O risco de greve de jornalistas no maior grupo de mídia britânico, o Reach, é um emblemático efeito da pandemia sobre o jornalismo do país, que tenta se adaptar a uma nova realidade financeira e operacional de um mundo em transição. A divergência entre patrões e empregados mostra que o caminho para a sustentabilidade financeira da mídia não é uma linha reta. 

Há três semanas, o grupo confirmou o fechamento de suas 15 redações e um sistema de trabalho remoto que prevê a manutenção de 75% da equipe em home office, com algumas das redações transformadas em hubs para atividades presenciais em caráter temporário. Agora, enfrenta o risco de uma greve em reação à proposta de reajuste de 1% nos salários. O grupo de negociação quer 5%. 

Em julho de 2020, o Reach havia sido o responsável pelo maior corte de pessoal entre todas as redações do país: 550 vagas foram eliminadas. Segundo o Financial Times, até setembro os cortes chegaram a 20% da força de trabalho.

A empresa, uma companhia aberta listada na Bolsa de Londres, tem 4 mil funcionários e mais de 100 títulos regionais e nacionais, com destaque para os tabloides Daily Mirror, Sunday Mirror, The Sunday People, Daily Express, Sunday Express, Daily Star e Daily Star Sunday 

Nos resultados de 2020, o grupo anunciou crescimento de 11% na receita digital, para £ 118,3 milhões. Mas a circulação impressa caiu 12%, para £ 319,7 milhões, e a publicidade digital despencou 29%,  para £ 108,4 milhões. A receita ficou em £ 600 milhões, 15% inferior a 2019.

O Reach está entre as empresas de mídia que recorreram ao esquema de suporte do governo para pagamento de salários durante a pandemia, tendo recebido £ 7 milhões, de acordo com o Financial Times. Apesar das aparentes dificuldades, decidiu pagar dividendos aos acionistas, sob o argumento de confiança no futuro de seu jornalismo online. 

Os jornais do grupo fugiram do paywall e apostaram no modelo de rastreamento dos leitores registrados. Em sua apresentação corporativa, diz ter 5 milhões de inscritos. 

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Risco de greve 

A confiança não foi suficiente para fazer o Reach retornar à normalidade. No mês passado, 97,5% dos 158 integrantes de um grupo de negociação formado por membros da Associação Britânica de Jornalistas, do Sindicato Nacional de Jornalistas e por funcionários não sindicalizados havia votado por um aumento de 5%. Mas o Reach ofereceu 1% acima da inflação. 

Na quarta-feira (7/4), uma consulta interna circulou nas redações para decidir se haverá greve. A consulta confronta a proposta de aumento com declarações recentes do grupo reconhecendo o esforço da equipe durante a pandemia, que fez muitos terem que trabalhar de casa arcando com “custos adicionais, mais horas de trabalho, desafios sem precedentes e circunstâncias pessoais estressantes”.

15 hubs para trabalho remoto em substituição a redações 

A compensação desses custos adicionais incorridos pelo home office, como conexão à internet, é um dos itens que ficou de fora quando o Reach confirmou os planos de fechamento de redações e manutenção de boa parte da equipe em casa de forma permanente, há duas semanas.

Na nota oficial, o porta-voz da empresa disse que uma pesquisa indicou que a maioria achava que o trabalho em casa atendia às suas necessidades. 

A sede principal, na área empresarial de Canary Wharf, perderá um de seus dois andares. Entre as 15 redações fechadas está a do Express, que ficava em um prédio icônico às margens do rio Tâmisa, com vista para a London Bridge. 

O imóvel já está sendo oferecido por imobiliárias especializadas em espaços comerciais. Um filme veiculado no site de uma delas mostra a imagem do que talvez tenha sido uma das redações, agora melancolicamente vazia. 

A notícia do fechamento foi dada em primeira mão pelo jornal gratuito City AM e repercutiu em toda a imprensa britânica. O Daily Telegraph classificou o movimento do Reach como “a morte das redações”.

A News Corp., que edita o The Sun e o The Times, também havia anunciado a permanência do home office. E o Mail Online criou um esquema de uma semana de trabalho no escritório a cada três. Mas a notícia do Reach teve mais impacto por ter sido acompanhada de um plano formal para o trabalho remoto. 

O grupo informou que apenas 25% da equipe ficarão nos escritórios. Um total de 15 redações em 14 cidades (incluindo uma em Londres) será transformado em hubs, com salas de reunião e espaços de trabalho colaborativo.

O plano determina que os que combinarem trabalho remoto e presencial passem no máximo 50% de seu tempo nos hubs. A tendência é de que equipes de produção fiquem baseadas nos escritórios. 

“Esta solução oferece maior flexibilidade com a capacidade de ter acesso a um espaço de reunião para recuperar a colaboração face a face e um elemento social − quando as regras de bloqueio permitirem”, disse a nota oficial. 

Os dois lados da moeda do home office no jornalismo

A pesquisa divulgada pelo Reach como fundamento para a decisão mostra como a questão do home office é controvertida, com vantagens e desvantagens. 

O grupo revelou que  89% da equipe disseram que trabalhar remotamente parte do tempo atendia às suas necessidades, e que 82% dos funcionários afirmaram não precisar de contato físico com colegas para executar suas tarefas. Mas 70% deles revelaram sentir falta dos companheiros de trabalho e admitiram que a saudade pode ter impactado seu estado emocional.

Por outro lado, 77% valorizaram o fim do estresse causado pelo deslocamento para o escritório. E 54% admitiram ter alcançado um equilíbrio melhor entre trabalho e vida pessoal. 

A formalização do esquema de trabalho do Reach para um jornalismo pós-pandemia pode não ser seguida por todos os veículos, mas é um modelo a ser observado. Servirá como teste operacional e também do impacto sobre as pessoas, sobre a criatividade e sobre a evolução profissional, sobretudo de jovens que perderão o contato regular com colegas mais experientes. 

Não vai ser fácil para todos. Em uma entrevista ano passado, no auge da pandemia, Allisson Philips, editora-chefe do Mirror, disse estar “sentindo falta desesperadamente” da redação. E que o jornalismo não é tão divertido quando você está sozinho em sua casa. 

Daily Telegraph abre 60 vagas 

Nem todas as empresas de mídia britânicas passam por dificuldades. Uma boa notícia veio do Daily Telegraph, que divulgou a abertura de 60 vagas para jornalistas no primeiro semestre e invesimentos na redação. A base passou de 600 mil assinantes, superando o concorrente The Times. O objetivo é ter 1 milhão até 2023, mas as coisas parecem estar andando mais rápido do que o previsto. 

Mas o jornal enfrentou revolta recentemente, com seu plano de bonificar jornalistas com base na audiência das matérias e nos cliques para assinaturas a partir delas.O desconforto na redação foi revelado pelo concorrente The Guardian, e gerou reação furiosa do editor-chefe do Telegraph. 

Al Jazeera e Tortoise Media no esquema do governo 

Na mão inversa, muias outras empresas continuam apelando para o esquema de apoio a pagamento de salários para funcionários licenciados oferecido pelo governo britânico. Em janeiro, JPI Media, Archant e Midland News, que editam títulos regionais, foram as que solicitaram mais apoio (numa faixa entre £ 100 mil  e £ 250 mil).  

Tortoise Media (um site inovador de slow news) e a rede Al Jazeera, que vinham resistindo, entraram para o esquema de apoio em janeiro. Entre os grandes jornais, apenas o The Guardian faz parte do esquema.  

Alguns grupos maiores chegaram a usá-lo no início da pandemia, como o Reach e o Telegraph, mas acabaram devolvendo os recursos depois de anunciar resultados positivos. 

Time Out em dificuldades 

O grupo que edita a revista e o site Time Out é um dos que está no sistema de suporte a pagamento de pessoal licenciado, mas isso não está sendo suficiente para compensar as dificuldades que enfrenta.

A receita da Time Out Media caiu 59%, para £ 9 milhões, no segundo semestre de 2020, como reflexo dos lockdowns que paralisaram o setor de entretenimento e os transportes públicos, fundamentais para o seu modelo de negócio. E a do Time Out Group despencou 69%, fechando em £ 12 milhões. A receita de publicidade digital também sofreu com a queda na demanda, principalmente das indústrias de viagens e hospitalidade, caindo 40%, para £ 5,5 milhões. 

A Time Out  suspendeu suas edições impressas em todo o mundo em março do ano passado, quando o coronavírus paralisou setores como viagens e hospitalidade, e mudou a marca online para Time In por cerca de seis meses. Voltou a rodar em Londres em setembro, mas parou de novo em dezembro, quando o lockdown foi retomado.

 As edições físicas continuaram apenas na Espanha e em Portugal, de forma limitada. Mas o tráfego no site caiu 6%. 

Em uma entrevista em que comentou os resultados, o CEO Julio Bruno disse que a pandemia era “uma bofetada” depois de um lucrativo segundo semestre de 2019. Não é o único a sofrer com as bofetadas da pandemia no jornalismo. 

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