Uma nova pesquisa global destinada a compreender as crenças de pessoas que se declaram sem religião, conhecidas como “nones”, revelou que o Brasil é o país onde elas mais acreditam em Deus, as que mais rezam, as que mais admitem a existência de algo espiritual e as que mais frequentam serviços religiosos, além de estarem entre as que mais valorizam o papel da religião na sociedade.
Segundo o levantamento do instituto americano Pew Research Center, 65% dos brasileiros sem religião admitem a existência de algo espiritual além do mundo material. E quando a pergunta questionou a existência específica de Deus, poucos a negaram, com o percentual pulando para 92%.
Os percentuais brasileiros estão bem acima da média mundial. Considerando todas as pessoas sem religião pesquisadas nos 22 países da pesquisa, 28% disseram acreditar em Deus e 49% admitiram a existência de algo espiritual.
A Hungria figura como a nação com mais “nones” céticos, com o menor número de pessoas que disseram acreditar em Deus (9%) ou em algo espiritual (16%).
Os “nones” são definidos como aqueles que se identificam como ateus, agnósticos ou dizem “nenhuma em particular” quando questionados sobre sua religião.
No Brasil, 15% da população se declara sem religião, deixando o país em 19º entre os 22 países entrevistados. O Japão ficou em primeiro lugar, com 55% de autodeclarados “nones”.
No caso dos Estados Unidos, 29% dos entrevistados se declararam sem religião. Os motivos para a não afiliação foram variados: além do não-crer, muitos citaram experiências negativas com pessoas religiosas e o desgosto com as instituições por elas representadas.
Brasileiros ‘nones’ são os que mais rezam
Outros dados da pesquisa reforçam a espiritualidade dos brasileiros não afiliados a religiões: mais de oito em cada 10 (84%, o maior percentual) admitem recorrer às orações.
E quase a metade deles faz isso diariamente ou com frequência, embora não sejam tão habituados a acender velas ou incenso como os sul-africanos, recordistas nessa prática.
Curiosamente para um país com forte senso religioso, a Itália está entre os países nos quais os sem religião rezam com menos frequência. E é o país onde o maior número de pesquisados se declarou ateu.
Enquanto a Austrália registra a menor taxa de “nones” que frequentam missas ou cultos, com apenas 18%. os brasileiros sem religião também são os campeões nesse quesito.
Mais de sete em cada 10 “nones” no Brasil dizem que frequentam serviços religiosos, o que representa a maior porcentagem entre todos os 22 países. Embora a maioria vá com pouca frequência, 16% revelaram comparecer pelo menos uma vez por mês.
Suecos são os que menos acreditam em Deus e em vida após a morte
De acordo com o Pew, os “nones” suecos, que representam 52% da população, são os que menos acreditam em Deus e em vida após a morte. Mais da metade deles (ou 28% de toda a população) acreditam que tudo se limita ao mundo material.
No Brasil, onde 15% se disseram sem religião, apenas a décima-quinta parte deles (ou 1% da população) se disseram céticos quanto à existência de Deus e da vida após a morte.
A África do Sul foi o único país onde toda a população, incluindo a totalidade dos sem religião, acredita na existência de Deus e da vida após a morte.

‘Nones’ latino-americanos mais inclinados a acreditar em Deus
O Pew aponta um padrão regional. Em países latino-americanos, grandes parcelas dos sem religião seguem acreditando em Deus — com Brasil (92%), Colômbia (86%), México (76%) e Chile (69%) se destacando, e com o Peru no topo global dos que acreditam em vida após a morte (65%).
A América Latina também se sobressai em crenças na natureza e nos animais: em vários países da região, metade ou mais dos sem religião acreditam que animais podem ter espíritos.
No Chile chega a 80% a proporção dos que veem partes da natureza (montanhas, rios, árvores) como dotadas de espíritos ou energias espirituais, segundo o Pew.
Como se comportam os sem religião
A pesquisa do Pew Reseach Center envolveu 10 mil adultos em 22 países de várias regiões do mundo, escolhidos entre os que têm maior proporção de pessoas que se declaram “nones”. No Brasil, as entrevistas foram presenciais.
Metodologicamente, os pesquisadores esclarecem que a tradução de “Deus” foi adaptada a cada contexto linguístico e cultural (por exemplo, “Dios”, “Dieu”, “Allah”), e que a abordagem foi a mais genérica possível em sociedades com tradições religiosas distintas.
Os “nones” refletidos no estudo não são apenas os ateus. A classificação engloba os que não seguem uma religião e também os que se consideram agnósticos, – ou seja, aqueles que declararam não acreditar, mas também não negar totalmente, a existência de forças superiores.
Em geral, os “nones” são menos propensos a ter crenças espirituais e a se engajar em práticas religiosas do que as pessoas afiliadas a uma religião. E tendem a apresentar uma visão mais cética do impacto da religião na sociedade.
Mas isso não é uma regra, como mostra o levantamento.
Um quinto dos “nones” acredita na vida após a morte
Em todos os 22 países, cerca de um quinto ou mais dos que não têm religião acredita na vida após a morte, de acordo com a pesquisa.
E muitos acreditam espíritos da natureza ou no poder da magia ou de maldições.
Os “nones” chilenos (80% deles) são os que mais acreditam que elementos da natureza podem ter espíritos ou energias espirituais. Os nones brasileiros ficam em sexto lugar nesse quesito, com 61% deles acreditando nisso.
Já os “nones” colombianos (67% deles) são os que mais acreditam que feitiços, maldições e outras magias podem influenciar a vida das pessoas. Os brasileiros sem religião estão entre as três nacionalidades que mais acreditam nisso, com 55% deles admitindo essa influência.

Brasil, um Gigante Espiritual Entre os “Nones”
O Brasil se destaca consistentemente no topo da lista ou entre os primeiros países em indicadores de crença e prática espiritual entre os não afiliados a uma denominação religiosa, e também em sua visão sobre o papel da religião na sociedade.
Em uma tendência oposta a australianos, canadenses e à maioria dos pesquisados dos países europeus, nos quais a religião é classificada como “nem um pouco importante”, apenas 23% dos “nones” brasileiros a vêem assim.
Essa visão é compartilhada com os “nones” da Colômbia, Peru e África do Sul, e pode refletir a influência de crenças e práticas religiosas tradicionais africanas, afro-caribenhas, ou indígenas e indianas, segundo o Pew.
Juntamente com Cingapura (20%), o Brasil (23%), está entre os dois países nos quais os “nones” menos acreditam que a religião causa mais mal do que bem à sociedade. Os países nos quais os “nones” mais acreditam que ela causa mais prejuízos do que benefícios são Grécia (74%), Austrália (73%) e Reino Unido (67%).
Os “nones” brasileiros também se posicionam entre os que menos acreditam que a religião promove a intolerância. Menos da metade (45%) dos pesquisados declarou acreditar nisso. Foi o sexto menor percentual da pesquisa, mas significativamente acima dos percentuais de Japão (28%) e Singapura e África do Sul (ambas com 31%). Os “nones” australianos (76%) são os que mais vêem a religião como promotora de intolerância.
Já um percentual alto, de quase sete em cada dez (67%) dos “nones” brasileiros acredita que a religião fomenta as superstições. Em todos os países, mais da metade dos “nones” concorda com isso. Os menores índices foram registrados no Japão (51%) e na África do Sul (55%). Os “nones” que mais acreditam no incentivo religioso à superstição são os gregos (84%) e os britânicos (83%).
Religião, política e leis: o que pensam os brasileiros sem religião
O Brasil, juntamente com Colômbia, Peru e África do Sul, está entre os países onde quase metade dos “nones” considera que a Bíblia deveria ter uma influência considerável nas leis do país.
Isso contrasta com a tendência geral de quase todos os demais países analisados, onde um quarto ou menos dos “nones” defende tal influência.
No Reino Unido, 86% dos adultos sem religião não consideram importante ter um primeiro-ministro com fortes crenças religiosas. Na Suécia, essa porcentagem é de 96%.
No Brasil, esse percentual cai para 58%. No pólo oposto, 41% dos “nones” brasileiros acham importante que o líder nacional tenha fortes convicções religiosas.
África do Sul (51%) e Peru (47%) são as nações onde a importância da convicção religiosa do líder apresenta os maiores percentuais entre os sem religião.
Prevendo o futuro
O estudo revelou ainda que o comportamento em práticas espirituais como consulta a horóscopos ou a formas de “ver o futuro” é relativamente parecido entre afiliados e não afiliados a uma religião.
Diferenças de gênero também aparecem — mulheres sem religião tendem a relatar mais uso de velas/incenso e mais consulta a formas de prever o futuro do que os homens, revela a pesquisa do Pew.
O que isso diz sobre o Brasil — e o desafio às igrejas
Segundo o Pew, os sem religião no Brasil se distinguem por crerem muito — em Deus e no espiritual —, ainda que dispensando a identidade religiosa formal.
Em paralelo, os “nones” brasileiros tendem a ver a religião de maneira relativamente positiva para a sociedade (em contraste com a visão mais crítica observada entre os não afiliados europeus).
O dado central é que não pertencer a uma igreja não significa não acreditar — e o Brasil é o principal exemplo disso no mundo pesquisado.