Após a chuva de críticas ao Facebook por tentar mostrar só o lado “fofo” da rede social, divulgando os posts mais vistos do segundo trimestre com links aparentemente banais e omitindo um link de desinformação que liderou no primeiro, um olhar mais cuidadoso mostra que as receitas e desafios que atraem tantos internautas na plataforma também não são tão inocentes como parecem. 

O jornalista Casey Newton, autor da newsletter de tecnologia Platformer, se dedicou a examinar a origem dos campeões de audiência do Facebook no segundo trimestre do ano. E descobriu que os posts são em sua absoluta maioria plágios, aparentemente com objetivo de obter influência, inflar taxas de audiência e também ganhar dinheiro. 

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A exceção destacada foi um post do presidente dos Estados Unidos (EUA), Joe Biden, que desta vez plagiou ele mesmo: reproduziu no Facebook um texto que havia postado no Twitter.

Fazendo pesquisas de busca reversa, em que se pode chegar à primeira vez que uma foto foi postada na internet, Newton foi comprovando que posts que amealharam (muitos) milhões de visualizações haviam sido postados, às vezes poucos dias antes, por perfis diferentes, em alguns casos em redes sociais diferentes. Por que então esses conteúdos só fizeram sucesso em outros perfis?

Quem são os campeões do Facebook, segundo relatório da empresa

A lista divulgada pelo Facebook mostra o top 20 entre abril e junho, além de detalhar os domínios mais presentes na rede social (YouTube, Amazon e Unicef) e também os links que mais receberam cliques no período, sendo os três primeiros o de um clube de ex-jogadores de futebol americano, uma loja de produtos relacionados ao canabidiol, subproduto da maconha usado medicinalmente, e um informativo da Unicef sobre Covid-19 na índia.

Até aqui tudo aparentemente normal, mais um dia na internet, certo? 

(Brett Jordan/Unsplash)

Olhando para o topo da lista, as coisas de fato parecem corriqueiras, mas, segundo aponta Newton, alguns dados sugerem que táticas de construção de público que permitiram que a interferência russa crescesse na plataforma em 2016, ano da eleição de Donald Trump, continuam a ser eficazes.

São sinais que sugerem “algumas das forças mais sombrias do ecossistema” das redes sociais, aponta o jornalista. “Os plagiadores que dominam os 20 principais links do Facebook provavelmente estão fazendo isso principalmente para obter influência e aumentar o público de forma ilícita. Mas alguns dos outros personagens aqui parecem ter incentivos monetários mais diretos”, relata Newton.

Links campeões geram audiência artificial usando memes e redes de perfis

O pesquisador Ethan Zuckerman explorou as origens do link nº 9 na lista do Facebook, uma agência de palestras de ex-jogadores do Green Bay Packers que obteve 87 milhões de visualizações graças aos jogadores adicionando o link a postagens de memes “bobos”.

Newton analisou o 15º link mais visto, que leva a uma loja online que vende uma bandeira em memória do Vietnã. Os links são promovidos por meio de uma série infinita de memes postados a cada poucas horas em páginas do Facebook comercializadas para veteranos de guerra dos EUA.

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A bandeira (algo novo, nem de perto um item de antiquário) aparece em três páginas diferentes na rede social, relacionadas a veteranos, que juntas têm mais de 350 mil seguidores. O link da bandeira obteve 37 milhões de visualizações em três meses.

Quem dirige essas páginas? Eles são veteranos? As páginas não trazem pistas e os administradores não responderam às mensagens do jornalista.

Link para compra de bandeira que remete à Guerra do Vietnã (1955-1975) teve 37 milhões de cliques via Facebook no segundo trimestre de 2021. (Reprodução)
Investigador afirma que já havia denunciado farsa de perfis ao Facebook

Contudo, estas páginas são velhas conhecidas para Kristofer Goldsmith, que passou anos investigando a maneira como impostores se passam por membros de comunidades militares para vender produtos. Goldsmith afirmou ao Platformer que já havia denunciado a rede ao Facebook. 

Entre outras coisas, disse ele, redes como essa costumam roubar memes de comunidades militares autênticas para vender mercadorias.

“É lucrar com a morte e o sofrimento de militares”, disse Goldsmith, um ex-investigador da Vietnam Veterans of America que agora administra um serviço de inteligência de código aberto chamado Sparverius.

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O Facebook observa que “muitas vezes é difícil discernir a intenção do proprietário da página do conteúdo postado e, na ausência de evidências de conteúdo enganoso”, dilema parecido com o relatado pelo YouTube em sua prestação de contas sobre combate à desinformação publicada esta semana.

Ao mesmo tempo, aponta Newton, “a rede de páginas aqui parece construída com o propósito de evitar a detecção de spam. Ao postar memes comoventes voltados para membros do serviço e suas famílias, eles tornaram muito menos provável que os memes sejam denunciados como spam, mesmo quando postam o link para a mesma bandeira barata a cada hora”.

“Seja qual for o caso, a lista de postagens e links populares do Facebook contam a mesma história: a maneira de ter sucesso na plataforma é copiando a ideia de outra pessoa.”

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