Londres –  Primeiro na linha de sucessĂŁo ao trono e aprovado por pouco mais da metade dos britĂąnicos, segundo o Instituto de pesquisas YouGov, o prĂ­ncipe Charles estĂĄ no centro de mais um problema de relaçÔes pĂșblicas para a famĂ­lia real, que explodiu no fim de semana. 

Seu principal assessor, Michael Fawcett, foi obrigado a renunciar na noite de sĂĄbado (4/9) ao cargo de executivo-chefe da Prince’s Foundation, organização que concentra todas as atividades beneficentes do futuro rei da Inglaterra. 

O motivo foi a denĂșncia de que Fawcett teria negociado com representantes do magnata saudita Mahfouz Marei Mubarak bin Mahfouz para que ele recebesse a comenda CBE (Commander of the Order of the British Empire, ou Ordem do ImpĂ©rio BritĂąnico), mais alta honraria concedida pela coroa britĂąnica, em retribuição a generosas doaçÔes a projetos de interesse da fundação do prĂ­ncipe. Na segunda-feira (6/9), um grupo antimonarquista denunciou o caso Ă  Scotland Yard, pedindo investigação policial.

Em cerimĂŽnia privada 

O jornal The Times, que revelou a histĂłria, disse que Charles concedeu o tĂ­tulo ao empresĂĄrio em uma cerimĂŽnia privada no PalĂĄcio de Buckingham, em novembro de 2016. O jornal afirmou que  evento nĂŁo foi publicado na Court Circular, a lista oficial de compromissos reais.

O Daily Mail tambĂ©m publicou as denĂșncias e as fotos mostrando a cerimĂŽnia de condecoração. O jornal teve acesso a uma carta que teria sido enviada em 2017 por Michael Fawcett a Mahfouz dizendo que o ajudaria a conseguir a cidadania e tambĂ©m o knighthood, transformando-o em um “Sir”, o que nĂŁo chegou a acontecer. 

A renĂșncia do assessor aconteceu depois que o jornal apresentou emails comprovando que Fawcett conversou sobre o assunto com consultores contratados por Mahfouz. As correspondĂȘncias tambĂ©m mencionam tratativas para a obtenção de cidadania britĂąnica pelo magnata, que seria facilitada por tĂ­tulos que demonstrassem sua contribuição ao paĂ­s. 

De acordo com o The Times e com o Daily Mail, pessoas prĂłximas ao prĂ­ncipe e altos funcionĂĄrios de suas instituiçÔes de caridade ajudaram os assessores do magnata na documentação e nos trĂąmites para garantir a comenda. As correspondĂȘncias mencionam explicitamente as doaçÔes como contrapartida. 

O The Times afirma que pessoas ligadas a Charles e Ă  fundação ajudaram no processo de inscrição e forneceram cartas oficiais para apoiar o empresĂĄrio, ajudando-o a conseguir um CBE “honorĂĄrio”, uma categoria especial de prĂȘmio supervisionada pelo MinistĂ©rio das RelaçÔes Exteriores para aqueles que nĂŁo sĂŁo britĂąnicos ou cidadĂŁos da Commonwealth (Comunidade BritĂąnica, integrada pela maioria das ex-colĂŽnias da Inglaterra).

Na manhĂŁ de domingo, ele foi abordado por jornalistas ao chegar em casa mas nĂŁo falou com a imprensa. 


Leia também

Harry e Meghan perdem batalha contra Ăąncora de TV e popularidade entre britĂąnicos


“Rasputin”

A renĂșncia Ă© um baque enorme, pois Michael Fawcett Ă© o braço direito de Charles hĂĄ muitos anos. Chega a ser conhecido como “Rasputin”, em alusĂŁo ao mĂ­stico russo que entrou para a histĂłria pela influĂȘncia exercida sobre a corte do czar Nicolau II no inĂ­cio do sĂ©culo passado.  

Uma das lendas Ă© que ele seria tĂŁo prĂłximo a ponto de “espremer a pasta de dentes na escova de Charles”. 

Mas ele nĂŁo Ă© querido por todos. Um ex- assessor da famĂ­lia real disse ao jornal Daily Mail, que tambĂ©m publicou as denĂșncias:

“Michael traz o dinheiro e obtĂ©m resultados, entĂŁo o prĂ­ncipe sente que precisa dele por perto, mas eu nunca gostei dele.

“Mais importante: Michael Ă© um risco sĂ©rio no que diz respeito Ă  reputação do prĂ­ncipe.”

Fawcett, de quem Charles uma vez disse que nĂŁo poderia sobreviver sem, havia renunciado em 2003 a um cargo de assessor direto da Clarence House, depois que um relatĂłrio revelando falhas em sua administração. 

O lĂ­der do grupo antimonarquista Republic, Graham Smith, criticou o prĂ­ncipe por ter trazido o assessor de voltas seguidas vezes depois que escĂąndalos esfriaram. 

Ele formalizou na segunda-feira um pedido de abertura de investigação policial, argumentando que hĂĄ evidĂȘncias de crime. 

Doador generoso 

O empresĂĄrio Mahfouz Marei Mubarak bin Mahfouz, de 51 anos, doou mais de ÂŁ 1,5 milhĂŁo (R$ 10,8 milhĂ”es) para financiar reformas de residĂȘncias usadas por Charles e projetos beneficentes apoiados pelo futuro rei. Ele aparece na lista da Prince’s Foundation como patrono.

O saudita tem atĂ© uma floresta com o seu nome, a Floresta Mahfouz, no Castelo de Mey, uma edificação do sĂ©culo 15 que jĂĄ foi uma das casas da casa da Rainha MĂŁe (a mĂŁe da rainha Elizabeth) e Ă© agora uma das residĂȘncias do prĂ­ncipe Charles na EscĂłcia.  

O prĂ­ncipe Charles sempre procurou ficar distante das doaçÔes, mas o envolvimento direto de seu assessor mais prĂłximo Ă© uma situação incĂŽmoda. 

Nunca reclame, nunca explique 

Como Ă© prĂĄtica comum na famĂ­lia real, nem o PalĂĄcio de Buckinghan nem o prĂ­ncipe Charles falaram sobre o caso. O lema da realeza britĂąnica para lidar com assuntos espinhosos Ă© “never complain, never explain” (nunca reclame, nunca explique), uma tentativa de deixar a crise de imagem ir embora sozinha. 

Uma repĂłrter da rede de TV Sky News que acompanha os passos da famĂ­lia real, Rhiannon Mills, disse ter ouvido de uma fonte do PalĂĄcio de Buckinghan que o prĂ­ncipe Charles foi “informado” da investigação pela Prince’s Foundation, e que este seria um assunto da fundação, responsĂĄvel por investigar o que ocorreu. 

Nas redes sociais do PalĂĄcio de Buckinghan e do prĂ­ncipe William e sua mulher Kate, as Ășnicas postagens no domingo eram elogios Ă  equipe da GrĂŁ-Bretanha na paraolimpĂ­ada.

Mas em tempos de redes sociais, a ideia pode estar tĂŁo ultrapassada quanto alguns rituais medievais que caĂ­ram em desuso mesmo em terras britĂąnicas. 

A hashtag #PrinceCharles estava entre os trending topics da manhĂŁ de domingo no Reino Unido, com crĂ­ticas severas ao envolvimento do principal assessor do futuro rei no episĂłdio da concessĂŁo da comenda ao empresĂĄrio saudita. 

Na segunda-feira (6/9), a Clarence House, residĂȘncia de Charles, emitiu uma nota curta dizendo que “o prĂ­ncipe nĂŁo tinha conhecimento de oferta de comendas ou cidadania britĂąnica em troca de doaçÔes, e que apoia as investigaçÔes em curso pela Prince’s Foundation”. 

Mas o pedido de investigação policial pode agravar ainda mais a situação. 

Leia mais 

Grupo antimonarquista denuncia príncipe Charles à Scotland Yard por escùndalo de doaçÔes em troca de comenda

Resposta da fundação 

Depois que as denĂșncias vieram a pĂșblico, um porta-voz da Prince’s Foundation disse que “a fundação leva muito a sĂ©rio as alegaçÔes que recentemente foram trazidas Ă  sua atenção e o assunto estĂĄ sob investigação”. 

Douglas Connell, presidente da fundação, disse que aceitou a oferta de Fawcett de renunciar temporariamente:

“Michael apóia totalmente a investigação em andamento e confirmou que ajudará na investigação de todas as formas.”

Mahfouz nega qualquer irregularidade. 


Leia também

Harry e Meghan provocam debate: tem racismo na imprensa britĂąnica?


Charles e Andrew

O escĂąndalo envolvendo o assessor de Charles acontece semanas depois de uma fonte (provavelmente autorizada pelo prĂ­ncipe) ter feito chegar a jornais sua opiniĂŁo de que o irmĂŁo, Andrew, nĂŁo deveria mais voltar Ă  vida pĂșblica. Andrew enfrenta um processo nos Estados Unidos por abuso sexual. 

Esse tipo de informação atribuĂ­da a “fontes da realeza”Ă© comum na imprensa britĂąnica, consistindo em uma forma de as figuras mais proeminentes darem o recado sem aparecerem diretamente. HĂĄ quem diga que as fontes seriam os prĂłprios membros da famĂ­lia real ou assessores.

A “fonte” disse ao jornal hĂĄ duas semanas que Charles acredita que mesmo que a ação movida por Virginia Roberts Giuffre contra Andrew fracasse, ela representa risco Ă  reputação da famĂ­lia real, devido  aos vĂ­nculos do duque com Jeffrey Epstein, condenado por crimes sexuais, que acabou cometendo suicĂ­dio na prisĂŁo. 

Uma das preocupaçÔes Ă© de que o caso ofusque o Jubileu de Platina da Rainha no ano que vem. 

O jornal The Times disse que Charles teria afirmado amar seu irmĂŁo e ser solidĂĄrio com as dificuldades que enfrenta, mas que seu retorno a funçÔes oficiais poderia causar dano indesejado Ă  reputação da instituição: 

“Ele concluiu hĂĄ muito tempo que provavelmente Ă© um problema insolĂșvel. Isso provavelmente fortalecerĂĄ ainda mais a mente do prĂ­ncipe de que um caminho de volta para o duque Ă© comprovadamente impossĂ­vel, porque o fantasma desta [acusação] aparece com horrĂ­vel regularidade.”

Embora nĂŁo tenha a mesma gravidade de que um escĂąndalo sexual, e que nĂŁo haja evidĂȘncias de que o prĂ­ncipe Charles tenha participado diretamente de qualquer tratativa para conceder a comenda ao empresĂĄrio saudita, sua reputação como futuro rei acaba sendo afetada pelas revelaçÔes. 

Principalmente quando se compara Ă  imagem irretocĂĄvel da rainha Elizabeth, que vai completar 70 anos no trono praticamente livre de controvĂ©rias ou situaçÔes constrangedores, que vĂȘm se sucedendo na famĂ­lia. 

*matéria atualizada em 7/9 para incluir o posicionamento da Clarence House

Leia também

Fotos e vĂ­deos mostram “lado comĂ©dia” da natureza, em verdadeiros memes da vida selvagem

AdversĂĄrio da cultura do cancelamento, astro do Monty Phyton anuncia sĂ©rie contra o “politicamente correto”