Após a saída dos militares americanos de Cabul, jornalistas da imprensa do Afeganistão que ficaram para trás estão enfrentando imediatamente uma situação de pobreza e medo, muitos tendo fugido de suas casas, na tentativa de deixar o país, mas agora estão perdidos e sem recursos para voltar, informa a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ).

Os esforços de tropas dos Estados Unidos e aliados retiraram cerca de 123 mil pessoas do Afeganistão até o último dia 31, que marcou a retirada completa dos americanos do país.

Especialistas em segurança estão aconselhando jornalistas preocupados com sua segurança a “limparem” suas redes sociais de indícios de seu trabalho, mas acaba se tornando um dilema, pois pode apagar a única evidência que garantiria uma passagem segura para fora do país.

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Ao menos 150 funcionários da imprensa no Afeganistão fugiram de suas províncias devido a temores por sua segurança e chegaram a Cabul antes que o Talibã assumisse o controle da cidade, informa a IFJ. Alguns estão procurando retornar às suas províncias, mas não podem pagar o custo do transporte.

A IFJ e suas federações filiadas registraram mais de 2.000 pedidos de assistência de trabalhadores da mídia que tentavam fugir do país, buscar refúgio ou apoio financeiro após o fechamento de mais de 90 veículos de comunicação no Afeganistão. Muitos que fugiram para países provisórios não têm vistos ou passagem para seguir adiante.


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“Apesar dos esforços internacionais e doações que entraram no país ao longo de duas décadas, os jornalistas no local agora estão desolados e abandonados. Eles precisam do apoio e da solidariedade do mundo não apenas para escapar, mas para sobreviver. Casas seguras e apoio financeiro são desesperadamente necessários para ajudar centenas de profissionais da mídia cujos meios de subsistência desapareceram da noite para o dia”, afirma a federação em comunicado.

Afegãos que colaboraram com o Ocidente viram alvo do Talibã

Além dos jornalistas, afegãos que colaboraram com a mídia ocidental correm risco de morrer pelas mãos do Talibã. Há informações de buscas de porta em porta dos radicais a procura de nomes. 

Na última semana, o repórter Anthony Loyd, do jornal britânico The Times, revelou uma incursão do Talibã em uma embaixada abandonada, onde o jornalista registrou restos de documentos semidestruídos que ainda revelavam nomes de colaboradores afegãos do governo britânico. Loyd fez o registro sem alertar os extremistas.

Três jornalistas estavam entre os 170 mortos no atentado ao aeroporto de Cabul em 26/8. Najma Sadeqi, um youtuber afegão de 20 anos que trabalhava com o canal Afghan Insider, Ali Reza Ahmadi e Juhad Hamidi.

Em 26 de agosto, o Talibã prendeu o jornalista paquistanês Abdul Mateen Achakzai e seu cinegrafista Muhammad Ali, da Khyber News TV, em Kandahar, por estarem fazendo filmagens sem permissão. Outro jornalista paquistanês, Iqbal Mengal também foi dado como desaparecido, mais tarde localizado em Cabul, preso.

Soldados extremistas foram armados a programa de TV no Afeganistão

No último domingo (29/8), combatentes armados apareceram em um programa afegão de TV e fizeram um comunicado ser lido, onde o Talibã pedia a cooperação da população. “Não tenham medo”, leu o apresentador do canal Peace Studio, cercado de homens armados.

O Talibã proibiu anteriormente a televisão e censurou reportagens noticiosas quando estava no poder de 1996 a 2001. Em sua retomada do poder em 2021, uma postura diferente em relação ao uso da mídia foi vista a princípio , com uso de redes sociais e entrevistas coletivas.

Entre os gestos que surpreenderam jornalistas na comunicação do grupo, o porta-voz Zabihullah Mujahid fez sua primeira aparição pública em mais de uma década, revelando seu rosto a repórteres que por anos apenas se comunicaram com ele por mensagens ou telefonemas.

Em conversa com a organização Repórteres Sem Fronteiras, entretanto, o porta-voz do grupo se negou a assinar um compromisso pela segurança de jornalistas no país,  mesmo dizendo que o Talibã precisa da imprensa no Afeganistão para registrar a mudança no país.

Dias depois, um jornalista alemão da rede Deutsche Welle, perseguido pelos extremistas, teve um parente morto em seu lugar, pois já havia fugido do Afeganistão.

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