Londres – Em um raro caso de identificação de autores de crimes contra a imprensa e de envolvimento comprovado de agentes governamentais, o Ministério da Justiça das Filipinas acusou formalmente o chefe do serviço penitenciário do país pelo assassinato de Percival Mabasa, mais conhecido como Percy Lapid, um dos mais populares jornalistas do país.
Lapid, de 63 anos, foi baleado na cabeça dentro de seu carro por um homem em uma moto na capital Manila no dia 3 de outubro. A foto do autor dos tiros, Joel Esttorial, foi registrada e ele foi preso no dia 18 de outubro, em um caso que chegou a provocar manifestações populares.
Nesta segunda-feira, os mandantes foram anunciados: Gerald Bantag, chefe do Departamento Correcional das Filipinas, com a colaboração do ex-superintendente da Direção de Segurança e Operações do órgão, Ricardo Zulueta. Nenhum dos dois foi preso e Bantag estaria se escondendo, segundo a imprensa filipina.
Assassinato do jornalista 1 ano depois de Nobel da Paz para as Filipinas
Mas para a família do jornalista, o crime ainda não está esclarecido. Roy Mabasa, irmão do jornalista assassinado, disse acreditar que outras pessoas acima de Bantag possam estar envolvidas no assassinato.
O crime aconteceu um ano depois de uma jornalista filipina, Maria Ressa, ter sido homenageada com o Nobel da Paz por sua luta contra perseguições e censura, mas a visibilidade não mudou em nada a situação da imprensa no país.
Em seu programa de rádio, chamado Lapid Fire, o jornalista assasinado fez seguidas acusações de envolvimento dos chefes do sistema prisional com facilidades oferecidas a detentos.
Em 2020, ele noticiou que Bantag estava construindo uma casa luxuosa e cobrou informações sobre seus bens e renda.
No fim de outubro, Gerald Bantag foi listado como “pessoa de interesse” nas investigações sobre o assassinato do jornalista e foi suspenso do cargo pelo presidente Ferdinand Marcus Jr.
Na mesma época, o atirador disse que a ordem para matar o jornalista veio de dentro da prisão de Nova Bilibide, em Manila, em troca de um pagamento equivalente a R$ 48 mil.
O preso que teria contratado o pistoleiro, Cristito Palaña, morreu em circunstâncias misteriosas e sua irmã foi colocada sob proteção policial por ter ouvido dele que a ordem teria partido da direção da cadeia.
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Na quarta-feira (9), mais detalhes sobre as motivações do crime foram revelados à imprensa.
O Secretário Nacional de Justiça, Jesus Crispin Remulla, informou que Percy Lapid foi à casa de Gerald Bantag no dia 9 de setembro para fotografar a residência e veículos de sua propriedade.
O jornalista chamava no programa o oficial penitenciário de “Homem Cinderela”, e não chegou a mencionar seu nome, mas mesmo assim os comentários sobre suas atividades supostamente irregulares irritaram Bantag.
A reportagem saiu no dia 13 de setembro, e menos de uma semana depois Percy Lapid foi vítima do assassinato.
O Secretário pediu em entrevista coletiva que Ricardo Zulueta, que se ausentou sem pedir licença do cargo, e Bantag se apresentem para prestar esclarecimentos. Eles ainda estariam no país.
Percy Lapid é o segundo jornalista assassinado no governo de Ferdinand Marcus Jr., que assumiu o cargo em 30 de junho.
No dia 18 de setembro, outro radialista, Rey Blanco, morreu após ser esfaqueado em um crime que também é investigado pela polícia.
O assassinato do jornalista Percy Lapid despertou revolta no país e provocou condenação internacional.
Governos dos EUA, Canadá e França se manifestaram cobrando apuração e lamentando o efeito da morte sobre a liberdade de imprensa, que desestimula jornalistas a denunciarem crimes e más práticas, o chamado “chilling effect”.
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