Londres – Os dias que antecedem as eleições gerais no Camboja, em 23 de julho, têm sido marcados por aumento da repressão sobre a imprensa no país notório por atos de censura e perseguição ao jornalismo independente e crítico.
A denúncia foi feita pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), com pesadas críticas ao governo do primeiro-ministro Samdech Hun Sen, um ex-integrante do Khmer Vermelho que comanda o país desde 1985.
“Fontes da FIJ relataram que o assédio online, abuso e outras formas de intimidação de jornalistas têm sido desenfreadas antes das eleições nacionais”, diz o comunicado emitido pela organização, sediada em Genebra e que representa associações e sindicatos profissionais de todo o mundo.
Camboja restringiu acesso à internet antes das eleições
Samdech Hun Sen é o primeiro-ministro há mais tempo no cargo no mundo. Ele tem 70 anos e busca um novo mandato.
O governista Partido do Povo Cambojano (CPP) tem a totalidade das cadeiras no parlamento e deve manter sua hegemonia na casa legislativa. Segundo a FIJ, o principal partido alternativo, Candlelight, foi proibido de se registrar.
O tom da campanha é pesado. Hun Sen teve sua conta no Facebook bloqueada pela Meta depois de um vídeo incendiário em que ameaçou “usar um bastão” contra seus oponentes políticos. O perfil foi reativado na quinta-feira (20).
No comunicado sobre a repressão à imprensa no Camboja antes das eleições, a IFJ salienta que um documento produzido pelo órgão regulador de telecomunicações em 12 de julho revelou as intenções das autoridades de restringir o acesso à internet para a Radio Free Asia (RFA) e para o Cambodia Daily, bem como para o banco de dados público online Kamnotra, administrado pelo Cambodian Centre for Independent Media.
Segundo a Federação, um porta-voz do ministério afirmou que os veículos não teriam cumprido os padrões operacionais e “denegriram o governo”. Também afirmou que o Kamnotra era legalmente visto como um meio de comunicação.
Em 17 de julho, a RFA informou que vários de seus sites foram bloqueados por alguns ISPs, enquanto Kamnotra disse ter recebido relatórios sobre a incapacidade de alguns usuários de acessar serviços em inglês e khmer enquanto usavam determinados ISPs.
Leia também | Veja as melhores e as piores regiões do mundo para a liberdade de imprensa em 2023
Perseguições começaram meses antes do pleito
Os últimos ataques à mídia seguem um padrão de violações contra o jornalismo independente durante o ciclo eleitoral, afirmou a Federação, citando exemplos das perseguições.
Em fevereiro, o canal digital independente Voice of Democracy (VOD) foi fechado após uma ordem direta do primeiro-ministro. Ele havia publicado uma reportagem em 11 de fevereiro informando que o filho de Sen, Hun Manet, aprovara pessoalmente a ajuda humanitária à Turquia sob o nome de seu pai.
Vários provedores de serviços de Internet bloquearam os serviços online do VOD, com o Ministério da Informação revogando suas licenças de publicação e transmissão em 13 de fevereiro.
Após o fechamento, Sen e seus apoiadores foram acusados de ter conduzido uma campanha de assédio e abuso online contra a equipe do VOD .
Em 19 de junho, o principal correspondente e âncora do Cambodia Daily afirmou ter recebido uma ameaça de morte da influenciadora pró-governo Pheng Vannak via Facebook, por supostamente criticar Hun Sen e sua família em um programa de notícias.
O primeiro-ministro também ameaçou diretamente o Serviço Khmer da RFA em 4 de junho, pedindo a remoção de um repórter não identificado se o veículo desejasse restaurar sua base de operações em Phnom Penh.
Poucas mudanças nas eleições no Camboja
As eleições que renovarão o parlamento, hoje inteiramente nas mãos do Partido do Povo Cambojano, devem mudar nomes mas não o quadro político. Análises apontam para a vitória de uma nova geração formada por descendentes de atuais comandantes.
Segundo a FIJ, o filho de Hun Sen, Hun Manet, é um general de quatro estrelas recém-promovido e um dos vários sucessores diretos que devem herdar altos cargos no governo.
“A ONU preparou o Camboja para ser uma democracia na década de 1990, após os horrores do regime do Khmer Vermelho. Apesar de supostamente ser uma democracia, eleições fraudulentas, cooptação de oponentes, prisão e exílio de outros pelo regime de Hun Sen, bem como ataques generalizados à mídia e à sociedade civil efetivamente transformaram o país em um estado autoritário”, diz a Federação de Jornalistas.
O Camboja está em 147º lugar no Global Press Freedom Index da organização Repórteres Sem Fronteiras, que lista 180 nações. O país caiu cinco posições em relação ao ano passado.
Na análise sobre a situação do país, a RSF destaca que a transição democrática que começou no final da década de 1980 permitiu o surgimento de uma imprensa que floresceu até o primeiro-ministro Hun Sen lançar “uma guerra implacável” contra o jornalismo independente antes das eleições de 2018.
Leia também | Prisões, mortes, agressões: relatório documenta violações da liberdade de imprensa no Sul da Ásia