Uma postagem na conta oficial da representação britânica na China na rede social Weibo no dia 4 de junho, mostrando uma vela acesa em homenagem aos que morreram nos protestos da Praça da Paz Celestial, valeu à Rainha Elizabeth II o desprazer de ver uma falsa notícia de sua morte viralizar nas redes sociais em todo o mundo.
A hashtag em chinês, traduzida como “a rainha morreu de doença” e sem autor identificado, já tinha sido vista nos primeiros dois dias por mais de 47 milhões de pessoas, desencadeando um debate sobre se teria sido obra do governo ou forma de burlar a proibição de falar sobre o massacre nas redes.
Todas as referências e menções à repressão e à data dos conflitos na Tiannamen, 4 de junho, são censuradas nas redes sociais chinesas. Até mesmo emojis de vela e bolo foram desativados no aplicativo semelhante ao Twitter, Weibo, antes do aniversário do massacre de 1989.
Mas no dia 4 de junho a embaixada britânica em Pequim resolveu desafiar as regras, postando a imagem da vela sem qualquer texto em sua conta no Weibo, que em 1,8 milhão de seguidores. Christina Scott, vice-chefe da missão do Reino Unido na China, tuitou em seguida dizendo que a postagem original da vela no Weibo foi censurada em apenas 20 minutos.
Today @ukinchina posted this on Chinese social media in memory of all who lost their lives in and near Tiananmen Square, 32 years ago. It was censored within 20 minutes. pic.twitter.com/RTUzjhFhzD
— Christina Scott (@CScottFCDO) June 4, 2021
Mas a partir do post, a hashtag em chinês significando “A rainha morreu de doença” viralizou. Milhares de mensagens de contas de bot chineses responderam com mensagens dizendo ‘RIP the Queen’ (Rest in Peace, que signfica Descanse em Paz). Imagens de doenças também apareceram, como a foto da rainha pálida, de olhos fechados. Outras traziam a data da morte e a vela da postagem da embaixada.
Houve até alusão à vacina AstraZeneca. E a página da rainha na Wikipedia chegou a ser editada para informar que ela havia morrido em 4 de junho.
De onde veio?
Não é a primeira vez que boatos sobre a morte da monarca, de 95 anos, circulam nas redes. Em 2016, rumores semelhantes tomaram conta das mídias sociais e foram atribuídos a uma conta que postava conteúdo ligado à Rússia e à China.
As informações sobre a origem e a motivação da nova hashtag são desencontradas.Há quem defenda que foi obra de nacionalistas ou do próprio governo, inconformado com a desobediência. China e Reino Unido vêm tendo um relacionamento tenso que se agravou nos últimos meses devido a divergências relativas à administração de Hong Kong. E isso vem se refletindo no jornalismo.
Em março, o jornalista da BBC John Sudworth teve que sair às pressas de Pequim rumo a Taiwan depois de receber ameaças. Em fevereiro de 2020 o Reino Unido revogou a licença de operação da TV estatal chinesa, a CGTN (China Global Television Network), por estar em desacordo com as regras de radiodifusão do país, que estabelecem proibição de um canal de TV ser de propriedade de um partido político.
Hu Xijin, editor-chefe do tabloide nacionalista Global Times, disse em uma postagem no Weibo que as piadas sobre a morte da rainha foram um “preço alto” pago pela embaixada por sua postagem “provocativa”.
Outra versão seria de que a hashtag virou uma forma de burlar a censura dos protestos na Praça da Paz Celestial nas redes.
Liu Yiming, um ex-jornalista e membro do Independent Chinese PEN Center, disse à rede australiana ABC que alguns usuários das redes sociais que sabiam do massacre podem ter ajudado a espalhar a hashtag para atrair a curiosidade das pessoas sobre “o que realmente aconteceu com o posto da Embaixada Britânica”.
“Os comentários sarcásticos e as fotos de muitos internautas chineses se tornaram virais, em um esforço para fazer com que mais pessoas falem sobre um assunto importante”, disse ele, acrescentando que alguns usuários da Internet podem ter lamentado as vítimas espalhando essa desinformação.
Mas ele também considerou a possibilidade de que nacionalistas tenham aproveitado a oportunidade para zombar da embaixada britânica na China.
O tom dos comentários foi variado, com gente protestando e outras ironizando a situação.
“Obrigado à Embaixada Britânica na China pelo lembrete. Que a Rainha tenha uma boa jornada”, escreveu um usuário do Weibo, Zhu He.
“A embaixada britânica na China fez truques mesquinhos, mas agora envolveu a rainha. O falecimento da rainha se tornou uma piada na internet chinesa”, escreveu outro usuário do Weibo.
A China nunca forneceu informações completas sobre os protestos democráticos de 4 de junho de 1989 na Praça da Paz Celestial. O número oficial de mortos teria sido de 300, incluindo soltados. Mas informações do serviço secreto britânico divulgadas em 2017 deram conta de que milhares de manifestantes podem ter sido mortos.
Repressão à imprensa estrangeira
O número de organizações de mídia internacionais com correspondentes na da China está diminuindo. Em 2020 Pequim expulsou repórteres do New York Times, do Washington Post e do Wall Street Journal. Os dois únicos jornalistas que representavam veículos australianos na China voltaram para casa no mesmo ano.