Para marcar o primeiro ano do assassinato da repórter da Al Jazeera Shireen Abu Akleh, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) publicou esta semana um relatório documentando pelo menos 20 assassinatos de jornalistas em episódios envolvendo as Forças de Defesa de Israel (IDF) desde 2001.
Shireen Abu Akleh foi baleada em 11 de maio de 2022 por soldados israelenses quando, devidamente identificada como jornalista, cobria uma operação na Cisjordânia junto com outros profissionais de mídia.
Dentre os mortos nesses 22 anos, 18 eram palestinos, dois eram europeus e nenhum era israelense. Segundo o CPJ, “ninguém jamais foi acusado ou responsabilizado por essas mortes”. No dia do aniversário da morte da jornalista, um porta-voz do exército israelense pediu desculpas em uma entrevista à CNN, mas não apontou responsáveis ou punições.
Mortes de jornalistas em Israel seguem padrões
O levantamento do CPJ foi publicado na semana em que o Estado de Israel completa 75 anos de fundação, neste 14 de maio. O caso de Abu Akleh chocou o mundo e provocou protestos contra Israel em vários países, incluindo de aliados como os EUA.
Embora tenha negado inicialmente que os tiros tivessem partido do exército, o governo israelense acabou admitindo isso quando investigações comprovaram o contrário, mas negou que tenha sido um ataque deliberado, como sustentam organizações como a Repórteres Sem Fronteiras.
Apoiada em provas e relatórios independentes, a rede Al Jazeera e a família da jornalista formalizaram reclamações no Tribunal Penal de Haia.
Segundo o CPJ, o novo relatório expõe os padrões de letalidade das Forças de Defesa de Israel contra jornalistas, ao mesmo tempo em que mostra a inexistência de respostas apropriadas e responsabilizações para os assassinatos.
De todos os jornalistas mortos em territórios palestinos incluídos no banco de dados do CPJ nesses 20 anos, 80% foram vítimas do exército israelense.
Todas as mortes foram registradas na Cisjordânia, sob ocupação militar de Israel, ou na Faixa de Gaza, sob bloqueio militar israelense.
Robert Mahoney, diretor do CPJ e um dos editores do relatório Deadly Pattern (Padrão Letal), salientou que o assassinato de Shireen Abu Akleh e o fracasso do processo investigativo do exército para responsabilizar alguém não são eventos únicos.
De acordo com ele, os dois fatores fazem parte de um padrão de resposta que parece destinado à fuga da responsabilidade.
Para o CPJ, é claro que “autoridades israelenses desconsideram evidências e alegações de testemunhas, muitas vezes parecendo inocentar os soldados pelos assassinatos enquanto as investigações ainda estão em andamento.
“O procedimento das Forças de Defesa de Israel para examinar assassinatos militares de civis, como jornalistas, é uma caixa preta.
Não há nenhum documento que descreva o processo em detalhes e os resultados de qualquer investigação são confidenciais”.
“Quando as investigações acontecem”, diz o relatório, “os militares israelenses geralmente levam meses ou anos para averiguar os assassinatos”.
“E as famílias dos jornalistas, em sua maioria palestinos, têm poucos recursos dentro de Israel para buscar justiça”.
Pelo menos em 13 ocasiões os profissionais de imprensa estavam caracterizados como membros da mídia ou encontravam-se dentro de veículos sinalizados a serviço da imprensa no momento de suas mortes, assim como ocorreu com a jornalista da Al Jazeera.
“Em 2008, o operador de câmera da Reuters, Fadel Shana, foi assassinado usando um colete à prova de bala azul com a inscrição “PRESS” junto a um veículo com as palavras “TV” e “PRESS”, quando um tanque disparou um projétil de dardos que perfurou seu peito e pernas em vários lugares”.
Sherif Mansour, coordenador do programa do CPJ para o Oriente Médio e Norte da África, aponta que o nível de cada investigação depende muito das pressões externas.
“Existem investigações superficiais sobre as mortes de jornalistas com passaportes estrangeiros. Mas esse raramente é o caso dos repórteres palestinos assassinados. Em última análise, ninguém viu qualquer sinal de justiça”, disse Mansour.
O CPJ aponta ainda que os dados sobre as mortes são apenas uma parte do problema dos jornalistas em Israel.
Profissionais muitas vezes ficam feridos em episódios como os bombardeios dos edifícios que abrigavam escritórios de mais de uma dúzia de veículos de comunicação locais e internacionais em Gaza, incluindo a Associated Press e a Al Jazeera, em maio de 2021.
O texto do CPJ faz um grande panorama histórico dos anos compreendidos pelo relatório, reavivando e analisando as perdas trágicas.
Segundo o estudo, compõem o “padrão letal” das forças israelenses contra a mídia a desconsideração de evidências e dos depoimentos de testemunhas; o desrespeito evidente às identificações da imprensa; as acusações às vítimas jornalistas; a pouca transparência na concessão de informações; e até a criação de “narrativas falsas”.
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Efeitos sobre a liberdade de imprensa
“O assassinato de jornalistas por forças israelenses teve um efeito assustador sobre os repórteres que cobrem suas operações, minando a liberdade de imprensa e aumentando as preocupações com a segurança de jornalistas palestinos e estrangeiros”, alerta o CPJ.
A análise do CPJ sobre os 20 casos mostrou que as investigações mais profundas acontecem apenas apenas quando a vítima é estrangeira ou trabalha para uma empresa de mídia importante, como no caso da palestina da rede Al Jazeera.
Mesmo assim, as investigações se arrastam por meses ou anos e terminam inocentando os que abriram fogo, diz o relatório:
“Os militares dizem consistentemente que suas tropas temiam por sua segurança ou foram atacadas e se recusam a revisar suas regras de combate.
Em pelo menos 13 casos, foram desconsiderados depoimentos de testemunhas e relatórios independentes. Conflitos de interesse na cadeia de comando são negligenciados.
As investigações dos militares são sigilosas e o exército não torna públicas as evidências de suas conclusões.
Em alguns casos, Israel rotula os jornalistas como terroristas, ou parece não ter investigado os assassinatos. O resultado é sempre o mesmo — ninguém é responsabilizado.”
O documento faz recomendações a Israel, aos Estados Unidos e à comunidade internacional para implementar ações para proteger os jornalistas, acabar com a impunidade e prevenir futuros assassinatos.
Entre elas estão a garantia de investigações rápidas, independentes, transparentes e eficazes sobre os assassinatos potencialmente ilegais de jornalistas.
O CPJ também pede que Israel abra investigações criminais nos casos de três jornalistas assassinados: Shireen Abu Akleh (2022), Ahmed Abu Hussein (2018) e Yaser Murtaja (2018).
A morte de Shireen Abu Akleh é a que mais vem pressionando Israel. Nascida em Jerusalém, a profissional tinha dupla nacionalidade, palestina e americana.
Era uma das figuras mais conhecidas da televisão no Oriente Médio. O enterro foi acompanhado por milhares de pessoas e virou palco de cenas de violência entre palestinos e policiais.
O relatório completo do CPJ pode ser visto aqui.
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