Londres – Um evento no Palácio de Buckingham na terça-feira (29) liderado pela rainha consorte Camilla para chamar a atenção sobre a violência contra mulheres, que resultou na demissão da madrinha do futuro rei por um diálogo com uma ativista negra tido como exemplo de racismo, acabou se tornando um lance involuntário na guerra de relações públicas travada no seio da família real britânica.
O rei Charles III teve sua participação na COP27 vetada pelo governo britânico, no que seria a estreia na diplomacia global depois da morte da rainha Elizabeth. O papel ficou com William e Kate, que desembarcaram nos EUA nesta quarta-feira (30) para uma visita de três dias culminando com a cerimônia de premiação do Earthshot Prize, iniciativa ambiental liderada pelo príncipe.
Nas horas que antecederam o discurso na Prefeitura de Boston marcando a abertura da visita, na tarde de quarta-feira, o Palácio e William, por meio de sua assessoria, tiveram que se desculpar pelo desastre causado por Lady Susan Hussey.
A viagem foi desenhada para ser uma ‘ofensiva de charme’, como são apelidadas as ações de relações públicas organizadas pelos Windsor, em um território dominado por “adversários”.
Foi tratada pela imprensa britânica como uma demonstração de força dos membros oficiais da monarquia no território conquistado por Harry e Meghan quando se mudaram para o país e passaram a cultivar um relacionamento próximo com jornalistas e celebridades.
Estava tudo pronto para a festa, mas o destino parece estar conspirando a favor dos Sussex. O casal se afastou da família real há dois anos denunciando racismo, sempre negado pela realeza. O episódio da madrinha serviu para reacender a polêmica.
O fantasma do racismo na família real
A história envolvendo a madrinha de William, Lady Susan Hussey, que perguntou à Ngozi Fulani, ativista nascida no Reino Unido, seguidas vezes ‘de que país ela era’ na forma de um interrogatório, é um prato cheio para os que defendem Meghan e acham que ela foi mal tratada pela família real.
A madrinha desligou-se do séquito de acompanhantes mais próximos dos integrantes da família real, protagonizando um escândalo na pior hora possível para o afilhado.
Mixed feelings about yesterday's visit to Buckingham Palace. 10 mins after arriving, a member of staff, Lady SH, approached me, moved my hair to see my name badge. The conversation below took place. The rest of the event is a blur.
Thanks @ManduReid & @SuzanneEJacob for support🙏🏾 pic.twitter.com/OUbQKlabyq— Sistah Space (@Sistah_Space) November 30, 2022
Na tarde de quarta-feira (30), a hashtag #RacistRoyalFamily estava entre os trending topics do Twitter no país.
Imagens da rainha Elizabeth indo para o funeral do príncipe Philip acompanhada por Susan Hussey, uma de suas mais fiéis acompanhantes, dominam desde então o noticiário das TVs, demonstrando como ela era “parte da família”.
Jornais britânicos e americanos destacaram o assunto na primeira página em tom de reprovação, resultando em um revés na intenção de promover a imagem positiva da monarquia.
A discórdia continua na família real
Nos funerais da rainha Elizabeth II, em setembro, especulou-se que os irmãos poderiam fazer as pazes depois de visitarem juntos as homenagens deixadas para a avó. Mas detalhes da viagem aos EUA divulgados antes do embarque sugeriram que isso estava fora dos planos.
Um elenco estelar vai se apresentar na cerimônia de premiação do Earthshot Prize: Beyoncé, Annie Lenox, Ellie Goulding. Billie Ellish, David Attenborough, Cate Blanchett e Rami Malek.
Harry e Meghan estarão em Nova York dias depois, para serem homenageados pela fundação Robert F.Kennedy. Daria até para fazer um esforço e passar por Boston.
O problema é que o prêmio Ripple of Rope que eles aceitaram receber é em reconhecimento à coragem do casal ao desafiar a “estrutura de poder” da família real, incluindo o suposto racismo.
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Mesmo que houvesse chance de reaproximação, ela estaria sepultada.
De qualquer forma, dificilmente eles seriam convidados para disputar atenções, pois segundo os que se ocupam em enxergar nas entrelinhas, a visita foi planejada como uma oportunidade para William e Harry mostrarem nos EUA quem são os verdadeiros representantes da monarquia.
No estilo tradicional de soprar segredos para a mídia, “fontes” disseram aos jornais britânicos que a cerimônia será o momento “Super Bowl” de William. Para que trazer concorrentes?
O caso da madrinha racista ameniza o impacto negativo de outras histórias recentes envolvendo o rompimento de Harry e Meghan do “núcleo duro” da monarquia.
Extratos de uma biografia da rainha Elizabeth que sai em dezembro, antecipados por jornais tabloides, revelam que ela se preocupou com o “excesso de amor” do neto pela princesa logo após o casamento, o que teria feito com que o apaixonado tolerasse o suposto bullying contra funcionários da chamada “Firma”.
O livro pinta uma Meghan mal-agradecida, afirmando que a rainha gostava dela e teria até autorizado a continuidade de sua carreira como atriz.
Harry x William, Charles x Andrew
Verdade ou não, a guerra de relações públicas está em curso. A monarquia ‘sob nova gerência’ dá passos para se afastar de seus membros-problema, Harry, Meghan e também Andrew.
Os rumores são de que o suposto filho preferido nutria esperança de sair do ostracismo depois que pagou uma indenização milionária e encerrou o processo por abuso sexual a que respondia. Mas não vai acontecer.
Esta semana apareceram reportagens dando o afastamento como fato consumado.
Em uma ação orquestrada, Charles neutraliza o irmão Andrew, enquanto William neutraliza o irmão Harry. Esses movimentos demonstram que a família real continua afiada no que faz melhor: polir sua imagem e sutilmente mandar para escanteio quem pode embaçá-la.
Afinal, um Andrew com apenas 8% de admiração do público segundo o acompanhamento do instituto YouGov, ou uma Meghan com 27%, ou um Harry com 38% nada acrescentam à popularidade da monarquia.
Uma dura realidade é que o rei Charles continua patinando em 5º lugar, admirado por 44% dos entrevistados.
Kate, com 66% e William, com 65%, são as estrelas que brilham na lista dos mais admirados depois da rainha, que segue com 73%.
Por isso, usá-los para minar Harry e Meghan no palco americano que reverbera em todo o mundo era mais um lance perfeito.
Pena (para os que mandam no Palácio de Buckingham hoje) é que a madrinha de William não mediu as consequências dos comentários racistas.
E sobrou para Camilla. Um dos vídeos mais compartilhados no Twitter depois do episódio mostrava a foi a rainha consorte segurando uma criança negra pela manga da camisa.
Camilla struggles to touch a Black child (and the kids look clearly uncomfortable around her).
The real face of the British monarchy : PR stunts and photo ops.#RacistRoyalFamily #AbolishTheMonarchy pic.twitter.com/JFNewwOHEU
— 🍓🍋🍉 Murielle 🇫🇷 🇬🇦 💛🖤+💜 (@Mu_Ri_Elle) November 24, 2022
Ao mesmo tempo, postagens com cenas da princesa Diana e de Meghan Markle abraçando pessoas negras de forma carinhosa pioravam ainda mais a situação da família real em um tema sensível em tempos de críticas ao colonialismo e imperialismo, dos quais ela é o maior símbolo.
Two amazing women. Diverse, progressive and humane. #PrincessDiana #MeghanMarkIe. The #RacistRoyalFamily had issue with them because they used the power of their voice, the power of their humanity to make world a better place. Something @RoyalFamily @KensingtonRoyal lack. pic.twitter.com/eQ4HrxvzR7
— TheeFlower (@fiffywm) November 25, 2022
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