Em um esforço para obter justiça pelo assassinato de jornalistas, três importantes grupos de liberdade de imprensa anunciaram a criação de um tribunal internacional para investigar crimes contra profissionais da imprensa e responsabilizar governos, se necessário. 

Em seus primeiros casos, o Tribunal Popular sobre o Assassinato de Jornalistas indiciará os governos do Sri Lanka, México e Síria por não terem punido os responsáveis pelas mortes de Lasantha Wickrematunge, Miguel Ángel López Velasco e Nabil Al-Sharbaji.

O tribunal vai realizar investigações e análises jurídicas. Uma audiência de abertura será realizada em 2 de novembro em Haia, cidade holandesa que sedia também o Tribunal Internacional de Crimes de Guerra.

Nos ataques à liberdade de imprensa, impunidade marca assassinatos

Desde 1992, mais de 1.4 mil jornalistas foram mortos no mundo. Em oito a cada dez casos em que um jornalista é assassinado, os criminosos ficam em liberdade, apontam estatísticas.

“O nível persistentemente elevado de impunidade perpetua um ciclo de violência contra jornalistas, representando uma ameaça à liberdade de expressão”, afirmou a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), uma das entidades que lideram a iniciativa, ao lado da Free Press Unlimited e do Comitê para a Proteção de Jornalistas.

Juntas, as organizações solicitaram ao Tribunal Permanente dos Povos (TPP), órgão internacional que julga ofensas aos direitos humanos, que estabelecesse uma corte sobre o assassinato de jornalistas.

O TPP foi projetado para responsabilizar Estados por violações do direito internacional, conscientizar o público e gerar um registro de evidências legítimas para o auxílio a vítimas. 

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A iniciativa ocorre em um momento de pressão sobre jornalistas em diversos paíes, com assassinatos recentes na Europa que motivaram a Comissão Europeia a anunciar uma lei específica para assegurar a liberdade de imprensa e a segurança de jornalistas.

Na Holanda, em julho deste ano o jornalista investigativo Peter De Vries foi morto com cinco tiros no centro de Amsterdam, em um crime que chocou o país, devido à popularidade do jornalista, mas também pela violência do ataque e sua localização, o coração da capital da Holanda.

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Em Malta, o assassinato de Daphne Garuana Galizia, que expôs a corrupção na elite política e financeira da ilha mediterrânea, vai completar quatro anos em outubro. Ela foi morta quando uma bomba explodiu em seu carro, aos 53 anos.

No Afeganistão, a ascensão do Talibã trouxe consigo uma onda de assédio, agressões e mortes de jornalistas, que agora são submetidos à lei islâmica e trabalham sob um Estado de censura dos extremistas, que invadem programas de TV e interferem no conteúdo publicado.

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Assassinato de repórter saudita do Washington Post será levado ao tribunal

A advogada de direitos humanos Almudena Bernabeu vai liderar a acusação para a primeira audiência. O discurso de abertura será proferido pela baronesa Helena Kennedy do Shaws QC, membro do Painel de Alto Nível de Especialistas Jurídicos sobre Liberdade de Imprensa,. 

As principais testemunhas que prestarão depoimentos incluem Hatice Cengiz, acadêmica e noiva do jornalista saudita Jamal Kashoggi, do Washington Post, assassinado em 2018 após entrar em uma embaixada saudita na Turquia; Matthew Caruana Galizia, jornalista e filho da jornalista maltesa Daphne Caruana Galizia, assassinada em 2017; e Pavla Holcová, jornalista investigativa e colega do jornalista eslovaco Ján Kuciak, assassinado em 2018.

A audiência de abertura acontecerá  no dia 2 de novembro de 2021, em Haia. 

Veja repercussões sobre a criação da corte em defesa da liberdade de imprensa

“A audiência de abertura em 2 de novembro marca o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade por Crimes contra Jornalistas.

Esta iniciativa vai além de nomear e envergonhar autoridades que permitem o pavoroso nível de impunidade. Trata-se de dar um exemplo concreto e útil do que deve ser feito pelo Judiciário”, disse Christophe Deloire, secretário-geral da RSF.

“Muitos jornalistas corajosos foram assassinados por fazerem seu trabalho vital: relatar a verdade. O Tribunal do Povo exige justiça para esses crimes hediondos e cria uma alavanca para mobilizar os Estados a enfrentar a impunidade pelos assassinatos de jornalistas.

Mais pode e deve ser feito para levar os autores desses crimes à justiça. Essa é a inspiração para ‘Um Mundo Mais Seguro da Verdade’”, disse Leon Willems, diretor de políticas e programas da Free Press Unlimited.

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“O papel do tribunal é importante para buscar justiça para esses jornalistas corajosos, mas também dá aos familiares e colegas a oportunidade de falar e compartilhar suas próprias histórias e o impacto desses assassinatos brutais.

Os que ficaram para trás trabalharam incansavelmente para manter vivas as histórias desses jornalistas, muitas vezes diante de ameaças e perseguições. Suas vozes têm sido cruciais nos esforços contínuos de luta contra a impunidade”, acrescentou Joel Simon, diretor executivo do Comitê para a Proteção de Jornalistas.

“A liberdade de expressão é um direito humano essencial. No entanto, a frequência de graves violações cometidas contra jornalistas, juntamente com os altos níveis de impunidade prevalecentes, é alarmante. É hora de os Estados serem responsabilizados”, afirma Almudena Bernabeu, promotora do Tribunal Popular para o Assassinato de Jornalistas.

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