É difícil acreditar, mas o diálogo abaixo realmente aconteceu na quarta-feira (1/9) entre Vladimir Putin, o líder de 68 anos de uma das maiores potências do mundo, que vem se notabilizando por iniciativas de censura à internet, e Yegor, um menino de 10 anos de uma escola de Vladivostok.

“Presidente, por favor, inscreva-se no meu canal do YouTube. Eu ficaria muito feliz. E, por favor, ajude a limpar esta joia que é nosso planeta.”

Putin responde que os recursos estão sendo alocados, e pergunta: “Mas… em que eu devo me inscrever? Eu não entendi. Yegor, em que você gostaria que eu me inscrevesse?”

O pequeno explica: “No canal do YouTube. É um website de mídia social.” E o presidente reage com um “Ah, ok, ok.”

A cena ganhou as mídias sociais, com muitos explorando a contradição do presidente que é contra as mídias sociais mas deu a impressão de não conhecê-las bem.

Oliver Carrol, correspondente do jornal The Independent em Moscou, publicou o vídeo do diálogo no Twitter, criticando a falta de sintonia de Putin com o momento atual: “Mais uma vez Putin revela de que pode não estar ciente de como funciona o mundo moderno.”

Visita à escola para comemorar o Dia do Conhecimento

O diálogo aconteceu quando presidente da Rússia visitava uma escola no extremo leste do país, em Vladivostok, em comemoração ao Dia do Conhecimento. O canal Red Fork do pequeno Yegor aborda temas como videogames, Lego e meio ambiente.

Durante a palestra aos alunos, o presidente ele criticou o “lixo da internet” e a forma como os Estados Unidos se retiraram do Afeganistão, dizendo que as únicas coisas que os norte-americanos conseguiram depois de ocupar por 20 anos o país foi uma coleção de tragédias e derrotas.

A perplexidade do ex-agente da KGB e o não entendimento sobre em que deveria se inscrever provocou alguns sorrisos entre as crianças.

Depois de explicar que o YouTube era um website de mídia social, Yegor perguntou:“Mas você vai se inscrever?”. Putin respondeu com outra pergunta: “Ok. No seu canal?”

Mesmo sem contar com o presidente entre os seguidores, Yegor deve ter ficado feliz. Poucas horas depois do diálogo, o canal do pequeno youtuber já contabilizava mais de 2 mil novos inscritos.


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Putin considera internet “um projeto da CIA”

Vladimir Putin é conhecido por sua aversão à internet, que já chegou a descrever como um “projeto da CIA” que está “meio cheio de pornografia”. Durante a palestra para as crianças, que foi amplamente divulgada pelos canais de propaganda estatal, ele disse que muitas das informações disponíveis online eram “lixo”:

“No mundo moderno, parece que pode se aprender quase tudo na internet. Mas há um problema relacionado à qualidade dessas informações. Há um monte de lixo que muitas vezes é apresentado como a verdade suprema.”

Logo após a conversa com o menino ter vazado, a máquina do Kremlin iniciou uma operação para referendar a posição do presidente em relação às mídias sociais, divulgando trechos da palestra nas redes. 

Um deles foi um alerta de Putin às crianças sobre o lixo informativo. O vídeo recomenda: “cuide de você e de seus entes queridos”.

Censura na internet e pressão sobre a imprensa vem aumentando na Rússia

O Kremlin vem bloqueando sites da oposição e processou usuários de mídia social que fomentam protestos ou “insultam” os cristãos ortodoxos russos.

No fim do ano passado, foi aprovada uma nova legislação que pode punir as plataformas estrangeiras de mídias sociais por “discriminação aos meios de comunicação russos”.

Além de acusar as plataformas americanas de tornar as postagens de veículos russos mais difíceis de encontrar, o Kremlin reclama do fato de várias fontes russas serem rotuladas como “mídia afiliada ao Estado”.

Os russos argumentam que isso não é feito com empresas ocidentais como a BBC, financiada pelo governo britânico.

Em junho deste ano, Putin aumentou o tom de ameaça contra as gigantes da internet. Na ocasião, durante a tradicional conversa anual televisionada com os cidadãos, ele descartou medidas drásticas:

“Não temos planos de bloquear nada, vamos colaborar com elas. Mas há problemas. Se elas trabalham no nosso país e ganham dinheiro aqui, devem obedecer às nossas leis.”

Redes sociais encaram multas na Rússia por descumprimento da lei local

Na Rússia, a proliferação de medidas contra diversas redes sociais, muitas vezes sob o pretexto de proteger menores e combater o extremismo, preocupa os opositores do regime, que olham para estas medidas como uma tentativa de limitar a liberdade de expressão.

Empresas como Facebook e Google, esta última proprietária do YouTube, têm sido multadas regularmente por não cumprirem as leis russas que exigem o fornecimento de provas sobre o armazenamento de dados dos usuários. As autoridades também acusam o YouTube de censurar conteúdo divulgado pela mídia estatal russa.

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Em abril, o Twitter e em seguida o TikTok foram multados pesadamente por não terem excluído conteúdos classificados como perigosos por “incitar menores” a manifestarem-se em apoio ao líder da oposição preso Alexei Navalny.

Navalny postou um vídeo na internet em janeiro passado alegando que Putin era dono de um grande palácio no sul da Rússia. O clipe com a denúncia foi visto 118 milhões de vezes até agora.

Lyubov Sobol, membro do Conselho de Coordenação da Oposição Russa e produtora do canal “Navalny Live” no YouTube, há tempos diz que a falta de conhecimento de Putin sobre a internet é uma “desgraça inacreditável”:

“A Rússia precisa de um presidente progressista. Do contrário, como o país vai avançar?”

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