Londres – Enquanto na COP26 os líderes mundiais são pressionados a interromper o desmatamento das florestas, um grupo de cientistas internacionais explica o que você precisa saber sobre quais lugares do planeta têm a maior biodiversidade, que males o desmatamento pode provovar, e respondem à questão central: detê-lo é possível?


As florestas e a natureza estão no centro das atenções na Cop26. No segundo dia da cúpula de Glasgow (2/11), os líderes mundiais estão anunciando o compromisso de conter e reverter o desmatamento. 

Embora as estimativas variem, o setor terrestre é a segunda maior fonte de emissões de gases de efeito estufa, logo atrás do setor energético.

Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), o setor terrestre responde por cerca de um quarto das emissões globais, com o desmatamento e a degradação florestal responsáveis por metade dessa parcela.

Esse dado demonstra por que as florestas são tão importantes para o clima. E torna ainda mais relevante a pergunta: como podemos deter o desmatamento?

Trezentas árvores para cada ser humano

Existem muito mais árvores povoando a Terra do que pessoas. São cerca de três trilhões, o que representa uma superioridade em favor das árvores de quase 300 para um.

Algumas fazem parte de enormes ecossistemas florestais, como a floresta tropical do Congo, enquanto outras ficam em paisagens pouco povoadas, como nas bordas do deserto do Saara. 

O grande problema é que das 60 mil espécies de árvores conhecidas, quase a terça parte delas está ameaçada de extinção, de acordo as avaliações mais recentes.

Divergências na definição de floresta

Os cientistas não conseguem decidir sobre uma única definição de floresta, devido a divergências sobre a densidade, altura e cobertura das copas das árvores. 

Mas a descrição da Food and Agriculture Organization é comumente usada: “Porção de terra com cobertura de copa das árvores de mais de 10% e área de mais de meio hectare.” 

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Metade das florestas mundiais em cinco países

Em 2020, as florestas cobriam quase um terço da massa terrestre mundial, com mais da metade encontrada em apenas cinco países: Rússia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e China. 

A taiga – também conhecida como floresta boreal do norte – é a maior do mundo, estendendo-se ao redor do hemisfério norte pela Sibéria, Canadá e Escandinávia.

Três tipos principais

São três os principais tipos de floresta: a temperada, a tropical e a boreal. Elas englobam uma infinidade de ecossistemas: floresta nublada, manguezal e floresta tropical seca, entre muitos outros.

A distribuição global das florestas, por domínio climático Fonte: Adaptado do mapa mundial das Nações Unidas, 2020.

Por que as florestas são importantes para o clima?

Bilhões de humanos dependem das florestas para obter alimentos, materiais de construção e abrigo. 

Além disso, florestas como a tropical da bacia do Congo – a segunda maior do mundo – afetam as chuvas a milhares de quilômetros de distância ao redor do rio Nilo. 

Como se não bastasse, as florestas estão entre os lugares com maior biodiversidade do planeta e formam um enorme estoque de carbono, regulando o  clima do mundo. 

Apesar de tudo isso, elas estão sendo destruídas  em um ritmo implacável. Cerca de 10% da cobertura vegetal foi perdida desde 2000, de acordo com o Global Forest Watch. 

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Quase um século de emissões armazenadas nas florestas

O conjunto de florestas do planeta contem cerca de 861 gigatoneladas de carbono – o equivalente a quase um século de emissões anuais de combustíveis fósseis na taxa atual.

Desse total, a quantidade maior de carbono é armazenada no solo (44%) e na biomassa viva (42%). O resto é encontrado na madeira morta (8%) e no lixo florestal. 

Além disso, nas duas últimas décadas as florestas absorveram duas vezes mais carbono do que emitiram. 

Sumidouros de carbono florestal ou fontes de carbono: mapa-múndi mostrando regiões florestais que são fontes de emissões de carbono (roxo) e onde são sumidouros de carbono (verde), ou áreas que absorvem e armazenam carbono da atmosfera. Créditos: Harris et al. 2021 / Global Forest Watch / World Resources Institute

Limitação do aquecimento não será possível sem interromper desmatamento

Muitos cientistas dizem que não será possível limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais sem interromper o desmatamento.

“Existem dois pontos principais sobre a relação entre florestas e carbono”, diz Yadvinder Malhi, professor de ciência do ecossistema na Universidade de Oxford. “As florestas armazenam carbono, o que significa que, quando você desmata, está liberando CO2 na atmosfera, diz ele.

“A outra coisa é que as florestas intactas funcionam como um sumidouro de carbono, que é absorvido ao longo do tempo. E se nosso coletor está desaparecendo, você está perdendo o serviço que a biosfera oferece – a suposição de que tal coletor continuará embutido em quase todos os nossos cenários de modelo climático para este século. ”

Todas as florestas armazenam a mesma quantidade de carbono?

Há uma diferença na capacidade de armazenamento das florestas.

As mais antigas, livres de poluição e da interferência industrial humana, são especialmente importantes para o clima e a biodiversidade. Elas são chamadas de florestas primárias e são ecossistemas densos em carbono, repletos de vida, como se observa em partes da Amazônia, na Floresta Białowieża na Polônia e Papua Nova Guiné. 

São as florestas mais antigas que ostestam as árvores maiores e a maior variedade de vida. Como elas representam apenas um terço da cobrtura florestal do planeta, os conservacionistas colocam ênfase extra em sua proteção contra a exploração madeireira, incêndios florestais e a indústria humana. 

Por outro lado, florestas jovens ou em recuperação armazenam muito menos carbono e às vezes podem levar vários anos antes de se tornarem sumidouros eficazes.

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Destruição de florestas pode gerar refugiados do clima

Existe um grande risco de um efeito dominó. Se não protegermos as florestas, as pessoas migrarão, criando uma onda de refugiados do clima.

Florestas tropicais, manguezais e florestas de turfeiras – como as encontradas no sudeste da Ásia – desempenham um papel muito importante na regulação do clima devido à quantidade de carbono que armazenam, seu efeito de resfriamento e a proteção que fornecem contra inundações. 

As florestas boreais, que ficam cobertas de neve em grande parte do ano, refletem mais calor na atmosfera e têm um efeito de aquecimento global no clima. As plantações de árvores agrícolas com muito poucas espécies são muito menos densas em carbono e suportam muito menos vida.

Desmatamento pode impulsionar sexta extinção em massa da vida

O desmatamento é a conversão impulsionada pelo homem para outro uso da terra da floresta, como a pecuária ou a produção de soja. O resultado geralmente é a eliminação da floresta da área com o uso de máquinas seguida da queima dos resíduos. 

Além de ser uma importante fonte de emissões de carbono, a mudança do uso da terra é o principal condutor da perda de biodiversidade, o que segundo os cientistas pode impulsionar a sexta extinção em massa da vida na Terra. 

Na verdade, o desmatamento há séculos anda de mãos dadas com o desenvolvimento humano. Quase toda a floresta tropical temperada que outrora cobriu grande parte das Ilhas Britânicas foi desmatada para a agricultura, estradas e assentamentos humanos, por exemplo.

Os estudiosos ressaltam a diferença entre desmatamento e o processo de extração de madeira, que pode ser feito com a retirada seletiva das árvores de uma floresta, que mesmo assim é mantida de pé. 

“Espinha de peixe” é o padrão do desmatamento

Do espaço, o desmatamento geralmente segue um “padrão espinha de peixe”, onde a terra é desmatada ao longo das margens de estradas e rios. Com o tempo, a espinha de peixe vai se preenchendo à medida que mais floresta é desmatada. 

Em grande escala, o processo pode se autoperpetuar, como a mudança da Amazônia da floresta tropical para a savana , já que grande parte dela foi destruída.

Esta vista aérea revela um padrão de desmatamento em ‘espinha de peixe’ no estado de Rondônia, no oeste do Brasil, que se tornou uma das partes mais desmatadas da Amazônia. Fotografia: MODIS / Terra / Nasa

Esta vista aérea revela um padrão de desmatamento em 'espinha de peixe' no estado de Rondônia, no oeste do Brasil, que se tornou uma das partes mais desmatadas da Amazônia.

Brasil foi um dos cinco que mais perdeu floresta primária tropical em 2020

No ano passado, o Brasil foi um dos cinco países com maior perda de floresta primária tropical, juntamente com a República Democrática do Congo, Bolívia, Indonésia e Peru. 

Cerca de 12 milhões de hectares de cobertura de árvores foram perdidos nos trópicos. 

Só de florestas primárias foi devastada uma área equivalente ao território da Holanda (4,2 milhões de hectares). Isso representou a liberação de uma emissão equivalente à produzida por 570 milhões de carros em um ano.

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Por que as pessoas desmatam as florestas?

Embora existam muitos fatores locais, os especialistas dizem que o principal motivo é financeiro: em termos monetários, as florestas valem mais mortas do que vivas. 

No Brasil, grande parte da Amazônia foi desmatada para a produção de carne . 

Na Indonésia, florestas e turfeiras foram desmatadas e drenadas para plantações de dendezeiros. 

Em outras áreas, café, cacau, banana, abacaxi, folhas de coca e agricultura de subsistência impulsionaram o desmatamento. A maioria dos pontos devastados está em regiões tropicais, que também são áreas lucrativas para a agricultura.

“O maior fator é a expansão da agroindústria: pecuária, soja e dendê”, diz Malhi. 

“Um segundo fator é a pobreza. Em muitas partes da África, como Madagascar, onde há pressão demográfica, muitos pobres estão apenas procurando ganhar a vida na fronteira à medida que as populações aumentam. O mesmo acontece em partes da América do Sul e sudeste da Ásia.”

Podemos realmente parar o desmatamento?

Não será fácil, mas há motivos para ter esperança. Juntamente com os acordos assumidos por líderes mundiais em Glasgow na COP26, espera-se que grandes produtores e consumidores de commodities ligadas ao desmatamento se comprometam a erradicá-las da cadeia de fornecimento global. 

A China – um dos maiores consumidores do mundo – tem buscado passar a percepção de levar o desmatamento mais a sério, com o compromisso de “tornar mais verde” sua cadeia de suprimentos.

“Precisamos realmente começar a pensar sobre a perda das florestas, especialmente as tropicais, da mesma forma que as pessoas agora estão falando sobre carvão”, disse Frances Seymour, especialista em floresta e governança do World Resources Institute (WRI). 

“Houve uma grande celebração de que a China se comprometeu a não mais financiar novas usinas de carvão no exterior. Mas precisamos buscar compromissos semelhantes de todos os países para parar de financiar projetos que levem ao desmatamento no exterior ”.

Existem exemplos com os quais podemos aprender?

A Costa Rica é o único país tropical que conseguiu deter e reverter o desmatamento. Isso foi feito, em parte, com pagamentos de um programa que atribuiu um valor econômico às florestas em pé e à biodiversidade. 

O país ganhou o primeiro prêmio Earthshot este ano pelo esquema, revertendo uma das maiores taxas de desmatamento na América Latina na década de 70 e regenerando grandes áreas de floresta .

Em uma escala maior, o Brasil teve sucesso considerável na redução do desmatamento na Amazônia no final dos anos 2000 e início dos anos 2010. No entanto, desde então houve grandes picos de desmatamento na maior floresta tropical do mundo sob a presidência de Jair Bolsonaro. 

A Indonésia teve sucesso nos últimos anos em desacelerar o desmatamento com uma moratória da expansão do óleo de palma. Porém, os especialistas alertam que a iniciativa é frágil porque os incentivos econômicos para derrubar a floresta não mudaram.

Créditos de carbono

Um esquema da ONU que oferece incentivos financeiros para proteger as florestas, conhecido como Redd+, permite que os países em desenvolvimento vendam créditos de carbono para preservar sumidouros de carbono. 

Embora ainda haja divergências sobre as regras para os mercados de carbono , espera-se que elas sejam dirimidas na COP26. 

Países como o Gabão, com baixas taxas de desmatamento e grande cobertura florestal, afirmam que também precisam de financiamento para proteger as florestas. O Gabão é o presidente do grupo africano de negociadores da COP26.

Por que as comunidades indígenas são tão importantes para parar o desmatamento?

Estudos mostram que as comunidades indígenas são as melhores protetoras das florestas. Muitas paisagens consideradas selvagens foram, na verdade, administradas por comunidades indígenas durante séculos. 

Este ano, uma revisão da ONU de mais de 250 estudos descobriu que, na América Latina, as taxas de desmatamento eram mais baixas em seus territórios do que em outros lugares. Apesar disso, muitos povos indígenas e tribais enfrentam perseguição, racismo e violência.

Em julho, um teste de dois anos usando sensores remotos para alertar as comunidades indígenas do Peru sobre o desmatamento precoce proporcionou uma diminuição de 37% na perda de árvores ao longo do período, em comparação com o grupo de controle. Os pesquisadores dizem que se isso fosse ampliado, poderia ter um grande efeito na redução do desmatamento.

Jessica Webb, gerente sênior de engajamento global da Global Forest Watch, afirma:

 “Um terço da floresta amazônica está dentro de aproximadamente 3,3 mil territórios de povos indígenas formalmente reconhecidos.

 Com base na modelagem que fizemos com nosso parceiro Rainforest Foundation US, como resultado deste estudo, prevemos que 123 mil hectares de desmatamento por ano poderiam ser evitados ampliando essa abordagem para outras comunidades na Amazônia. Seria o equivalente a tirar 21 milhões de carros das estradas por ano”.

Os satélites podem proteger as florestas?

O avanço da tecnologia faz com que o monitoramento de ecossistemas passe por uma revolução. O desmatamento é mais fácil de rastrear por meio de um conjunto de dados desenvolvido em conjunto por pesquisadores da Universidade de Maryland, Nasa e Google. 

À medida que as resoluções das imagens melhoram, estamos próximos de poder monitorar o desmatamento em tempo real .

Mas ainda há lacunas entre a capacidade de monitorar a degradação e a sua efetiva restauração, diz Crystal Davis, diretora do Land & Carbon Lab, uma iniciativa do WRI que visa fornecer informações sobre como o mundo pode cumprir os compromissos de clima e biodiversidade. 

“Também precisamos entender melhor a precisão dos conjuntos de dados globais. Eles não são consistentes em toda a geografia ”, diz ela.

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Mudança climática Dia da Terra

E o reflorestamento?

O mundo precisa restaurar as florestas para atender às metas de clima e biodiversidade. 

Mas os cientistas dizem que deter o desmatamento é uma tarefa ainda mais premente, pois o processo libera carbono imediatamente, enquanto a natureza leva décadas para se recuperar e absorver o carbono. 

É por isso que florestas primárias com milhares de anos de idade não podem ser substituídas por esquemas de plantio de árvores.

E se não pararmos o desmatamento?

Reduzir as emissões de combustíveis fósseis é a tarefa mais urgente para evitar mais aquecimento global. Mas se o mundo continuar a perder florestas, corremos o risco de disparar pontos de inflexão com consequências indesejadas. 

A Amazônia pode se transformar em savana, as florestas boreais podem morrer e estoques de carbono que levaram milhares de anos para serem absorvidos podem ser liberados em curto período de tempo. 

O que isso significaria para a segurança alimentar, sistemas climáticos e para milhões de espécies provavelmente não será uma boa notícia, alertam os especialistas.

Robert Nasi, chefe do Centro de Pesquisa Florestal Internacional, diz:

“Se não protegermos as florestas, teremos mudanças climáticas em cascata: a seca da Amazônia e da Bacia do Congo… há muito risco de um efeito dominó. Isso sem falar do drama dos refugiados climáticos.”


Com agradecimentos a:

Crystal Davis, diretora do Land & Carbon Lab
Frances Seymour, ilustre bolsista sênior do World Resources Institute
Luiz Amaral, diretor de soluções globais para commodities e finanças do World Resources Institute
Robert Nasi, diretor geral do Center for International Forestry Research
Yadvinder Malhi, professora de ciência do ecossistema da University of Oxford
Jessica Webb, gerente sênior de engajamento global da Global Forest Watch


Esta reportagem foi publicada originalmente no The Guardian e faz parte do Covering Climate Now, uma colaboração global de jornalismo que fortalece a cobertura da história do clima. O MediaTalks faz parte da coalizão. 

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