No mesmo dia em que 11 pessoas foram presas pela polícia britânica, acusadas de racismo online contra jogadores da seleção inglesa, a associação que representa as principais ligas do país, PFA, divulgou um estudo mostrando que casos de abuso online vêm aumentando, apesar dos esforços públicos para combatê-los.
O trabalho foi feito usando a tecnologia de inteligência artificial para identificar a origem e natureza dos abusos. A entidade atacou duramente as plataformas, questionando o argumento de que não há recursos tecnológicos capazes de encontrar os que praticam abusos.
Leia também: Polícia prende 11 acusados de ataques racistas a jogadores após final da Euro 2020
O presidente-executivo da PFA, Maheta Molango, ex-jogador de futebol suíço que acaba de assumir o comando da entidade, disse: “Chegou a hora de passar da análise à ação. O trabalho mostra claramente que existe tecnologia para identificar abusos em grande escala e as pessoas por trás de contas ofensivas. Se o sindicato dos jogadores pode fazer isso, os gigantes da tecnologia também podem. ”
Jogadores se uniram ao coro. O ex-zagueiro do Manchester United e da Inglaterra, Rio Ferdinand, afirmou: “Agora é a hora de mudar. Se temos esse tipo de tecnologia à nossa disposição, por que as empresas de mídia social não a usam para eliminar o abuso racista e discriminatório?”
Final da Eurocopa foi a gota d’água
O episódio da final da Eurocopa, quando os jogadores Marcus Rashford, Bukayo Saka e Jadon Sancho perderam pênaltis e foram alvo de ataques em suas redes sociais, mobilizou autoridades e celebridades, do futebol à monarquia, contra o racismo online.
A PFA foi uma das primeiras a se manifestar na ocasião, já enquadrando a situação como um caso de polícia. A pressão foi ganhando apoio, com posicionamentos do primeiro-ministro e do príncipe William, entre muitos outros, até culminar nesta quinta-feira (5/8) na detenção dos suspeitos.
Twitter mantém mais da metade das ofensas racistas online
Centrado no Twitter, o estudo feito pela empresa Signify monitorou 6 milhões de posts feitos durante a temporada 2020/2021 do futebol inglês, e também durante o período da Eurocopa. Entre o começo e o fim dos torneios, os posts racistas tiveram uma alta de 48%.
A pesquisa patrocinada pela associação aponta ainda que mais da metade (56%) das ofensas racistas detectadas e relatadas ao Twitter permanece online até hoje. O restante foi tirado do ar.
Entre usuários flagrados na infração, que tiveram posts bloqueados, apenas 15% perderam suas contas na rede social.
“Os dados deste relatório sugerem que as plataformas estão se concentrando na remoção de postagens individuais e ofensivas, em vez de responsabilizar aqueles que as escrevem”, afirma a PFA.
Leia também: Instagram assume erro após manter ofensas racistas com emojis contra jogador
O capitão do Watford e representante do conselho de jogadores da Football Association, Troy Deeney, disse: “As empresas de mídia social são grandes negócios, com os melhores profissionais de tecnologia. Se eles quisessem encontrar soluções para o abuso online, eles poderiam. Este relatório mostra que eles estão optando por não fazê-lo. Quando é o suficiente, o suficiente? Agora que sabemos que contas abusivas e sua afiliação a um clube podem ser identificadas, mais deve ser feito para responsabilizar essas pessoas. ”
Agressões têm origem no Reino Unido na maioria dos casos
Os pesquisadores ressaltam a baixa atividade de robôs ou ataques coordenados, o que reforça o caráter espontâneo dos xingamentos. Todo perfil da rede social identificado como robô foi removido das estatísticas.
O estudo afirma ainda contrariar o senso comum do debate britânico sobre ataques online, de que seriam de pessoas de fora do Reino Unido, e também de que a detecção dos infratores esbarraria na proteção de dados pessoais.
Metade das contas de infratores monitorados tem origem no Reino Unido. A América do Sul, por exemplo, é responsável por 3% dos perfis classificados como autores de ofensas online.
Moderação do Twitter falha, aponta associação
A PFA critica o método de moderação do Twitter, que chama de um “simples filtro de palavras”, o que seria uma estrutura simplória diante dos nuances dos ataques.
Recentemente uma reportagem da BBC mostrou que o Instagram mantinha no ar emojis de macacos em comentários claramente racistas. A empresa admitiu publicamente a falha de moderação.
Um dos exemplos usados pela pesquisa britânica é um post do jogador brasileiro Gabriel Jesus, em que ele tenta se desculpar pelo desempenho ruim do Manchester City em partida da Premier League.
A sequência de comentários usa emojis de macacos, xingamentos e uma foto do jogador, ainda em sua comunidade no Brasil, pintando sua rua de verde e amarelo para a Copa do Mundo de 2014.
Not our best today, but we’re very proud of the journey. Already thinking on the next match. Let’s work hard! 🙌🏽🤙🏽 pic.twitter.com/XxNvdZceq5
— Gabriel Jesus (@gabrieljesus9) March 7, 2021
Homofobia supera racismo como fonte de ataques, diz estudo
Apesar do foco no combate ao racismo, a pesquisa da PFA mostra que a homofobia ainda é a fonte de mais ofensas online contra jogadores atuando no futebol inglês. Na Eurocopa, o racismo teve seu pico de fato com a final, mas durante o torneio os posts monitorados tinham em sua maioria conteúdo homofóbico.
O mesmo acontece na liga feminina de futebol da Inglaterra, onde o sexismo, o assédio sexual e a homofobia são temas de 90% dos ataques dirigidos às jogadoras no Twitter.
Do total monitorado e identificado como ataques homofóbicos, 84% não foi retirado do ar pelo Twitter, aponta o estudo.
Combate ao racismo nas redes já vinha sendo cobrado
Entidades e jogadores do futebol inglês vêm pressionando e fazendo boicotes às redes sociais, para que tomem ações mais incisivas contra usuários autores de abusos online.
Após o início das investigações do caso da Eurocopa, o primeiro-ministro esteve com representantes do Facebook e do Twitter, que se comprometeram a colaborar, fornecendo dados de agressores.
Nesta quinta-feira, no comunicado em que detalhou a prisão dos acusados, a polícia britânica afirmou que aguarda a identificação pelas empresas de 50 perfis de redes sociais para avançar no inquérito.
Leia também
Vídeo no Instagram em que mulher diz ter visto “homem” em spa dispara ódio contra LGBTQ+ nos EUA