Londres – A tecnologia Computer Generated Imagery, que permite desenvolver personagens em computaรงรฃo grรกfica com perfeiรงรฃo quase humana, ganhou terreno nas redes sociais e รฉ cada vez mais usada para criar os chamados influenciadores CGI, que assumem o lugar dos famosos de carne e osso e faturam milhรตes promovendo produtos, serviรงos e ideias.
Mas alรฉm das prรณprias celebridades, que nรฃo devem gostar da concorrรชncia disputando cachรชs, hรก outros que vรชem com reservas essa aplicaรงรฃo da tecnologia.
Um estudo feito pela pesquisadora Francesca Sobande, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, alertou que os influenciadores CGI estรฃo ajudando marcas a modelar sua imagem de acordo com as demandas sociais, sem necessariamente um engajamento verdadeiro com as causas que supostamente defendem.
Personagens CGI podem permitir engajamento falso de marcas, afirma pesquisa
O trabalho de Sobande, Representaรงรฃo Digital Espetacularizada de Pessoas Negras e Negritude para Marcas (Spectacularized and Branded Digital (Re)presentations of Black People and Blackness), em traduรงรฃo livre, foi publicado no periรณdico acadรชmico Television & New Media.
Professora na Universidade de Cardiff, PhD em cultura do consumo e autora de estudos sobre o movimento feminista negro europeu, a pesquisadora chama a atenรงรฃo para um fenรดmeno que acompanha os influenciadores CGI: a possibilidade de um falso ativismo, levando ao que classifica como engajamento dissimulado de marcas em causas sociais, especialmente em relaรงรฃo ร populaรงรฃo nรฃo-branca.
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Ela explica que os influenciadores CGI espelham seus colegas humanos, com perfis de mรญdia social bem seguidos, selfies de alta definiรงรฃo e conhecimento dos tรณpicos de tendรชncia.
E como influenciadores humanos, eles aparecem em diferentes tipos de corpos, idades, gรชneros e etnias. Mas um olhar mais atento sobre a diversidade entre os influenciadores CGI – e quem รฉ responsรกvel por isso – levanta questรตes sobre colonialismo, apropriaรงรฃo cultural e exploraรงรฃo:
โInfluenciadores CGI negros sรฃo telas digitais que seus criadores podem projetar mensagens sobre diversidade, ao mesmo tempo que desenvolvem esse trabalho sem sequer ter que envolver ou pagar pessoas negras reaisโ.
Influenciadora CGI “brasileira-americana” tem 3 milhรตes de seguidores
A pesquisadora examina o caso de algumas influencers, como a โbrasileira-americanaโ Miquela Sousa, uma influenciadora CGI com 3 milhรตes de seguidores no Instagram.
Criada em 2016, conseguir um lugar na lista das 25 “pessoas” mais influentes da Internet em 2108, protagonizando campanhas para grandes marcas globais em que chega a contracenar com modelos reais.
Sua criaรงรฃo foi apenas o inรญcio deste mercado em desenvolvimento e, embora inovadora, tambรฉm representa uma preocupaรงรฃo para muitos.
โInfluenciadores virtuais como Miquela Sousa (conhecida como Lil Miquela) tรชm se tornado cada vez mais atraentes para as marcas. Eles podem ser alterados para parecer, agir e falar da maneira que as marcas desejarem e nรฃo precisam se deslocar fisicamente para as sessรตes de fotos — uma vantagem durante a pandemiaโ, afirma Sobande em artigo publicado no portal acadรชmico The Conversation sobre a pesquisa.
Neste vรญdeo, Li Miquela dรก dicas de relacionamento, com perfeiรงรฃo humana.
Para a pesquisadora, a lรณgica de mercado รฉ o motor real da utilizaรงรฃo de modelos CGI para atender objetivos estratรฉgicos.
โO brilho da imagem superficial dos influenciadores CGI nรฃo mascara o que eles realmente simbolizam — a demanda por personagens โdiversosโ, realistas e comercializรกveis โโque podem ser facilmente alterados para se adequar aos caprichos das marcas.โ
Outro caso emblemรกtico citado por ela รฉ o da supermodelo virtual Shudu, que jรก trabalhou com marcas de luxo como Christian Louboutin, Balmain e Ferragamo, alรฉm de revistas como Vogue e GQ no Reino Unido.
โInfluenciadores como Shudu podem despertar o interesse de marcas buscando uma soluรงรฃo rรกpida para diversificar sua imagem ou se posicionar em proximidade com a negritude”.
Segundo a pesquisadora, a supermodelo criada em CGI jรก foi alvo de outras anรกlises, apontando para o fato de ela ser uma representaรงรฃo de mulher negra, porรฉm criada por um homem branco, o designer Cameron-James Wilson, fundador da agรชncia Diigitals — a primeira dedicada exclusivamente a modelos CGI.
Shudu apareceu na revista Vogue do Reino Unido e em campanhas de moda, alรฉm do tapete vermelho dos prรชmios BAFTA, da indรบstria cinematogrรกfica britรขnica.
Desenvolvida com o uso de um programa chamado Daz 3-D em 2017, ela foi โsupostamente feita com a intenรงรฃo de representar um tipo de beleza que Wilson muitas vezes nรฃo vรช retratado na mรญdiaโ, afirma a pesquisadora.
Influenciadores CGI atendem demanda por personagens “diversos”, afirma Sobande
Sobande observa que influenciadores humanos tambรฉm sรฃo alvo de crรญticas sobre transparรชncia e autenticidade, mas, na opiniรฃo da pesquisadora, os personagens CGI — e as equipes criativas por trรกs deles — vรชm escapando desse escrutรญnio.
“Os influenciadores humanos costumam ter equipes de publicitรกrios e agentes por trรกs deles, mas, em รบltima anรกlise, tรชm controle sobre seu prรณprio trabalho e personalidade.
O que acontece entรฃo, quando um influenciador รฉ criado por alguรฉm com uma experiรชncia de vida diferente, ou uma etnia diferente?”
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Agรชncia Diigitals se destaca na vanguarda dos supermodelos CGI
A pesquisadora avalia o trabalho da agรชncia Diigitals, que atualmente apresenta sete modelos digitais, quatro dos quais sรฃo construรญdos para parecerem negros em sua cor de pele, textura de cabelo e caracterรญsticas fรญsicas.
โCriaรงรตes como Shudu e Koffi [modelo CGI negro masculino] mostram como a objetificaรงรฃo dos negros e a mercantilizaรงรฃo da negritude sustentam elementos da cultura influenciadora CGI.
A imitaรงรฃo comercial da estรฉtica negra e dos estilos dos negros tambรฉm รฉ evidente em outras indรบstrias.โ
Para Sobande, esta utilizaรงรฃo de influenciadores CGI รฉ um novo โexemplo da forma colonialista com que os negros e suas culturas podem ser tratados, como mercadorias a serem exploradas e para ajudar nas atividades comerciais de brancos poderosos nas sociedades ocidentaisโ.
O portal The Conversation informou que abordou a agรชncia Diigitals para comentar, e o fundador Cameron-James Wilson disse que o โartigo parece muito unilateralโ, acrescentando que nรฃo vรช โnenhuma referรชncia ร s incrรญveis mulheres reais envolvidas no trabalho e nรฃo tรช-las mencionadas desconsidera suas contribuiรงรตes para a indรบstriaโ.
Pesquisadora afirma querer ver negros criando influenciadores CGI negros
A pesquisadora comenta em seu artigo as tentativas da Diigitals de demonstrar autenticidade. โDesde que comecei a pesquisar este tรณpico em 2018, a imagem pรบblica da Diigitals mudou notavelmente. Seu site agora indica seu trabalho contรญnuo com mulheres negrasโ.
Sobande, entretanto, รฉ reticente quanto a uma representatividade efetiva.
โEsse gesto pode ser significativo e moderar algumas crรญticas ao crescente nรบmero de influenciadores CGI negros em toda a indรบstria, muitos dos quais aparentemente nรฃo sรฃo criados por negros.
Uma visรฃo mais pessimista pode ver essa atividade como uma projeรงรฃo de uma ilusรฃo de diversidade racialโ.
A pesquisadora ressalta que os influenciadores CGI negros podem ser โideias distorcidas sobre a vida, cultura e corporificaรงรฃo negraโ.
โAinda assim, aprecio o trabalho dos negros que buscam mudar a indรบstria e estou interessada em como o futuro dos influenciadores negros de CGI pode ser moldado por negros que sรฃo criadores e musasโ, diz.