A tristeza pela derrota da Inglaterra para a Itália na final da Eurocopa na noite de domingo (11/7) no Reino Unido deu lugar deu lugar a uma revolta generalizada pelas cenas de vandalismo, ataques a torcedores italianos na saída do estádio de Wembley e uma onda de abusos racistas pelas redes sociais, direcionados aos três jogadores negros que perderam pênaltis.
Sancho, Saka e Marcus Rashford — este último um jovem de 21 anos que virou ídolo nacional ao liderar uma campanha para forçar o Governo a prover alimentos para as crianças durante o lockdown — tornaram-se vítimas de ataques pesados desde que o jogo acabou, colocando mais uma vez em questão a capacidade de as plataformas digitais coibirem os abusos e não apenas lamentar quando eles ocorrem.
Leia também: Companheira de Assange recusa proposta dos EUA de autorizá-lo a cumprir pena na Austrália
As mensagens comparavam os jogadores a macacos e os insultavam com os termos mais agressivos na língua inglesa, como “nigger”, uma das formas mais ofensivas de atacar uma pessoa negra.
O assunto tomou conta das redes, com as hashtags #sickening e #disgraceful entre os trending topics.
Dominou também a pauta de entrevistas matinais desta asegunda-feira, que em vez de analisar a partida trataram dos abusos. A Scotland Yard (Polícia Metropolitana de Londres) anunciou pelas redes sociais que uma investigação criminal será aberta.
https://twitter.com/MetPoliceEvents/status/1414380936016318464?s=20
Em entrevista coletiva na manhã desta segunda-feira, o técnico do time inglês, Garrett Southgate, descreveu os ataques como “imperdoáveis” e disse que a posição “não é a que defendemos”.
Federação cobra empresas que administram redes sociais
A Federação Inglesa de Futebol (FA) emitiu um comunicado dizendo-se assustada com o racismo online perpetrado contra alguns dos jogadores. Disse que estava dando apoio aos atletas e exigindo as mais duras punições para os responsáveis.
A FA cobrou das empresas de mídia digital responsabilidade e ação para banir os abusadores das redes, a entrega de evidências que possam ajudar a condená-los e manutenção das plataformas livres de “abuso abominável”, e pediu ao Governo celeridade na adoção da nova lei de abuso online que está em tramitação.
Nesta manhã, o Facebook divulgou uma nota condenando os ataques e informando que removeu postagens racistas.
— FA Spokesperson (@FAspokesperson) July 12, 2021
Premiê condena racismo, mas é criticado por postura anterior
O primeiro-ministro Boris Johnson tuitou reprovando a atitude dos torcedores e dizendo que deveriam ter vergonha de si mesmos.
No entanto, foi criticado nas redes sociais por ter se manifestado anteriormente contra a prática dos jogadores de se ajoelharem no início dos jogos para sinalizar a condenação do racismo na sociedade.
Leia também: Documentário mostra vida do pastor Billy Graham, influenciador de presidentes dos EUA
A secretária nacional do Home Office (que engloba Justiça e Segurança), Priti Patel, também foi questionada por não ver problemas em torcedores vaiaram o hino nacional da seleção adversária durante as partidas.
This England team deserve to be lauded as heroes, not racially abused on social media.
Those responsible for this appalling abuse should be ashamed of themselves.
— Boris Johnson (@BorisJohnson) July 12, 2021
Great to see @England still continuing the anti-racist message by taking a knee and Denmark applauding 👏🏽#ENG | #DEN | #ENGDEN #EURO2020 | #TakeTheKnee#BlackLivesMatter pic.twitter.com/spKrhEgrc5
— Show Racism the Red Card (@SRTRC_England) July 7, 2021
O ex-jogador Gary Neville deu uma entrevista na manhã desta segunda-feira à emissora Sky News e referiu-se duramente ao primeiro-ministro por suas declarações anteriores .
Apoiadores saem em defesa de atletas na rede, e lembram condecoração
Os ataques aos três jogadores negros provocaram uma batalha nas redes sociais, com uma contraofensiva em defesa dos atletas e condenando a atitude dos torcedores radicais.
Muitos lembraram a campanha de Rashford em pelas crianças, que valeu a comenda MBE (Member of the Most Excelent Order of the British Empire), terceira mais importante condecoração dada pela Rainha.
if you are sending sickening abuse to marcus rashford, remember that it’s because of him that hundreds of thousands of children could EAT during the school holidays last year when the government was happy to let them starve
unlike you, he’s an amazing human being#MarcusRashford pic.twitter.com/yZWRnuJ7cB
— oban ✨ (@obaneliastreet) July 11, 2021
Regardless of who you support, please let’s get behind these three 🦁🦁🦁 and let’s all show them some love ❤️ The abuse they have been getting is beyond disgraceful!
I stand with #Saka
I stand with #Rashford
I stand with #Sancho#SayNoToRacism #Euro2020Final pic.twitter.com/DQTIaymIxw— GlobeLoveAffair 🌎❤️✈️ (@GlobeLoveAffair) July 12, 2021
Embora muitos abusadores se ocultem protegidos por perfis com nomes falsos, outros não fazem questão de se esconder.
Andrew Bone, gerente de uma das maiores redes de agências imobiliárias do Reino Unido, foi um dos que tuitou de forma ofensiva. Muitos usuários repostaram a mensagem, marcando a empresa e pedindo que ele fosse demitido. Horas depois Bone fechou a conta.
Leia também: Representação LGBTQ em desenhos animados tem boom em uma década, mostra levantamento
Seleção inglesa teve postura forte contra o racismo durante Eurocopa
A contradição entre o comportamento do time inglês e uma parte dos torcedores, intolerante contra imigrantes e minorias, é gritante.
Durante a Eurocopa, os jogadores da Inglaterra estiveram entre os que se ajoelharam no início da partida em sinal de protesto contra o racismo, o que nem todos os times fizeram.
O brasileiro Jorginho, que joga pela seleção italiana, virou alvo de polêmica por se ajoelhar nas partidas de seu time, o Chelsea, mas não ter feito o mesmo nas primeiras partidas disputadas pela Itália no torneio.
O problema do racismo online contra atletas é recorrente na Europa. Em abril, o Reino Unido foi palco de um boicote às redes sociais que durou quatro dias. Clubes e atletas não postaram nada para denunciar a falta de ação das plataformas digitais.
Semanas antes, o astro do futebol francês Thierry Henry havia fechado todas as suas contas, cobrando das plataformas medidas mais enérgicas. Ele defende o fim do anonimato nas redes, que dificultaria postagens racistas ou abusivas, que hoje se disseminam mais facilmente porque qualquer um pode abrir uma conta sem usar o nome real e nem estar associado a qualquer forma de identificação formal.
Leia também
Golaços da Eurocopa contra racismo e homofobia dão exemplo à Copa América