Londres – A frase do título não é nossa. É a manchete de um artigo na Vanity Fair sobre as mudanças no Google baseadas em recursos de IA que podem fazer o jornalismo sumir das buscas.
O leitor apressado receberá sumários feitos com base no que gente de carne e osso pautou, mandou cobrir, apurou, escreveu, fotografou e editou (sem contar a turma da contabilidade, do RH, da TI, do marketing, do comercial, da fotografia, das redes sociais e toda a cadeia produtiva de uma empresa jornalística).
O mecanismo está sendo visto por muitos como a pá de cal em um setor já abalado pela concentração da propaganda nas mãos das plataformas digitais, um fenômeno que transformou a indústria.
Mas enquanto as empresas decidem se brigam na justiça contra o uso de seu conteúdo para treinar as IAs ou se negociam com as dominantes do setor para receber compensação e a nova forma de encontrar notícias parece inexorável, a tecnologia avança nas redações, sem que o leitor esteja necessariamente confiante.
Pesquisa mostra o que o leitor acha da IA no jornalismo
O Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo pesquisou as impressões do público a respeito do uso da IA na produção de notícias.
Foram ouvidas mais de 12 mil pessoas nos EUA, Japão, França, Reino Unido, Argentina e Dinamarca. Em sua maioria, elas demonstraram reservas com a IA no jornalismo e esperam que humanos estejam no comando.
Um em cada três entrevistados acreditam que editores de carne e osso confirmam se os resultados gerados pelas IAs estão corretos e obedecem a altos padrões antes da publicação.
Isso nem sempre é verdade. Em dezembro do ano passado, o CEO do grupo dono da Sports Illustrated foi demitido depois da revelação de que matérias geradas por IA − como resultado de acordo comercial com uma empresa de conteúdo patrocinado − tinham sido assinadas por jornalistas reais.
Mas eram todos inventados pela IA, o que faz com que o conteúdo esteja longe do “alto padrão” que se espera de um texto jornalístico assinado.
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Os pesquisadores constataram muita incerteza a respeito da absorção da IA generativa na produção jornalística.
Uma parte do público nesses países já entende que a IA já está entre nós: 43% acreditam que é sendo usada sempre ou com muita frequência para corrigir ortografia; 29% para escrever manchetes e 27% para escrever textos.
O que deve ser rotulado como produzido por IA
Apenas 5% acham que não é necessário rotular conteúdos produzidos com ajuda da IA. Mas o que rotular?
Um terço dos pesquisados entende que se a IA ajudou a corrigir erros ortográficos ou criar uma manchete, isso deve ser sinalizado. A taxa sobe para usos mais avançados, como “escrever o texto” e “analisar dados” (ambos marcando 47%). E nem tudo é aceitável.
Em uma escala resultante da ponderação de opiniões negativas e positivas, notícias sobre moda alcançaram sete pontos, enquanto textos sobre esportes marcaram cinco. Já em notícias politicas a pontuação foi -33.
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ChatGPT e notícias
Por ter popularizado a IA generativa, o ChatGPT é a ferramenta mais utilizada pelo público. Mas para a obtenção de notícias o uso ainda é baixo (5%), o que se explica pelo fato de o serviço da OpenAI não estar conectado ao noticiário recente.
No entanto, vale observar o que acontece nos EUA, onde o Google começou a testar as buscas de sua IA abrangendo conteúdo jornalístico: 10% dos entrevistados pelo Reuters disseram já usar a tecnologia para se informar. Mais do que confiança no conteúdo, o que está em jogo agora é acesso.
Grandes empresas jornalísticas fecharam acordos com a OpenAI para licenciar seus conteúdos − Financial Times, Axel Springer, Le Monde, Prisa, NewsCorp, Vox, The Atlantic −, seguindo os passos da Associated Press, a pioneira.
New York Times, Getty Images e o grupo que edita o Chicago Tribune levaram a briga aos tribunais, o que pode resultar em acordos financeiros mais vantajosos do que obteriam negociando diretamente, ajudando a capitalizar o setor.
As questões em aberto são: será que o dinheiro dos acordos, por mais que as empresas de IA abram suas carteiras, compensará a queda de tráfego vaticinada por analistas quando os links diretos sumirem das buscas? E os pequenos, alijados desses acordos?
Se a audiência despencar, como atrair anunciantes? O que acontecerá com a receita da proaganda programática que sustenta veículos ou canais de criadores que conseguem audiência alta usando as técnicas de SEO que até hoje funcionaram?
A injeção das gigantes do setor nas empresas jornalísticas será suficiente para manter a produção de conteúdo em um nível capaz de continuar alimentando a “fera” da IA?
Nick Bilton, autor do artigo da Vanity Fair, levantou algumas dessas perguntas, mas não deu as respostas, se é que alguém as têm.
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