Londres – Duas semanas depois de o Wall Street Journal revelar pesquisas internas do Facebook mostrando que a plataforma digital tinha conhecimento dos males causados a jovens no Instagram e sem que a crise gerada pelas revelaรงรตes tenha arrefecido, a chefe da รกrea de pesquisas da empresa, Pratiti Raychoudhury, publicou um artigo com explicaรงรตes sobre os estudos. 

O texto foi divulgado quatro dias antes do depoimento do lรญder global de seguranรงa do Facebook, Antigone Davis, perante um subcomitรช de comรฉrcio do Senado americano, marcado para quinta-feira (30/9). Em depoimentos anteriores, os representantes das redes sociais foram severamente questionados por suas prรกticas. 

Raychoudhury tenta desconstruir as conclusรตes do Wall Street Journal (e de boa parte da mรญdia global que repercutiu a notรญcia) dizendo que “nรฃo รฉ preciso que a pesquisa demonstre que o Instagram รฉ tรณxico para adolescentes. Um dia depois da publicaรงรฃo, no dia 26/9, o Facebook voltou atrรกs nos planos de lanรงar o Instagram para crianรงas, atribuindo a decisรฃo ร  necessidade de aprofundar as conversas sobre os planos. 

Instagram faz bem ou mal para adolescentes?

Segundo a chefe da รกrea de pesquisas da rede social, “o que as pesquisas realmente demonstram รฉ que muitos adolescentes sentem que usar o Instagram ajuda quando estรฃo atravessando momentos difรญceis e problemas que jovens sempre enfrentaram. “

“Na verdade, em 11 dos 12 tรณpicos mencionadas pelo WSJ — incluindo temas sรฉrios como solidรฃo, ansiedade, tristeza e problemas alimentares — mais adolescentes que disseram ter lutado com esses problemas tambรฉm disseram que o Instagram melhorou aqueles momentos difรญceis em vez piorar.”

Ela admite um dos principais aspectos destacado pelas revelaรงรตes do Wall Street, a questรฃo da imagem corporal.

“A imagem corporal foi a รบnica รกrea em que as adolescentes que relataram ter problemas disseram que o Instagram fez piorar em comparaรงรฃo com as outras 11 รกreas. 

Mas tenta relativizar, afirmando que “a maioria das adolescentes que tiveram problemas com a imagem corporal ainda relataram que o Instagram o tornou melhor ou nรฃo teve impacto.” E afirma que tanto as pesquisas do Facebook quanto aquelas feitas externamente mostram experiรชncias positivas e negativas com a mรญdia social. 

Na semana passada, o vice-presidente de assuntos globais do Facebook, Nick Clegg, um ex-polรญtico britรขnico, tambรฉm havia defendido a rede social em seu blog.

Leia mais: Facebook rebate crรญticas por sigilo sobre pesquisas internas mostrando danos do Instagram a jovens  

Objetivos da pesquisa 

Pratti Raychoudhury ressaltou que as pesquisas, algumas com apenas 40 adolescentes (o que รฉ prรกtica comum em entrevistas do tipo “focus groups”) , tiveram como objetivo levantar informaรงรตes para serem usadas em conversas internas sobre as percepรงรตes mais negativas a respeito do Instagram. E que nรฃo avaliaram relaรงรตes causais entre o Instagram e problemas do mundo real. 

Ela disse ainda que os documentos vistos pelo Wall Street Journal  foram criados e usados โ€‹โ€‹por pessoas que entendiam as limitaรงรตes da pesquisa, “razรฃo pela qual ocasionalmente usavam linguagem abreviada, principalmente nos tรญtulos, e nรฃo explicam as ressalvas em todos os slides”. 

Outro ponto defendido foi a crรญtica sobre o Facebook ter mantido a pesquisa em sigilo. Pratiti Raychoudhury menciona alguns estudos apresentados pela prรณpria empresa, e vรกrios feitos por terceiros mostrando aspectos positivos das redes sociais.

No entanto, a pesquisa revelada pelo jornal americano, com resultados negativos, nunca tinha sido divulgada, o que ele justifica pelo fato de que a finalidade seria melhorar o que hรก de ruim no Instagram: 

“Nossa pesquisa interna รฉ parte de nosso esforรงo para minimizar o que hรก de ruim em nossas plataformas e maximizar o que hรก de bom. Investimos nessa pesquisa para identificar proativamente onde podemos melhorar – por isso os piores resultados possรญveis sรฃo destacados nos slides internos.”

Esta รฉ uma crรญtica feita nรฃo apenas pelo Wall Street, mas por pesquisadores e organizaรงรตes que estudam o impacto das plataformas de mรญdia social sobre a sociedade, que frequentemente reclamam da falta de acesso a dados que poderiam ajudar a compreender melhor os efeitos e ajudar na busca de soluรงรตes. 

A defesa da chefe global de pesquisas aponta ainda as mudanรงas recentes feitas na plataforma, segundo ela em resposta a estudos internos. Entre as citadas estรฃo novos recursos para apoiar aqueles que lutam com problemas de imagem corporal, atualizaรงรฃo de polรญticas para remover todo conteรบdo grรกfico relacionado a suicรญdio e medidas para evitar exposiรงรฃo de pessoas vulnerรกveis a postagens sobre suicรญdio e automutilaรงรฃo. 

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Os riscos para o Facebook com as revelaรงรตes nรฃo se restringem ร  reputaรงรฃo. Enfrentando batalhas duras em vรกrios paรญses que preparam leis para regulamentar a atuaรงรฃo das plataformas digitais, a empresa vรช seus riscos aumentados, tornando cada vez mais difรญcil conter iniciativas regulatรณrias. 

Em outro front, hรก tambรฉm a ameaรงa financeira. Em 2020, no auge da pandemia, a rede social enfrentou um boicote de grandes marcas globais devido ao avanรงo da desinformaรงรฃo sobre o coronavรญrus, mas logo tudo voltou a normal. 

No entanto, รฉ grande a pressรฃo da sociedade e de organizaรงรตes sobre companhias, que tambรฉm temem expor seus produtos e serviรงos ao lado de conteรบdo nocivo. O YouYube, por exemplo, se posicionou firmemente contra a desinformaรงรฃo sobre vacinas nesta quarta-feira (29/9), anunciando que vai banir vรญdeos com este perfil da plataforma.

Leia mais: YouTube derruba 130 mil vรญdeos com fake news sobre Covid-19 e cria regra para todas as vacinas

Embora o Facebook argumente que o Wall Street Journal interpretou mal os fatos deliberadamente na reportagem, ele tambรฉm admite que seus prรณprios documentos mostram pelo menos o potencial de dano. 

Em uma entrevista ao site The Drum logo apรณs a publicaรงรฃo da reportagem pelo jornal americano, Phil Smith, diretor geral do ISBA, รณrgรฃo que representa os anunciantes do Reino Unido, comentou que as descobertas nรฃo sรฃo novas, mas a forma como os anunciantes lidarรฃo com as informaรงรตes daqui para frente terรก impacto.

โ€œO que essa reportagem aponta รฉ a necessidade urgente de supervisรฃo regulatรณria independente, que o ISBA vem solicitando em nome de seus membros hรก muito tempoโ€, observou ele.

Desconstruindo o Wall Street Journal 

O comunicado publicado por Pratti Raychoudhury finaliza questionando ponto a ponto o que disse o jornal americano e o entendimento da empresa sobre as pesquisas internas, como mostra a transcriรงรฃo:

O WSJ disse: โ€œRepetidamente, os pesquisadores da empresa descobriram que o Instagram รฉ prejudicial para uma porcentagem considerรกvel deles [usuรกrios jovens], principalmente adolescentes. ‘Tornamos os problemas de imagem corporal piores para uma em cada trรชs meninas adolescentes’, disse um slide de 2019, resumindo pesquisas sobre meninas adolescentes que vivenciam esses problemas.โ€

O que os dados mostram, segundo o Facebook: “O slide em questรฃo, que o The Wall Street Journal nรฃo publicou como parte de sua matรฉria e que estamos divulgando abaixo, mostra que o Instagram ajuda muitos adolescentes que estรฃo lutando com alguns dos problemas mais difรญceis que enfrentam. 

Em 11 das 12 questรตes do slide mencionadas pelo jornal como questรตes alimentares, solidรฃo, ansiedade e tristeza, as adolescentes que disseram ter passado por esses desafios eram mais propensas a dizer que o Instagram tornou essas questรตes melhores do que piores. A รบnica exceรงรฃo era a imagem corporal. 

Embora o tรญtulo no slide interno nรฃo indique isso explicitamente, a pesquisa mostra um em cada trรชs desses adolescentes que nos disseram que estavam tendo problemas de imagem corporal relatado que o uso de Instagram fez sentir pior – nรฃo um em cada trรชs de todos os adolescentes. 

Essa รฉ uma diferenรงa importante que nรฃo estรก explรญcita na reportagem. E, entre as mesmas meninas que disseram estar lutando com problemas de imagem corporal, 22% disseram que usar o Instagram as fazia se sentir melhor sobre seus problemas de imagem corporal, enquanto 45,5% disseram que o Instagram nรฃo o tornou nem melhor nem pior (sem impacto).”

Slide mostrando resultados de pesquisas do Instagram

O WSJ disse: โ€œOs meninos adolescentes nรฃo estรฃo imunes. No mergulho profundo que os pesquisadores do Facebook conduziram ร  saรบde mental em 2019, eles descobriram que 14% dos meninos nos Estados Unidos disseram que o Instagram os fazia sentir-se pior sobre si mesmos. Em seu relatรณrio sobre imagem corporal em 2020, os pesquisadores do Facebook descobriram que 40% dos meninos adolescentes vivenciam comparaรงรตes sociais negativas.โ€

O que os dados mostram segundo o Facebook: “O que o estudo disse foi que 50% dos adolescentes dos EUA e 36% dos adolescentes do Reino Unido (que usam o Instagram e responderam a uma pesquisa) dizem que se sentem melhor consigo mesmos depois de usar o Instagram, incluindo 18% dos adolescentes nos EUA dizendo que se sentiram “muito melhor”. 

De fato, em 12 das 12 ediรงรตes no slide acima referidos – como problemas alimentares, solidรฃo, ansiedade e tristeza – adolescentes que disseram que experimentaram alguns destes desafios foram mais propensos a dizer que Instagram melhorou e nรฃo piorou.”

O WSJ disse: โ€œ’Os adolescentes culpam o Instagram pelo aumento na taxa de ansiedade e depressรฃo’, disse outro slide. ‘Esta reaรงรฃo foi espontรขnea e consistente em todos os grupos.โ€

O que os dados mostram, segundo o Facebook: “Esta descoberta vem de um conjunto de entrevistas em profundidade (Focus Group) com uma pequena amostra de 40 usuรกrios adolescentes do Instagram nos EUA e no Reino Unido que tรชm problemas com imagem corporal, autoestima, humor negativo e outros.

O que o jornal deixou de fora foi outra descoberta importante do mesmo estudo: que os mesmos usuรกrios adolescentes dizem que os efeitos gerais do Instagram sรฃo positivos para eles. Alรฉm disso, com base nos dados que ficaram de fora, 8 em cada 10 adolescentes norte-americanos que usam o Instagram e responderam a uma pesquisa disseram que o Instagram os fez sentir melhor sobre si mesmos ou nรฃo teve nenhum efeito sobre como eles se sentem.”

      • Entre as adolescentes que disseram ter sentido tristeza no รบltimo mรชs, 57% disseram que o Instagram tornou as coisas melhores e 34% disseram que o Instagram nรฃo teve impacto. 9% disseram que o Instagram tornou tudo pior.
      • Entre as adolescentes que disseram ter sentido solidรฃo no mรชs passado, 51% disseram que o Instagram tornou as coisas melhores e 36% disseram que o Instagram nรฃo teve impacto. 13% disseram que o Instagram tornou tudo pior.  
      • Novamente, entre as adolescentes que disseram ter experimentado ansiedade no mรชs passado, os nรบmeros sรฃo semelhantes: 40% disseram que o Instagram tornou as coisas melhores e 48% disseram que nรฃo fez diferenรงa. 12% disseram que o Instagram piorou as coisas.  

O WSJ disse: โ€œEntre os adolescentes que relataram pensamentos suicidas, 13% dos usuรกrios britรขnicos e 6% dos usuรกrios americanos fizeram buscas sobre desejo de se matar no Instagram, mostrou uma apresentaรงรฃo.โ€

O que os dados mostram segundo o Facebook: “Quando damos um passo para trรกs e olhamos para o conjunto de dados completo, cerca de 1% de todo o grupo de adolescentes que participou da pesquisa disse que tinha pensamentos suicidas que, na opiniรฃo deles, comeรงaram no Instagram. 

Claro, mesmo uma pessoa que sente que isso comeรงou no Instagram jรก รฉ demais. ร‰ por isso que temos investido tanto em apoio, recursos e intervenรงรตes para as pessoas que usam nossos serviรงos. 

Alรฉm disso, algumas das mesmas pesquisas citadas pelo Wall Street Journal no slide acima mostram que 38% das adolescentes que disseram ter experimentado pensamentos suicidas e desejos de automutilaรงรฃo disseram que o Instagram melhorou esses problemas para elas, e 49% disseram que nรฃo teve impacto.”

O WSJ disse: โ€œMas um conjunto crescente de evidรชncias do prรณprio Facebook mostra que o Instagram pode ser prejudicial para muitos. Em um estudo com adolescentes nos EUA e no Reino Unido, o Facebook descobriu que mais de 40% dos usuรกrios do Instagram que relataram se sentir ‘pouco atraentes’ disseram que a sensaรงรฃo comeรงou no aplicativo.”

Cerca de um quarto dos adolescentes que relataram se sentir ‘nรฃo bons o suficiente’ disseram que o sentimento comeรงou no Instagram. Muitos tambรฉm disseram que o aplicativo abalou sua confianรงa na forรงa de suas amizades.โ€

O que os dados mostram, segundo o Facebook: “Um dos estudos citados pelo jornal destaca que os adolescentes que usam o Instagram nos Estados Unidos e no Reino Unido tรชm cerca de trรชs vezes mais probabilidade de dizer que o Instagram os faz sentir-se melhor em relaรงรฃo ร  vida do que pior sobre ela.”

A vice-presidente global de pesquisas da plataforma conclui afirmando: “ร‰ exatamente por isso que investimos nesta pesquisa – e como fizemos esses investimentos, pudemos estabelecer um esforรงo especรญfico para trabalhar nessas questรตes a fim de minimizar o que รฉ ruim e maximizar o que รฉ bom. Sugerir que o Instagram รฉ tรณxico para adolescentes simplesmente nรฃo se baseia em fatos.”

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