Londres – Enfrentando uma enxurrada de críticas e de cobertura negativa na mídia global depois que o Wall Street Journal (WSJ) tornou públicas pesquisas internas sobre males causados aos jovens no Instagram há duas semanas, o Facebook recuou e resolveu “pausar” o lançamento do Instagram Kids, versão da rede social destinada a crianças com menos de 13 anos.

Em comunicado assinado pelo chefe global do Instagram, Adam Mossseri, a empresa americana anunciou nesta segunda-feira (27/9) que a ideia do novo aplicativo é “a coisa certa a fazer”, mas que antes de lançá-lo quer conversar com pais e legisladores sobre os planos. 

Em maio, 44 procuradores-gerais americanos dirigiram uma carta aberta ao CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, pedindo para que descartasse a ideia do Instagram para crianças.  

Sigilo sobre pesquisas internas

A decisão de adiar vem em um momento difícil para a rede social. Além das repercussão negativa das revelações feitas pelo jornal americano, o Facebook tem pelos próximos dias uma batalha dura: o líder global de segurança da empresa Antigone Davis, vai depor em um subcomitê de comércio do Senado americano na próxima quinta-feira (30/9).

O recuo da plataforma de mídia digital segue-se a uma série de matérias que o WSJ vem publicado nas últimas semanas, que já ganharam o apelido de “Facebook Papers”, em alusão ao escândalo financeiro “Panama Papers”. 

A principal delas foi a que apresentou pesquisas internas realizadas nos últimos dois anos constatando efeito negativo sobre o bem-estar e o estado emocional de meninas e também meninos que utilizam o Instagram. O Facebook foi criticado por ter mantido os estudos em sigilo. 

Em uma primeira resposta, assinada pelo vice-presidente de assuntos globais da rede social, o ex-político britânico Nick Clegg, o Facebook negou que mantivesse pesquisas ocultas. 

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No último dia 26 foi a vez da vice-presidente global de pesquisas, Pratiti Raychoudhury publicar um longo comunicado em que procurou desconstruir ponto a ponto as afirmações do jornal. Ela assegura que ao contrário do que disse a reportagem, as pesquisas mostram que a plataforma faz as meninas se sentirem melhores e não piores em 11 das 12 questões avaliadas. 

O título do slide dizia que o Instagram tornava as imagens corporais piores para uma em cada três adolescentes

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Instagram para crianças

Mesmo assim, a Big Tech acusou o golpe em sua imagem e os riscos que pode enfrentar diante de legisladores e até anunciantes assustados com a má repercussão, e decidiu adiar o Instagram para crianças, embora não admita a ideia de cancelar o lançamento, como pediram os procuradores-gerais americanos. 

Segundo o comunicado assinado pelo chefe do Instagram ao anunciar o adiamento, “o objetivo inicial com o aplicativo era resolver um problema importante visto em nossa área: as crianças estão adquirindo telefones cada vez mais jovens, enganando sobre sua idade e baixando aplicativos destinados a pessoas com 13 anos ou mais”.

Mosseri disse acreditar firmemente que é melhor para os pais ter a opção de dar aos filhos acesso a uma versão do Instagram projetada para eles — pela qual os pais possam supervisionar e controlar sua experiência — do que confiar na capacidade de um aplicativo para verificar a idade das crianças que são muito jovens para ter um documento de identidade.

“Embora defendamos a necessidade de desenvolver essa experiência, decidimos interromper este projeto. Isso nos dará tempo para trabalhar com pais, especialistas, legisladores e reguladores, para ouvir suas preocupações e demonstrar o valor e a importância deste projeto para adolescentes mais jovens online “, disse a empresa.

Defendendo a iniciativa de interromper o desenvolvimento do aplicativo, ele respondeu antecipadamente a sugestões de que o adiamento significa o reconhecimento de que a novidade é uma “má ideia”, e disse que não.

“A realidade é que as crianças já estão online, e acreditamos que desenvolver experiências adequadas à idade, projetadas especificamente para elas, é muito melhor para os pais do que a situação atual.”

E lembrou que o Facebook não é a única empresa a pensar assim:

“Nossos colegas reconheceram esses problemas e criaram experiências para as crianças. O YouTube e o TikTok têm versões de seus aplicativos para menores de 13 anos.”

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O chefe do Instagram ressaltou que a versão para crianças não seria igual à versão atual. E afirmou que a ideia nunca foi atingir crianças mais novas, e sim pré-adolescentes de 10 a 12 anos.

Pela ideia original, o Instagram para crianças exigiria permissão dos pais para entrar, não teria anúncios e apresentaria apenas conteúdo e recursos adequados à idade.

“Os pais poderão supervisionar o tempo que seus filhos passam no aplicativo e supervisionar quem pode enviar mensagens a eles, quem pode segui-los e quem eles podem seguir. A lista é longa”, acrescentou.

No mês passado, a empresa anunciou que o Instagram exigirá que todos os usuários digitem sua data de nascimento para fazer o login , mesmo aqueles que não foram solicitados a informar uma data se ingressaram antes de 2019, como parte das novas medidas de segurança infantil do aplicativo.

No início deste ano, o Facebook introduziu medidas de segurança para impedir usuários adultos de enviarem mensagens diretas a adolescentes, a menos que eles os seguissem.

No entanto, a empresa baseava a sua capacidade de identificação dos filhos na idade que estes apresentavam, o que suscitou algumas críticas porque, como a empresa reconheceu, “os jovens podem mentir sobre a data de nascimento”.

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Procuradores americanos são contra Instagram para crianças 

Na carta aberta publicada em maio, os procuradores americanos argumentaram que as redes sociais podem ser prejudiciais para o bem estar físico, mental e emocional de crianças, diminuindo sua autoestima e aumentando o senso de comparação.

Eles afirmaram que “as crianças não estão preparadas para discernir entre o que é apropriado em uma rede social, tanto em relação a interações com adultos, estando suscetíveis a abusos, quanto entre elas próprias, podendo experimentar situações traumáticas como cyberbullying”.

E criticam o Facebook por “já ter falhado anteriormente na proteção da privacidade de crianças e adolescentes em seu aplicativo Facebook Messenger Kids, que apresentou um erro em 2019 e permitiu que milhares de crianças participassem de bate-papos privados com usuários não autorizados pelos seus tutores”. 

A carta também enfatiza os riscos legais de um projeto como esse, uma vez que nos Estados Unidos as crianças menores de 13 anos estão sujeitas a proteções da Lei de Proteção à Privacidade da Criança na Internet (COPPA, em inglês), que impõe regras particularmente rígidas sobre publicidade infantil e contra a coleta de dados de vulneráveis.

No Reino Unido, pressão contra a criptografia de ponta no Instagram

A proteção a crianças também é o argumento usado no Reino Unido pelo governo e por organizações não governamentais para condenar os planos do Facebook de introduzir a criptografia de ponta a ponta no Messenger e no Instagram. 

A justificativa é de que isso vai prejudicar a identificação e punição de autores de assédio infantil online, um problema crescente no país. 

Em março, a NSPCC (Sociedade Nacional para a Prevenção da Crueldade contra Crianças), maior ONG de proteção às crianças do Reino Unido com 137 anos de atuação, lançou a campanha “Ajude-nos a acabar com a Web do Faroeste”, buscando acelerar a tramitação da nova Online Harm Bill (Lei de Danos Online).

Segundo pesquisa da entidade, 90 casos de abuso infantil online acontecem por dia no Reino Unido.

Com base em registros policiais a que teve acesso por meio da Lei de Acesso à Informação, a NSPCC conseguiu comprovar que as três plataformas do Facebook responderam por 52% dos 9.477 casos de crimes sexuais ou de imagens de abusos sexuais cometidos online contra crianças, registrados no período entre outubro de 2019 e setembro de 2020.

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