A censura à imprensa e perseguição a jornalistas pelo governo da Nicarágua, agravada esta semana com a prisão de Juan Lorenzo Holmann, diretor do La Prensa, principal jornal do país, está mobilizando as principais entidades internacionais de defesa da liberdade de imprensa, de expressão e dos direitos humanos. 

Repórteres sem Fronteiras (RSF), Sociedade Interamericana de Imprensa, Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Comitê de Proteção a Jornalistas e a rede Ifex estão entre as que se manifestaram atacando duramente a administração de Daniel Ortega. 

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As duas últimas, junto com outras cinco organizações, assinaram uma declaração conjunta convocando a comunidade internacional e se unir para tentar pôr fim aos abusos:

“Diante da escalada da repressão e perseguição à imprensa independente e a vozes dissidentes, conclamamos a comunidade internacional a se manifestar em defesa da liberdade de imprensa e de expressão na Nicarágua, para condenar as contínuas violações destes direitos e apelar ao restabelecimento de condições que permitam a realização de eleições livres, justas e transparentes.”

A CIDH está fazendo uma campanha nas redes sociais, em que classifica a censura e a perseguição oficial contra veículos e jornalistas como “incompatível com a proteção da liberdade de expressão, afetando a democracia e os direitos humanos em um contexto eleitoral”. 

Diretor do jornal La Prensa foi preso, e redação tomada por forças do governo

Em entrevista à edição online do jornal La Prensa nesta sexta-feira (20/8), o relator especial para a liberdade de expressão da CIDH, Pedro Vaca, condenou os ataques ao jornal, cujos escritórios foram invadidos pela Polícia Nacional no início da semana:

Pedro Vaca, da CIDH. (Reprodução/Twitter)

“A Nicarágua está passando por uma crise multidimensional de direitos humanos, com erosão do estado de direito”, afirmou.

“As autoridades estão obcecadas em garantir que a sua voz seja única”.

A RSF divulgou um comunicado exigindo a libertação imediata de Juan Lorenzo Holmann, diretor do La Prensa preso esta semana, e instando as autoridades nicaraguenses a permitirem que os funcionários do jornal retomem seu trabalho normalmente nas redações, que permanecem sitiadas pela Polícia Nacional.

O diretor da RSF na América Latina, Emmanuel Colombié, disse:

“Diante das eleições presidenciais de novembro de 2021, Daniel Ortega está reforçando seu arsenal de censura e empreendendo processos judiciais abusivos contra todos os seus oponentes e, em particular, contra a mídia independente.”

La Prensa teve distribuição suspensa por tempo indeterminado

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) se manifestou contra a “operação ilegal” nos escritórios do La Prensa e a detenção de Holmann.

A SIP disse que Holmann é o 33º preso político do regime do presidente Daniel Ortega e da vice-presidente Rosario Murillo.

“Já nos faltam palavras para denunciar a ditadura de Ortega, que a cada dia mostra como o regime tira opositores e críticos do caminho”, disse o presidente da SIP, Jorge Canahuati, segundo nota da organização.

Em 12 de agosto, antes de suspender sua distribuição por tempo indeterminado, o La Prensa usou a primeira página para denunciar a perseguição.

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No dia seguinte, a Polícia Nacional invadiu a sede do jornal, em Manágua. A eletricidade e o acesso à internet foram cortados, os funcionários foram dispensados, e jornalistas e funcionários foram mantidos dentro do prédio por várias horas sem poder usar seus telefones celulares.

A publicação permanece operando na internet.

Diretor é mantido preso em local desconhecido e sem acesso a advogados

Juan Lorenzo Holmann, que esteve presente durante a busca, foi detido pela polícia por quase 15 horas. Na manhã do dia 14 de agosto, foi levado para “assinar alguns papéis” na Diretoria de Assistência Judiciária (DAJ), onde acabou sendo preso. 

O Ministério Público anunciou que ele ficará detido por 90 dias, durante a investigação contra o La Prensa por “fraude alfandegária e lavagem de dinheiro”.

Juan Lorenzo Holmann, diretor do jornal La Prensa, o maior da Nicarágua, que faz oposiçnao ao governo Ortega. (Divulgação/Polícia Nacional da Nicarágua)

Como dezenas de opositores políticos, o diretor-geral do jornal é mantido em local secreto e não pode ver sua família ou seus advogados.

Fundado há 95 anos, La Prensa é o único jornal de alcance nacional da Nicarágua. Em 2020, foi finalista do Prêmio de Independência RSF, pela sua cobertura aos protestos que eclodiram em 2018 contra Daniel Ortega, e por nunca ter poupado críticas ao poder.

Vários meios de comunicação independentes desapareceram sob Ortega

Em 2019, e durante 18 meses, o La Prensa sofreu privação de papel e de matérias-primas. Mais recentemente, o jornal foi vítima de processos judiciais abusivos que tentaram obrigá-lo a pagar multas exorbitantes.

Trata-se de “um duro golpe”, como testemunhou Eduardo Enríquez, jornalista do La Prensa e correspondente da RSF. Ele afirma que “a empresa tenta se reorganizar no curto prazo e encontrar uma forma de viabilizar economicamente a edição digital”.

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O La Prensa não é o único a sofrer repressão. De acordo com o Sindicato da Imprensa da Nicarágua, pelo menos vinte meios de comunicação independentes desapareceram durante o governo Ortega, especialmente após o confisco de materiais ou fechamentos forçados. 

A maior parte deles encerrou suas atividades devido à crise política e econômica que o país atravessa desde 2018, bem como aos protestos antigovernamentais, nos quais morreram mais de 300 opositores.

Ortega integra a lista de “predadores” da liberdade de imprensa, da RSF

Daniel Ortega, presidente da Nicarágua desde 2007 — e que já ocupou a Presidência pela primeira vez entre 1979 e 1990 — foi incluído na última lista de Predadores da Liberdade de Imprensa, elaborada pela RSF em 2021.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, também faz parte da relação de líderes mundiais que trabalham contra a mídia, na avaliação da RSF.

O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega. (Fernanda LeMarie/Cancillería del Ecuador/Divulgação)

Segundo a organização, ele estabeleceu “um sistema sórdido de asfixia econômica da mídia independente que inclui políticas discriminatórias sobre a publicidade oficial, restrições à importação de elementos e materiais jornalísticos, auditorias abusivas, pressões e prisões arbitrárias”. 

Entre 2020 e 2021, a Nicarágua perdeu quatro posições no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa publicado pela RSF e atualmente está na 121ª posição entre 180 países.

Outras reações

Carlos Fernando Chamorro, um dos mais respeitados jornalistas nicaraguenses e diretor do jornal digital Confidencial, acompanha o caso de longe.

Ele teve que fugir do país depois que a sede do jornal foi invadida duas vezes. Em editorial publicado no dia 16 de agosto, ele relembrou a resiliência do La Prensa diante de agressões anteriores, que vitimaram seu próprio pai

O jornalista nicaraguense Carlos Chamorro. (Wikipedia)

“Em 10 de janeiro de 1978, os pistoleiros da ditadura de Somoza assassinaram meu pai Pedro Joaquín Chamorro, diretor do La Prensa, que modernizou o jornalismo nacional e construiu a ‘República de Papel’, mas nunca conseguiram matar suas ideias.

No ano seguinte, a guarda nacional destruiu o La Prensa com aviões e tanques.

Agora, 42 anos depois, o medo que a nova ditadura tem da liberdade de imprensa e das eleições livres levou à tomada do La Prensa, sob outro pretexto, mas com o mesmo objetivo de tentar silenciar um meio de comunicação independente”. 

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