O desafio de tornar mais inclusivas as redações e a cobertura da imprensa  é o tema de um livro eletrônico que acaba de ser lançado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. “Diversidade no Jornalismo Latino-Americano”, em espanhol, reúne reflexões de 16 profissionais de imprensa de sete países da região, incluindo o Brasil.

A obra é dividida em quatro seções – gênero, orientação sexual, questões raciais e étnicas e deficiência.

Os 16 autores têm atuação destacada na promoção da diversidade nas redações. Alguns já lançaram veículos de mídia digital nativa voltados a públicos mais diversos.

Três dos que assinam artigos são brasileiros: Jamile Santana, do Énois; Caê Vasconcelos, da Agência Mural; e Paula Cesarino Costa, a primeira editora de Diversidade da Folha de S.Paulo.

A liderança do projeto foi do jornalista e professor Rosental Calmon Alves, que dirige o Centro Knight:

Foto: Knight Center

“O tema não poderia ser mais atual e mais importante, pois cresce em todo mundo o clamor por diversidade, igualdade e inclusão.”

A editora do livro, Mariana Alvarado, acredita que as redações da região são mais pluralistas e democráticas, o que a seu ver é a melhor forma de contribuir com um jornalismo de qualidade que atenda a todas as etnias e diferentes comunidades.”Não podemos continuar a nos concentrar em apenas um segmento da população, porque nossa região é rica e diversificada.”

Lina Cuellar, autora de um artigo sobre orientação sexual, destacou a importância do livro por entender que em geral diversidade é vista como isolada e característica dos contextos locais.

“No entanto, a América Latina apresenta altos níveis de violência explícita e simbólica (em termos de legislação, cultura, violência policial, acesso a recursos, entre outros) contra pessoas LGBTQ, mulheres, pessoas com deficiência e pessoas estigmatizadas”, disse.

“Instituições de amplo alcance, como o Centro Knight, têm a capacidade de estabelecer diálogos regionais sobre como o jornalismo está tratando (ou não) dessas questões tanto local quanto regionalmente. E sobre como os jornalistas podem ser treinados para lidar melhor com elas.”

Andrea Medina, autora de um artigo sobre deficiência, enfatizou a responsabilidade social da mídia:

“No caso das pessoas com deficiência, é necessário que sejam representadas como agentes ativos, protagonistas de suas próprias notícias, pois muitas vezes são as outras pessoas que falam por elas. com uma abordagem assistencialista e não enfocando seus direitos. ”

O livro pode ser baixado no site do Knight Center. 

O ponto de vista do Brasil 
Jamile Santana – Foto: Perfil LinkedIn

Os brasileiros que participaram da coletânea abordaram aspectos diferentes da diversidade na mídia.

Jamile Santana escreveu sobre o projeto desenvolvido pelo Enóis, que ajuda jornalistas e editores a implementarem ferramentas de diversidade nos meios de comunicação, com ações envolvendo gestão, formação de equipe, produção jornalística, audiência e área de cobertura.

O projeto está disponível para redações de todos os tamanhos. Jamile, que é gerente de jornalismo no Énois, comentou os resultados:

“Seis meses após a implantação, todas as redações que adotaram o programa expandiram a cobertura e a análise do público para territórios periféricos. Mais da metade mudou a orientação de seu trabalho no que se refere a  fontes retratadas e ouvidas nas reportagens.”

Ela contou ainda que 50% incluíram práticas de treinamento de diversidade, como rodas de conversa sobre racismo estrutural e criação de equipe de escuta e atenção à saúde mental dos jornalistas.

Caê Vasconcelos – Foto: Perfil LinkedIn

Caê Vasconcelos, um dos únicos jornalistas transsexuais assumidos do país, abordou em seu capítulo do livro a falta de representatividade da comunidade trans no jornalismo brasileiro.

Ele lembrou que o Brasil é o país que mais mata pessoas transsexuais no mundo: Em 2020, 175 trans e travestis foram assassinados.

“Com a ausência de trans e travestis dentro das redações, vemos uma imprensa que não sabe como tratar questões particulares dessa comunidades”, diz.

Para Caê, a única forma de mudar a realidade brasileira sobre essa população é incluir as pessoas trans na sociedade, permitindo que jornalistas trans escrevam, contem histórias de pessoas talentosas, mostrando como fazem parte da construção de um mundo melhor

Paula Cesarino Costa escreveu sobre a disparidade de representação racial na imprensa, e destacou uma contradição do jornalismo brasileiro: no país onde a maioria da população é negra, eles são minoria na mídia.

Em mais de 30 anos de trabalho em redação, me sobram dedos nas mãos para contar o número de jornalistas negros com quem convivi.

A maioria dos que têm voz nas redações são brancos de áreas centrais e ricas do país. Uma pesquisa descobriu que seis em cada dez jornalistas eram mulheres, e sete em cada dez eram brancas. Em contraste, 50,7% da população do Brasil é negra.

 

Debate 

Quatro coautores do livro debateram a diversidade no jornalismo durante a conferência anual da National Association of Hispanic Journalists (NAHJ). O encontro teve a participação de Jamile Santana (Brasil), Andrea Medina (Chile), e María Teresa Juárez e Eladio González (ambos do México). Mariana Alvarado, que editou o e-book, e Rosental Alves, que dirigiu o projeto, também estavam presentes.

A conversa pode ser assistida aqui.