Por Michele Oliveira, de Milão 

Primeiro país da Europa a ser afetado pela emergência sanitária da Covid-19, no fim de fevereiro, a Itália logo viu o coronavírus tornar-se o assunto principal – e, por muitos dias, praticamente o único – dos meios de comunicação. A crise mudou a forma de os italianos consumirem notícias, impacto que ainda está sendo absorvido pelo mercado da informação, duramente abalado pelo colapso da economia.

Em 21 de fevereiro, o país acordou com a notícia de que, na madrugada, havia sido confirmado o primeiro caso de contaminação interna pelo vírus, em Codogno, na região da Lombardia, no desenvolvido norte do país.

Desde cedo, canais de TVs como a RaiNews24 perceberam a dimensão do fato – e do interesse do público –, enquanto a população ainda tentava entender o que estava acontecendo. A circulação sem controle do vírus foi um susto. Até aquele dia, imaginava-se que o problema estaria limitado à Ásia.

O valor da imprensa tradicional 

Nas primeiras semanas, a curva da audiência foi subindo no mesmo ritmo exponencial de contágios e mortes, com ambos os picos registrados entre 23 e 29 de março, quando os óbitos giravam em quase mil por dia. Nesse período, foram em média 15 milhões de espectadores diários, quase 50% a mais do que nos dias equivalentes de 2019. Um novo perfil foi atraído para a frente da TV: os adultos abaixo de 64 anos, os mais escolarizados e a classe média-alta. 

A alta foi parecida na audiência dos sites noticiosos, ainda que o boom tenha sido registrado alguns dias antes, na semana entre 9 e 15 de março. Foi justamente quando começou a vigorar o confinamento obrigatório imposto pelo Governo à população da Itália, de 60 milhões. 

Ainda que hoje o lockdown tenha se mostrado eficiente para frear a transmissão do vírus, ele foi recebido com choque. O país era o primeiro do mundo a entrar inteiramente em quarentena – antes, a China havia imposto duras regras de forma regional.

Com tantas proibições e normas desconhecidas, a população correu para o mundo online. E os mais acessados foram os sites dos dois maiores jornais italianos, o Corriere della Sera e o La Repubblica, que removeram, temporariamente, o paywall seus posts relacionados ao vírus.

Segundo dados da Audiweb compilados pelo Prima, site italiano equivalente ao Jornalistas&Cia, o primeiro obteve, naquela semana, 25,8 milhões de usuários únicos, um alcance 82% maior do que a média pré-Covid (20/1 a 16/2). Em segundo lugar, o La Repubblica recebeu 22,5 milhões no mesmo período. 

Em junho, a audiência dos dois líderes já era estável, de volta ao nível pré-pandemia, mas restaram efeitos. O Corriere anunciou haver superado as 300 mil assinaturas digitais, quase o dobro dos números de dezembro de 2019. E o La Repubblica divulgou ter liderado, em março, no auge da emergência, a circulação das versões digitais (aquela que reproduz o PDF do jornal impresso), com 32.106 cópias, crescimento de 13% em relação a março de 2019, também um reflexo do aumento das assinaturas. 

Migração acelerada para o digital

A pandemia parece ter acelerado a conquista de um novo público para o jornalismo digital na Itália, onde o papel ainda mantém certo prestígio. E uma das explicações é que o país tem a segunda população mais idosa do mundo, atrás somente do Japão.  

Em março, no auge do lockdown, quando sair de casa só era permitido por motivo de trabalho e saúde, a venda em banca teve leve queda para os dois maiores jornais nacionais. Segundo levantamento do Prima com dados da ADS (Accertamenti Diffusione Stampa), correspondente ao brasileiro IVC (Instituto Verificador de ãCirculação), o Corriere, na liderança, vendeu em média 173.194 exemplares diários, 5% a menos do que no mesmo mês do ano anterior. 

 Em abril, porém, a média diária subiu para 180.367, com ligeira alta (0,73%) em relação a 2019. As variações do segundo colocado, o La Repubblica, foram semelhantes.

Na Itália, durante os dois meses de quarentena, quando quase toda a atividade produtiva e econômica foi paralisada, as bancas de jornais foram consideradas serviços essenciais e puderam funcionar normalmente. Aqui, o comum é cada leitor buscar seu jornal pessoalmente – as assinaturas com entrega em casa são raras. 

Impacto financeiro severo 

Todos esses números, porém, estão longe de indicar que o jornalismo escrito e televisionado viva dias confortáveis. Mesmo quem estava rumo a uma menor dependência do modelo de negócios baseado em anúncios será afetado pela queda brusca do mercado publicitário. 

Segundo o relatório “This Year, Next Year”, do GroupM, que integra a multinacional de publicidade WPP, a estimativa é que o mercado publicitário italiano irá diminuir entre 17% e 20%, enquanto mundialmente a previsão é de -11,9% (para o Brasil, -29%). A Itália deve terminar 2020 fora da lista dos dez maiores mercados mundiais. 

Em entrevista ao jornal econômico Il Sole 24 Ore, Massimo Beduschi, CEO do GroupM Italia, afirmou:

” O percentual de queda chegou a ser de 50% nos meses de março e abril e a perda anual será de cerca de 1,5 bilhão de euros (-500 milhões para TV, -500 mi para internet, -150 mi para jornais diários, -100 milhões, cada um, para rádio, imprensa periódica e publicidade out-of-home). 

Outro cálculo, apresentado pela Escola de Negócios do Politécnico de Milão, chega a conclusões parecidas: o mercado publicitário italiano (TV, internet, rádio, imprensa e out-of-home) vai encolher 18% (-1,6 bilhão de euros) neste ano devido ao impacto do coronavírus, retrocedendo ao menos 15 anos.  

Mas as dificuldades da imprensa escrita obviamente não foram inauguradas com o Covid-19. Segundo o mais recente “Digital News Report” do Instituto Reuters da Universidade de Oxford, o declínio do papel, como fonte de informação, é constante desde 2013. Por outro lado, as redes sociais crescem de forma consistente.

 Agora, para manter os novos leitores, especialmente o La Repubblica, lançado em 1976, cem anos depois que o principal concorrente, e com espírito mais inovador, investe no lançamento de produtos e serviços, como reportagens multimídia de longo formato, newsletters supersegmentadas, vídeos, podcasts e playlists.


Michele Oliveira é jornalista. Trabalhou por 11 anos na Folha de S.Paulo, foi editora-chefe da revista Bamboo e desde 2016 é freelancer. Desde  2018 vive na  Itália, de onde tem escrito sobre os principais acontecimentos. Desde fevereiro, publicou mais de 30 matérias na Folha de S.Paulosobre a pandemia e seus efeitos.


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