privacidade, por meio de uma rede de informações ou computador”.
Da mesma forma, o Artigo 1(a) da Lei Antiterrorismo define como crimes atos que “perturbam a ordem pública” e “ameacem a unidade nacional”.
A Lei Antiterrorismo exclui as proteções garantidas encontradas na Lei de Processo Penal de 2013 da Arábia Saudita. E a Lei de Processo Penal limita a prisão preventiva a seis meses, enquanto a Lei Contra o Terrorismo permite a prisão preventiva indefinida a critério do promotor, favorecendo a repressão e as arbitrariedades na Arábia Saudita.
“Em ambos os casos al-Shebab e al-Qahtani, as autoridades sauditas usaram leis abusivas para atingir e punir cidadãos sauditas por criticarem o governo no Twitter”, disse Alaoudh.
“Mas isso é apenas metade da história, porque nem mesmo o príncipe herdeiro permitiria sentenças tão vingativas e excessivas se sentisse que essas ações seriam atendidas por censura significativa pelos Estados Unidos e outros governos ocidentais. Claramente, eles não são.”
Além do governo Biden, o Twitter também vem sendo alvo de críticas e de questionamentos, porque o governo saudita é um importante acionista da rede social.
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