Um popular jornalista de televisão da Costa do Marfim tornou-se alvo de críticas pesadas nas redes sociais do país e em vizinhos da África Ocidental e Central e acabou suspenso depois que um quadro em seu programa foi considerado uma apologia ao estupro.
Durante o programa, Yves de Mbella, que também conduz o concurso de escolha da Miss Costa do Marfim, pediu para que um convidado, apresentado como ex-estuprador, demonstrasse como agredia suas vítimas fazendo uso de uma boneca de plástico para tornar a representação mais real.
O quadro, transmitido no programa “La Télé d’Uci Vacances” que vai ao ar em horário nobre pelo canal Nouvelle Chaine Ivorienne (NCI), causou uma grande indignação e gerou uma petição dos espectadores exigindo que o apresentador fosse punido.O perfil “La Côte d’Ivoire est Chic” reproduziu o vídeo e considerou a cena surrealista:
🛑Yves De Mbela vigoureusement critiqué ce soir sur les réseaux sociaux pour cette scène SURRÉALISTE présentant UNE SIMULATION DE VIOL dans l’émission "la Télé d’Ici Vacances " sur NCI
Vos avis ? pic.twitter.com/jtPQcJ0mqG
— La Côte d’Ivoire (@CotedIvoire_off) August 30, 2021
O episódio colocou em questão a responsabilidade da mídia e os limites tênues entre o que é espetáculo e o que se transforma em apologia a crimes, preconceitos ou comportamentos nocivos na busca por audiência.
Nesse caso, não se pode nem justificar que a intenção era denunciar ou criticar a violência contra a mulher. Enquanto o convidado descrevia os detalhes de sua ação, o apresentador fez perguntas, comentários e chegou a rir, além de ajudar o convidado a posicionar o manequim.
As reações vieram de pessoas comuns e de celebridades.
“Por favor, diga que estou sonhando”, escreveu a rapper marfinense Priss’K, no Facebook. “É nojento, inaceitável, desrespeitoso, especialmente para com as mulheres”, escreveu ela.
Suspensão e cancelamento da continuidade do programa
A punição não tardou e foi determinada pelo Conselho de Comunicação Independente da Costa do Marfim, que anunciou a suspensão do apresentador. No comunicado, o órgão disse que o segmento do programa demonstrou tolerância com o crime de estupro, além de usar linguagem obscena e atacar a dignidade das mulheres.
O canal NCI se desculpou pela transmissão e cancelou o episódio final da continuação desse programa em particular, que estava programado para sexta-feira (3/9).
Em seu comunicado, a emissora disse estar comprometida com as mulheres e mencionou seu programa diário “Les Femmes d’ici”, que valoriza histórias de sucesso de mulheres marfinenses.
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Apresentador argumentou que queria “aumentar conscientização”
Yves de Mbella pediu perdão a todas as vítimas de estupro. No Facebook, se desculpou por “certos comentários na noite passada” e argumentou que sua intenção era “aumentar a conscientização”:
“Lamento sinceramente ter chocado a todos ao tentar aumentar a conscientização. Cometi um erro. Lamento tudo o que foi dito ou feito durante aquela sequência do programa.”
Além da suspensão, o erro pode custar a Yves de Mbella seu posto como apresentador do concurso de Miss Costa do Marfim programado para o próximo mês. A patrocinadora do evento, a operadora de telecomunicações MTN, disse que tomará medidas firmes com relação ao ocorrido, mas sem confirmar ainda a troca do apresentador.
No Reino Unido, regulamentação a caminho
No Reino Unido, casos seguidos de suicídio e de perseguições nas redes sociais envolvendo participantes de programas de variedades e de reality shows motivaram o Ofcom, órgão de controle das telecomunicações no país, a anunciar em dezembro de 2020 ao Broadcasting Act, que regula o setor de radiodifusão.
Foi uma resposta a um caso ocorrido em 2019: um homem suicidou-se depois de gravar para o programa do apresentador Jeremy Kyle. Ele foi submetido a um detector de mentiras para testar sua infidelidade, de forma humilhante. O programa saiu do ar e Kyle responde a um inquérito policial.
Adam Baxter, Diretor de Padrões e Proteção do Público da Ofcom, disse na época:
“Nossas novas proteções definem um padrão claro de cuidado a ser cumprido pelas emissoras, para alcançar um equilíbrio cuidadoso entre a liberdade criativa das emissoras e o bem-estar das pessoas que deles participam.”
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