O Facebook anunciou no dia 4 de junho a suspensão de Donald Trump por dois anos da plataforma. O ex-presidente estava bloqueado desde janeiro por tempo indeterminado depois que postou mensagens incitando seguidores a invadirem o Capitólio, o que resultou em cinco mortes.
Ao final de dois anos, a rede social vai avaliar com ajuda de especialistas se o risco para a segurança pública diminuiu. Se julgar que ainda há riscos, Trump pode continuar fora do Facebook por mais tempo até que a ameaça diminua. E quando a suspensão for levantada, “haverá um conjunto de sanções que serão acionadas se o Sr. Trump cometer mais violações no futuro, incluindo a remoção permanente de suas páginas e contas”, diz o comunicado da rede social.
O ex-presidente respondeu rápido. Em um comunicado, disse: “A decisão do Facebook é um insulto às 75 milhões de pessoas [referindo-se aos seus seguidores], além de muitas outras, que votaram em nós …Eles não deveriam ter permissão para escapar impunes dessa censura e silenciamento e, no final das contas, nós venceremos. Nosso país não aguenta mais esse abuso!“
O afastamento da principal rede social até 2023 (o prazo começou a contar no dia 7 de janeiro, quando o Facebook fez a suspensão) é um baque para o político, que ficará da principal rede social no período eleitoral de 2022, quando os Estados Unidos vão às urnas para eleger senadores.
E chega na hora em que ele desistiu de seu blog antes de completar um mês do lançamento, devido à baixa audiência e número reduzido de compartilhamentos. Seus planos para montar uma rede social própria continuam incertos.
O novo protocolo do Facebook
A punição a Donald Trump foi aplicada conforme o novo protocolo adotado pela rede social para o que classificou de “casos excepcionais”. A nova política aplica-se especificamente ao comportamento de pessoas públicas durante períodos de violência ou insurreição. Pelas regras, serão feitas suspensões periódicas, começando por um mês e podendo chegar a dois anos, com avaliação do quadro por experts para definir os passos seguintes.
O caso de Trump tinha sido enviado ao Conselho de Supervisão da plataforma, um grupo independente criado pelo próprio Facebook para deliberar sobre questões de moderação. Há um mês, o grupo deu o veredito sobre a suspensão, devolvendo a decisão final à empresa, que em seis meses deveria anunciar o destino final de Trump. Mas a decisão veio mais rápido.
O Conselho fez também uma série de recomendações sobre transparência e critérios de moderação. E havia criticou a suspensão temporária, reclamando da ausência de critérios.
No comunicado desta sexta-feira, assinado pelo Vice-Presidente mundial de assuntos corporativos, o ex-político britânico Nick Clegg, o Facebook disse que na época em que as violações foram cometidas por Trump não havia protocolos adequados para responder a tais “eventos incomuns”, razão pela qual fez uma suspensão temporária. Ele explicou o motivo do novo protocolo:
“Ao estabelecer a sanção de dois anos para violações graves, consideramos a necessidade de a punição ser longa o suficiente para permitir um período de tempo seguro após os atos de incitamento; ser significativa o suficiente para impedir o Sr. Trump e outros de cometerem violações graves no futuro, e ser proporcional à gravidade da própria violação”, disse o comunicado de hoje.
Clegg admitiu que as decisões da empresa dificilmente serão unanimidade:
“Sabemos que qualquer penalidade que aplicarmos – ou decidirmos não aplicar – será controversa. Há muitas pessoas que acreditam que não era apropriado para uma empresa privada como o Facebook suspender um presidente de sua plataforma, e muitas outras que acreditam que Trump deveria ter sido banido imediatamente para sempre.
Sabemos que a decisão de hoje será criticada por muitas pessoas em lados opostos da divisão política – mas nosso trabalho é tomar uma decisão da forma mais proporcional, justa e transparente possível, de acordo com as instruções que nos foram dadas pelo Conselho de Supervisão.”
Tratamento para políticos na rede social
Mais cedo, o site de tecnologia The Verge havia antecipado que a revisão alteraria a forma como governantes usam a rede social, com suas postagens sendo tratadas da mesma forma que o conteúdo dos demais usuários.
A empresa fez mudanças na política que protege os políticos de algumas regras de moderação com base no critério de “interesse” sobre o conteúdo. Afirmou que em resposta a uma recomendação do Conselho de Supervisão, passaria a fornecer mais informações sobre o sobre a política de valor da notícia e como ela é aplicada.
“Permitimos que determinado conteúdo que é interessante para o interesse público permaneça em nossa plataforma – mesmo que possa violar nossos padrões da comunidade. Também podemos limitar outras consequências de aplicação, como rebaixamentos, quando for do interesse público fazê-lo. Ao fazer essas determinações, no entanto, removeremos o conteúdo se o risco de dano for maior do que o interesse público.”
E afirmou que não tratará o conteúdo postado por políticos de forma diferenciada, mantendo-os só porque são políticos ou porque o conteúdo é “notícia”.
“Em vez disso, vamos simplesmente aplicar nosso teste de equilíbrio de valor jornalístico da mesma maneira a todo o conteúdo, medindo se o valor de interesse público do conteúdo supera o risco potencial de dano ao deixá-lo de lado.”
No entanto, um porta-voz do Facebook confirmou à agência Reuters que as postagens dos políticos ainda estariam livres de verificação de fatos por terceiros.
A empresa sempre se posicionou contra tratamento diferente para autoridades públicas. Executivos rede social, incluindo o CEO Mark Zuckerberg, sempre disseram que o Facebook não deveria policiar o discurso de políticos. Eles argumentaram que esse tipo de discurso já é o mais escrutinado do mundo e que as empresas privadas não deveriam censurar o que os políticos dizem aos seus cidadãos.
O presidente Jair Bolsonaro já teve postagens removidas da rede social, relativas à pandemia, como um vídeo em que se posicionou contra o isolamento social defendido por autoridades de saúde como medida eficaz para conter a disseminação do coronavírus. Em julho de 2020, a plataforma também removeu 73 contas ligadas ao presidente, seus filhos e aliados, por propagação de ataques e discurso de ódio.
Controvérsia e mistério
As políticas de moderação do Facebook sempre ficaram envolvidas em controvérsia e em segredo. Em março de 2021 o jornal britânico The Guardian teve acesso aum documento secreto de 300 páginas descrevendo em detalhes como os moderadores devem proceder em relação a conteúdo dos usuários.
Entre as revelações estava a de que são orientados a não remover ameaças de morte a pessoas públicas, incluindo jornalistas, políticos e celebridades.
Em julho de 2020, mais de 100 grandes marcas globais fizeram um boicote de um mês ao Facebook, suspendendo a propaganda, como forma de protesto contra a proliferação de discurso de ódio na rede social.
O Facebook acabou cedendo parcialmente à pressão e anunciou que passaria a sinalizar postagens que contivessem agressões, mas manteve-se firme quanto a não removê-las. Em seu perfil, Mark Zuckerberg afirmou na época considerar importante que as pessoas vissem as postagens e tivessem a chance de condená-las.
“Permitiremos que as pessoas compartilhem esse conteúdo para condená-lo, assim como fazemos com outros conteúdos problemáticos, porque essa é uma parte importante de como discutimos o que é aceitável em nossa sociedade”, afirmou Zuckerberg.
Segundo o executivo, as publicações seriam removidas se estimulassem a violência ou o não comparecimento em eleições.
No entanto, não foi o que ocorreu com Donald Trump. Ele acabou suspenso da rede por postagens que não foram removidas a tempo e que incentivaram a invasão do Capitólio. Antes daquele dia, outras mensagens do ex-presidente eram amplamente criticadas pela virulência e pelos ataques a jornalistas e veículos de imprensa.
O caso de Trump elevou a pressão sobre a empresa, que ao constituir o Conselho de Supervisão passou a ser cobrada por aceitar suas recomendações.