Em uma escalada da onda de violações à liberdade de imprensa na Ásia, Hong Kong, Camboja. Filipinas e Índia registraram episódios de pressões e até um assassinato de jornalista nos últimos dias. A região segue como a mais perigosa para o jornalismo, não apenas por conflitos como o do Afeganistão, mas também pela ação de governos autoritários.
Segundo a organização Repórteres sem Fronteiras, com 34 países e mais da metade da população mundial, a Ásia detém todos os recordes negativos, como o de maior carcereira do mundo para jornalistas e blogueiros, especialmente China e Vietnã. E o de área que abriga os países mais mortíferos do mundo para jornalistas e blogueiros, principalmente Afeganistão, Paquistão, Filipinas e Bangladesh.
A região também tem o maior número de “Predadores da Liberdade de Imprensa”, que comandam algumas das piores ditaduras e “buracos negros” de informação, como Coréia do Norte e Laos. O presidente Jair Bolsonaro foi incluído na lista, publicada no início de julho.
Morto ao sair do estúdio
O caso mais dramático da nova onda foi o do comentarista de rádio Renante “Rey” Cortes, morto a tiros na quinta-feira (22/7), do lado de fora da estação de rádio DyRB, em Barangay Mambaling, nas Filipinas. Cortes era conhecido por críticas a membros da elite e políticos locais.
Ele estava deixando o estúdio, após o término do programa, quando um atirador passou em uma motocicleta e o alvejou no estômago e no braço. O comentarista foi levado ao hospital mas não resistiu.
O crime ocorreu nos mesmos moldes do atentado que matou a estrela holandesa do jornalismo investigativo Peter de Vries há poucos dias.
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Cortes já sofrera uma tentativa de assassinato, e foi preso em 2006 por suposta extorsão. As autoridades estão revisando os comentários do radialista para encontrar uma correlação com a sua morte.
O diretor executivo da Força-Tarefa Presidencial de Mídia de Segurança (PTFoMS) das Filipinas, Joel Sy Egco, lembrou que “emissoras, especificamente as que usam a prática do blocktiming — a venda de tempo no ar para programas independentes — devem ficar mais vigilantes”.
Hong Kong: ex-profissionais do Apple Daily indiciados
Em Hong Kong, o fechamento do jornal pró-democracia Apple Daily não cessou as investidas do governo contra a publicação.
A polícia local prendeu dois editores sêniores e dois redatores do jornal na última quarta-feira (21/7), semanas após o fim da publicação. Em junho, quando forças de segurança invadiram a sede do periódico, outros jornalistas já haviam sido detidos.
Foram presos o editor-chefe executivo, Lam Man-chung, o editor associado e editor-chefe adjunto, Chan Pui-man e os redatores, Fung Wai-kong e Yeung Ching-kee, que tiveram a fiança revogada. Pui-man estava entre os executivos e editores que haviam sido presos em 17 de junho, quando o jornal Apple Daily foi fechado.
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Man-chung foi o único dos quatro a ser acusado. Em um comunicado, a polícia disse que ele “conspirou com países estrangeiros para colocar em risco a segurança nacional”. O mesmo argumento tem sido usado em toda a ofensiva do governo contra o Apple Daily e o grupo dono da publicação, Next Digital.
O ministro da Segurança de Hong Kong, Chris Tang, rejeitou as críticas de que essas prisões instigariam o medo entre os jornalistas de novas represálias políticas. Tang disse:
“Quem cometeu uma ofensa será preso, sem levar em conta seus antecedentes, o que quer que faça, ou quais são suas profissões. Isso realmente não importa. Se eles cometeram uma ofensa, serão presos. E se houver evidência, eles serão processados”.
Em 24 de junho, o Apple Daily, último grande jornal pró-democracia de Hong Kong, encerrou suas operações. Jimmy Lai, fundador da publicação, também está preso, acusado de acordo com a Lei de Segurança Nacional.
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Camboja: repórter acusado de incitação após postagens sobre vacinas
No Camboja, posts críticos ao governo publicados no Facebook podem render a condenação de um jornalista. Organizações de defesa da imprensa têm protestado contra as detenções arbitrárias.
O mais novo caso é o de Kouv Piseth, que pode ser sentenciado a cinco anos de prisão após postar críticas no Facebook sobre a decisão do governo cambojano de usar as vacinas Sinopharm e Sinovac, contra a Covid-19, fabricadas pela China.
Piseth, correspondente do site de notícias Reap Tannhektar, foi colocado em prisão preventiva após ser detido em 14 de julho, na cidade de Battambang.
A sentença de cinco anos observa acusações de “incitamento”, nos termos do artigo 495 do Código Penal do Camboja, e por “obstruir uma medida de execução” nos termos do artigo 11 da Lei sobre Medidas Preventivas Contra a Propagação de Covid-19 e outras doenças contagiosas graves e perigosas.
A mesma lei já foi usada para prender dois jornalistas por comentarem sobre a resposta do governo cambojano à pandemia.
Sovann Rithy, editor do site de notícias TVFB, foi condenado a 18 meses de prisão após postar no Facebook uma citação do primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, que supostamente mostrava sua imprudência em relação aos efeitos potenciais da pandemia.
Ros Sokhet, editor do jornal Khmer Nation, foi condenado a uma sentença de 18 meses de prisão em novembro de 2020 sob a acusação de “incitação e provocar graves caos na segurança social”. Seu crime foram declarações postadas no Facebook.
Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, Sokhet questionou a intenção declarada do primeiro-ministro de nomear seu filho como seu sucessor à frente do governo. Num segundo post, ele questionou a falta de uma solução governamental para os cambojanos que não conseguem pagar suas dívidas aos bancos, como resultado da crise da Covid-19.
A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) condenou as prisões dos jornalistas e a morte do comentarista Cortes e exigiu que os governos locais retirem as acusações contra os jornalistas e que a investigação sobre a morte de Cortes seja rápida e imparcial.
India: TV e jornal acusados de evasão fiscal
Na Índia, o governo está intensificando as pressões sobre a mídia independente, que tem criticado a gestão da pandemia da Covid-19 no país. Nesta quinta-feira (22/7), autoridades fiscais fizeram buscas nas sedes de um grupo de jornais, de uma emissora de TV e em casas de alguns funcionários, sob a alegação de evasão fiscal.
Os veículos são a emissora de TV Bharat Samachar e o Dainik Bhaskar, maior conglomerado de mídia da Índia, com 65 títulos no idioma hindi e forte presença em rádio e jornalismo digital. A operação foi feita em 32 escritórios e residências em seis cidades.
Os agentes interrogaram funcionários e jornalistas e levaram celulares e laptops, afetando o noticiário digital por várias horas.
Autoridades do governo central negaram que a operação tivesse relação com o trabalho dos veículos, afirmando que a agência fiscal age com independência, Mas entidades de defesa da liberdade de imprensa registraram que esse recurso têm sido usado regularmente no país desde a posse do primeiro-ministro, Narendra Modi.
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