Executivos da diretoria da Next Digital, grupo que controlava o jornal Apple Daily, fechado pelo governo na China, informaram a sua rescisão coletiva neste domingo (5/9), em comunicado que sela o fim das operações do grupo de comunicação, que atuou como exemplo da liberdade de imprensa que vigorou em Hong Kong nas últimas décadas.

Após a China assumir o controle do território e impor leis rígidas contra movimentos pró-democracia, o fundador do grupo, Jimmy Lai, 73 anos, maior empresário de mídia de Hong Kong, com um patrimônio estimado em US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,2 bilhões), está preso desde 16/4 por “assembleias não autorizadas” durante os protestos pró-democracia de 2019. 

Tanto a operação de Hong Kong da Next Digital, como também a de Taiwan, serão vendidas. As acusações contra a empresas vão de uma sublocação no prédio da companhia até “conluio com estrangeiros”, argumento frequentemente usado contra detratores do governo chines.

A Lei de Segurança Nacional, que dá base à detenção de Lai, foi também usada para sufocar a Next Digital, bloqueando os ativos financeiros da companhia e impedindo-a de honrar pagamentos até mesmo de salários de funcionários.

O movimento para a liquidação da empresa pretende levantar fundos para saldar dívidas com fornecedores e ex-empregados.

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“A empresa foi proibida de pagar custos como comprar tinta e manter a eletricidade ligada. A empresa possui ativos, mas foi proibida de usá-los. Nenhuma ordem judicial foi necessária para congelar ativos nos termos da Lei de Segurança Nacional”, aponta a Next Digital em comunicado emitido no domingo.

“De acordo com essa nova lei, uma empresa pode ser forçada à liquidação sem o envolvimento dos tribunais.”

O jornal Apple Daily, que encerrou suas operações após ser invadido por forças de segurança  em junho, teve mais de um milhão de cópias impressas em  sua edição de despedida, segundo a empresa. A publicação circulava desde 1995.

Além do fundador, sete funcionários do grupo, entre executivos e jornalistas, foram presos, como no caso do editor da seção de opinião do Apple Daily, Fung Wai-kong, detido em junho quando tentava embarcar para o Reino Unido. 

“O governo de Hong Kong nunca indicou quais textos publicados pelo Apple Daily supostamente violaram a Lei de Segurança Nacional”, aponta a Next Digital. 

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O grupo agradece aos leitores do Apple Daily e afirma que a publicação chegou a ser a com maior número de assinantes digitais no mundo, com 7,5 milhões de assinantes. “Nenhum direito está seguro”, destaca o comunicado.

A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) e sua afiliada, a Associação de Jornalistas de Hong Kong (HKJA), manifestaram preocupação com a liberdade de imprensa e a mídia independente em Hong Kong, após a pressão do governo para fechar o Apple Daily.

Em Taiwan, a edição impressa do Apple Daily havia cessado em 18 de maio. A notícia veio horas antes de as autoridades de Hong Kong anunciarem o congelamento das ações da Next Digital. 

“Quando você abusa do poder do Estado, congela contas bancárias e joga pessoas na prisão — o editor-chefe, o presidente-executivo, o fundador — isso soa como uma república das bananas”, disse ao New York Times Mark Clifford, diretor não-executivo independente da Next Digital. “Não foi isso que fez de Hong Kong um centro de investimento internacional ou a imagem de que se orgulha, com Estado de Direito e proteção dos direitos de propriedade.”

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A China vem usando a Lei de Segurança Nacional contra a imprensa e também contra as artes. Na semana passada, o governo de Hong Kong anunciou que produções cinematográficas que atentem contra a soberania nacional teriam suas licenças de exibição cassadas.

A iniciativa vale tanto para lançamentos quanto filmes antigos, e acontece após a emissora pública de Hong Kong, a Radio Television Hong Kong (RTHK) firmar uma parceria em agosto com o Chinese Media Group — empresa controladora dos meios de comunicação estatais da China, CCTV e China National Radio.

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