Depois de expulsar jornalistas estrangeiros, banir as transmissões da BBC e pressionar o LinkedIn a suspender perfis de jornalistas, as iniciativas de censura à imprensa na China continuam avançando.
O país acaba de anunciar o veto a investimentos privados na mídia de notícias. Além disso, divulgou uma série de proibições ligadas à prática do jornalismo, entre elas a das transmissões ao vivo por veículos privados.
A entrada de capital na economia chinesa é guiada por um documento chamado Lista Negativa de Acesso ao Mercado. Ela inclui mais de 100 setores, estabelecendo aqueles em que os investimentos privados são totalmente proibidos e áreas em que são admitidos mediante a prévia aprovação do Estado, desde que respeitados os limites estabelecidos.
A lista é publicada anualmente desde 2018 pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, departamento com status de ministério que supervisiona as políticas de desenvolvimento econômico e social.
A relação do ano passado não incluía a mídia de notícias entre os setores proibidos, embora determinasse que os investimentos privados em veículos de imprensa não poderiam superar os do governo. Mas a proibição completa passou a valer a partir da última atualização, publicada no dia 8 de outubro – por coincidência, o dia em que dois jornalistas ganharam o Prêmio Nobel da Paz.
Proibida também a republicação de notícias de veículos internacionais
O documento informa que o “capital privado” não poderá mais investir no estabelecimento e operação de organizações jornalísticas, incluindo agências de notícias, jornais, editoras, emissoras de rádio e televisão e serviços de notícias online.
Também estabelece que o capital privado não pode ser usado para publicar notícias produzidas por “entidades estrangeiras”, vedando assim a republicação de notícias de veículos internacionais.
Outra proibição é a de transmissão ao vivo de eventos importantes, incluindo conteúdo relacionado à política, economia, assuntos militares, diplomacia e cultura, “juntamente com quaisquer outros eventos que possam afetar a opinião pública”.
Organizações de “capital não público” ficam ainda impedidas de “hospedar fóruns de notícias” ou apresentar prêmios de jornalismo e de opinião.
Entre os veículos que podem ser afetados está o site de notícias financeiras e de jornalismo investigativo Caixin, fundado e dirigido por Hu Shuli, jornalista formada em Stanford e doutora pela Universidade de Princeton.
Em março de 2020 o Caixin publicou fotos de um caminhão descarregando 2,5 mil caixões em uma casa funerária em Hankou e outros 3,5 mil encaixotados, lançando dúvidas sobre os números reais das vítimas fatais da Covid-19 na China.
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“Um golpe mortal na mídia da China”, afirma CPJ
O período de consulta pública do pacote terminou no dia 14 de outubro. O próximo passo é a ratificação pelo Partido Comunista Chinês e pelo conselho de estado, a autoridade administrativa da China.
A proibição entrará em vigor após a comissão e o Ministério do Comércio divulgarem em conjunto a lista finalizada, o que nos últimos anos foi feito no final de novembro ou início de dezembro, segundo o Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ).
Em um comunicado distribuído na véspera do encerramento da consulta, o CPJ instou a China a desistir da iniciativa e permitir que as organizações jornalísticas operem livremente.
“As regulamentações propostas pela China para proibir o investimento privado em negócios relacionados à mídia ameaçam desferir um golpe mortal no já extremamente prejudicado setor de jornalismo independente do país”, afirma Steven Butler, coordenador do programa do CPJ para a Ásia.
South China Morning Post pode ser atingido
Em entrevista ao jornal chinês South China Morning Post, Fang Kecheng, professor de jornalismo na Universidade Chinesa de Hong Kong, lembrou que a regra existe há muito tempo, mas a aplicação real vinha sendo “seletiva em escopo e poder”.
Segundo o jornal chinês, a proibição original de capital privado na mídia de notícias foi instituída pelo Conselho de Estado em 2005. Em 2017, a Administração do Ciberespaço da China, formada em 2011 e liderada pelo presidente chinês Xi Jinping, também proibiu o uso de capital privado em reportagens.
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Mas a norma se aplicava apenas a publicações impressas, deixando espaço para a mídia de notícias on-line privada florescer nas últimas duas décadas.
O próprio jornal, com sede em Hong Kong e já banido da China continental, pode ser afetado. Ele pertence ao bilionário Jack Ma, dono do grupo Alibaba, que caiu em desgraça e teria sido censurado pelo Partido Comunista Chinês depois de criticar publicamente a forma como os mercados financeiros do país funcionam.
O bilionário desapareceu por cinco meses sem explicação, teve suas empresas reestruturadas à força e foi punido com bilhões em multas. Pequim pediu que ele se desfizesse do jornal.
Restrições mais amplas à liberdade de imprensa
Henry Gao, professor de direito da Singapore Management University, comparou no Twitter os dois documentos, confirmando que as novas normas representam proibição muito mais ampla a tudo o que for relacionado ao setor de mídia.
Comentando sobre o tweet do professor, a colunista de tecnologia do New York Times Li Yuan acha que o governo está eliminando as zonas cinzentas dos limites que algumas empresas de mídia já enfrentavam.
Ela lembra que o projeto não é novo, mas acredita que sua implementação pode ser muito mais dura, em linha com as recentes repressões praticadas por Pequim.
Many media&internet veterans are scratching their heads. My 2 cents: this could mean 1.the government is eliminating the shrinking grey zones some outlets are operating.2.The draft doesn’t look new. But the implementation could be much harsher, in line with recent crackdowns
— Li Yuan袁莉 (@LiYuan6) October 8, 2021
China vem assediando organizações e empresas de mídia ocidentais
O governo chinês tem se empenhado em uma verdadeira guerra fria à mídia do Ocidente,
Em 2020, expulsou ou forçou a saída de pelo menos vinte jornalistas estrangeiros, e deixou de renovar credenciais. Quase todos os jornalistas americanos tiveram que sair do país, sob o argumento de que os Estados Unidos tentam “impor os valores americanos à China”.
Em agosto de 2020, a China deteve Cheng Lei, uma jornalista australiana que trabalhava para a China Global Television Network, um canal de notícias de televisão estatal chinesa.
Após sua prisão, os únicos outros dois jornalistas australianos na China foram colocados sob proibição de saída. Eles só conseguiram deixar o país com suas famílias depois da interferência das autoridades australianas.
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Em dezembro de 2020, as autoridades chinesas detiveram Haze Fan, que trabalha para o escritório da Bloomberg News em Pequim, sob suspeita de “colocar a segurança nacional em risco”.
No início de 2021, a BBC World News foi obrigada a parar de transmitir no país. A decisão foi tomada depois que a rede publicou denúncias de mulheres da minoria étnica uigur a respeito de estupros, abusos e torturas nos chamados campos de reeducação.
Em represália, o Reino Unido revogou a licença da rede de televisão estatal chinesa CGTN, sob o argumento de que a legislação do país não permite veículos de imprensa controlados por partidos políticos.
Em abril de 2021, o jornalista da BBC John Sudworth e sua família foram forçados a fugir da China para Taiwan, depois que ataques pessoais e uma campanha de desinformação do governo chinês os colocaram em perigo.
Ataque à Repórteres Sem Fronteiras
A mídia estatal da China tem sido usada para mandar recados duros. Há três semanas, um editorial do jornal estatal The Global Times, redigido em inglês, atacou a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que defende a liberdade de imprensa.
O texto, assinado pelo editor Hu Xijin, tem como ponto de partida o projeto JTI (Journalism Trust Iniciative), liderado pela RSF, considerado abusivo e excludente por não ter a participação da China.
O editorial assume um tom violento e afirma que o remédio é “carregar um porrete na bagagem para combater o cão selvagem que assombrará a estrada da China de tempos em tempos”.
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A rede social LinkedIn, que pertence à Microsoft, encerrou nesta semana suas operações na China, devido à pressão do governo para que bloqueasse perfis de acadêmicos, ativistas e jornalistas estrangeiros que escrevem sobre o país a partir de outros países.
A plataforma inicialmente aceitou a pressão e bloqueou os perfis para usuários chineses. Mas decidiu sair do país diante da repercussão negativa na mídia e críticas de entidades de defesa da liberdade de imprensa, como o CPJ.
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De acordo com o censo prisional mais recente do CPJ, pelo menos 47 jornalistas estavam presos na China em 1º de dezembro de 2020, garantindo ao país o título de pior carcereiro de jornalistas em todo o mundo, pelo segundo ano consecutivo.
“Agente estrangeiro”: termo vem sendo usado em legislações de controle da mídia
A citação de “entidades estrangeiras” na nova lista negativa de mercado da China ressalta um dispositivo que já vem sendo usado em ocasiões de ataques a publicações e instituições de Hong Kong contrárias ao governo, como no bloqueio ao site do museu virtual do massacre na Praça da Paz Celestial.
Com o avanço da censura chinesa sobre o território desde os protestos pró-democracia de 2019, Hong Kong vem assistindo dia após dia ao desmoronamento de símbolos de oposição ao regime comunista, seja na imprensa, na política ou nas artes.
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Além da China, países como Rússia e Singapura se utilizam da acusação de colaboração com “agentes estrangeiros” para prender jornalistas e censurar ou fechar veículos de imprensa ou boicotar seus financiamentos.
A Rússia tem desde 2017 uma lei que permite rotular publicações e jornalistas como agentes estrangeiros, e também obriga a imprensa independente a revelar em suas reportagens os financiadores de cada veículo.
O portal Meduza, a mídia online mais popular da Rússia, corre riscos. Com sede em Riga, capital da vizinha Letônia, ela foi apontada como “agente estrangeiro”. O site estaria perdendo cerca de € 2 milhões (R$ 12,2 milhões) por mês com a fuga de investidores. Para sobreviver, já pratica cortes de até 50% nos salários e interrompeu a contratação de freelancers.
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No último dia 4 de outubro, o Parlamento de Singapura aprovou uma lei que dá às autoridades do governo o direito de determinar aos provedores de internet e redes sociais o fornecimento de informações de seus usuários, o bloqueio de conteúdo e a remoção de aplicativos.
Além disso, grupos e indivíduos envolvidos na política local podem agora ser designados como “pessoas politicamente significativas”.
Quem for assim designado passa a ser obrigado a revelar fontes de financiamento estrangeiro e fica sujeito a outras “contramedidas” para reduzir o risco de interferência do exterior. Os infratores podem ser punidos com multas pesadas e até prisão.
Mas por aqui nossa mídia continua bajulando o comunismo chinês, uma cegueira ideológica sem explicação, a não $er….
No Brasil também o governo Bolsonaro tem retaliado e tentado sufocar financeiramente as empresas de jornalismo independentes. A rede Globo tem sido a mais atingida, mas a própria rede Globo tem sido incompetente em denunciar essa perseguição financeira do governo, provavelmente não limita-se a restringir anúncios do governo e estatais, mas também aconselhar os anunciantes da sua grade a não anunciarem na emissora.
Parabéns ao governo chinês. País organizado é isso. Não é à toa que avançaram tanto e o governo tem enorme apoio popular. Parabéns.