Uma semana depois que o jornal pró-democracia Apple Daily, de Hong Kong, fechou as portas após ter os bens congelados e jornalistas presos, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) divulgou um balanço mostrando que ele não foi o único abatido por repressão governamental.
Segundo a entidade com sede na França, pelo menos 22 jornais em todo o mundo foram levados a fechar por governos que incomodaram durante os últimos cinco anos.
Muitos sobrevivem apenas com edições online, em condições precárias após terem suas atividades cerceadas por censura direta, prisão de jornalistas, processos judiciais e multas fiscais.
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Um dos casos destacados é o de um dos principais jornalistas investigativos da África, Moussa Aksar, que manteve vivo o independente L’Evenement com a receita da venda de mangas, leite de vaca e de camelo em sua fazenda. Ele acaba de ser novamente vítima de condenação judicial por suas reportagens, o que provocou protestos de organizações globais que defendem a liberdade de imprensa.
O El Nacional, da Venezuela, que resiste à censura apenas com uma versão na internet desafiando o governo de Nicolás Maduro — como em uma charge criticando a vacina cubana contra a Covid –, é outro veículo destacado pela Repórteres Sem Fronteiras.
Assassinato de jornais se tornou comum, diz RSF
“Um dos poucos principais veículos de comunicação em língua chinesa que ainda criticava o governo chinês, o Apple Daily é apenas o exemplo mais recente de um jornal que foi deliberadamente “assassinado” por meio de assédio judicial ou estrangulamento econômico muitas vezes prolongado, mas em última análise letal“, diz o relatório.
Os casos mais recentes são os do Vtime, um jornal online russo que fechou no início de junho, do Akhbar Al-Ayoum, um diário marroquino que fechou em março, e dois jornais em Mianmar, 7 Day News e Eleven.
“Assim como assassinatos de jornalistas, violência física contra eles e violação de seus direitos, o assassinato metódico de jornais também se tornou comum”, disse o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire.
Ele observa que a morte de um jornal em outro país desperta menos emoção do que a morte de uma pessoa, por isso muitas vezes passa despercebida pelo público internacional.
“Alguém que não esteja prestando muita atenção pode presumir que o jornal foi vítima de má administração ou do declínio do interesse público. Mas os jornais muitas vezes são condenados à morte, com consequências terríveis para o direito à informação ”.
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Estrangulamento econômico
O Apple Daily teve de fechar após o governo de Hong Kong congelar seus ativos, impossibilitando-o de pagar funcionários e fornecedores. A asfixia econômica é amplamente usada para forçar o fechamento de jornais, observou a RSF.
O último diário independente em língua árabe do Marrocos, Akhbar Al Youm, que foi lançado em 2009 e que criticava o governo, foi estrangulado lentamente dessa forma.
Depois que seu fundador e editor, Taoufik Bouachrine, foi preso em 2018, o veículo perdeu toda a publicidade do setor estatal e não recebeu o auxílio que o governo forneceu à mídia em resposta à pandemia de Covid-19. Em março de 2021, parou de ser publicado.
O Tahrir News, do Egito, diário independente que publicava apenas uma versão online desde 2015, foi forçado a fechar em maio de 2020, depois que as autoridades bloquearam o acesso ao seu site por meses, sem explicações.
Na Nicarágua, governo boicotou fornecimento de papel a jornal
Na América Latina, as autoridades nicaraguenses conseguiram silenciar El Nuevo Diario, de 40 anos, em setembro de 2019. Crítico do governo do presidente Daniel Ortega, o jornal foi especialmente severo em sua cobertura da repressão aos protestos antigovernamentais em abril de 2018.
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O governo respondeu usando seu monopólio de papel de jornal e tinta importados para privar a publicação dos suprimentos de que precisava para continuar imprimindo.
Na semana passada, houve uma fuga em massa de jornalistas da Nicarágua, que saíram do país devido a perseguições do governo.
Um deles foi Carlos Fernando Chamorro, um dos jornalistas mais importantes do país, que fugiu após ter sua casa invadida na no dia 21 de junho. Editor do site Confidencial e membro de uma das famílias políticas mais influentes do país, Chamorro disse que deixou a Nicarágua para “salvaguardar sua liberdade”.
Processos judiciais criminalizam e estrangulam jornais financeiramente
O assédio judicial e a legislação arbitrária com palavras vagas também são usados para submeter jornais a uma morte prolongada, segundo a Repórteres Sem Fronteiras.
O VTimes, site de notícias independente fundado no ano passado na Rússia, decidiu fechar em 12 de junho, um mês depois que o Ministério da Justiça o colocou na lista de “agentes estrangeiros”. O site tinha manifestado preocupação com a possibilidade de processos criminais.
O site de notícias Akhbor, do Tajiquistão, tomou uma decisão semelhante no ano passado, como resultado de ter sido colocado na “lista negra” após publicar conteúdo crítico sobre questões delicadas.
Políticas semelhantes mataram o Mutações, em Burkina Faso. Como resultado de um processo por difamação, o jornal e seu editor foram condenados a pagar 17 milhões de francos CFA (26 mil euros) por danos em 2018, uma quantia exorbitante e além de seu alcance.
Um pedido de pagamento de vários milhões de euros de impostos atrasados, baseado numa aplicação muito seletiva da legislação fiscal, obrigou um dos jornais mais críticos da Zâmbia, The Post, a fechar em junho de 2016, poucas semanas antes das eleições gerais, cruciais para governo.
Censura pura e simples
Em Mianmar, foi o golpe de Estado de fevereiro de 2021 que assinou sentenças de morte para todos os meios de comunicação independentes do país no espaço de algumas semanas, pelo menos em suas versões impressas.
Em março, a junta simplesmente rescindiu as licenças de vários jornais diários, como o 7 Day News e o Eleven.
Outros jornais independentes, como o Standard Time, logo se viram enfrentando censura militar e escassez de papel. Apenas jornais de propaganda oficial estão agora disponíveis nas bancas de jornal de Mianmar.
Um dos poucos que ainda resiste com a versão online é o Mianmar Now, que já teve vários jornalistas presos e pede ajuda aos leitores.
Na Turquia, o golpe de julho de 2016 desencadeou um grande expurgo e muitos jornais foram proibidos sob o estado de emergência que se seguiu, diz o relatório da entidade.
Jornalistas do Népszabadság, um importante jornal húngaro fundado durante o levante contra o jugo soviético há 65 anos, viram a publicação em que trabalhavam ser desmantelada em outubro de 2016.
Seu proprietário, o grupo de mídia húngaro Mediaworks, negou-lhes o acesso ao edifício sem qualquer aviso prévio. Horas depois anunciou a suspensão das atividades alegando que a receita estava em queda. O Mediaworks foi vendido algumas semanas depois para um grupo de mídia próximo a Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria.
Sobrevivendo online
Para contornar as várias formas de assédio, alguns jornais conseguiram sobreviver como sites de notícias.
Após 75 anos, o histórico diário El Nacional da Venezuela foi forçado a interromper a produção de uma edição impressa em outubro de 2015. Mas conseguiu manter a cobertura independente online.
No site, ele convida os leitores a assinarem a newsletter destacando que foi o primeiro a noticiar a pandemia do coronavírus no país.
O último jornal de oposição do Azerbaijão, o Azadlig, teve que parar de imprimir em setembro de 2016, mas ainda funciona online.
A maioria dos países e territórios que usaram esses métodos para silenciar jornais independentes estão classificados como baixos ou muito baixos no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa 2021 da RSF, que abrange 180 países.
O Brasil caiu quatro posições no ranking deste ano e está na 111ª colocação.
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