“Um pouco de desconforto” pode virar a marca dos protestos contra mudanças climáticas

Jovens ativistas inspirados por Greta desafiam governos e empresas a combater aquecimento global

Foto: Ehimetalor Akhere/ Unsplash

Mas nem tudo é pessimismo. Há sinais de aumento da consciência ambiental vindos de vários lados, o que é uma ótima notícia.

Um dos mais animadores para quem espera um futuro melhor é engajamento dos jovens na questão do clima, um movimento que para alguns começou com Greta Thunberg, mas está longe de limitar-se a ela, como a ugandense Vanessa Nakate.

As novas Gretas

Da terra de Greta, a Suécia, a correspondente do MediaTalks Cláudia Wallin acha que ela é um ativo, um patrimônio do país. E já começa a ser cobrada a se engajar na política, para ir além do discurso.

Não é apenas Greta. Aqui e ali surgem lideranças jovens que inspiram outros jovens e formam uma cadeia que vai bater na porta de governos, setores empresariais e marcas, cobrando uma conduta diferente da que era aceitável no passado. Ou boicotá-los.

Leia também 

Jovens ativistas fazem ato na COP26 com nomes que vão além de Greta: conheça Vanessa Nakate

Reprodução Twitter

 

Boicotes não costumam afetar severamente as vendas ou receitas das grandes empresas. Mas o que vem com eles é a má reputação, que pode fechar a porta para negócios, afastar parceiros, dificultar alianças.

Em entrevista ao MediaTalks, Robert Haigh, diretor de Estratégia e Insights da consultoria de branding britânica Brand Finance, salientou que os princípios ESG tornaram-se uma questão crítica para investidores.

Leia também

“Não deixem a violência do clima ser nosso legado”, pedem crianças em manifesto a líderes na COP26

Cobertura de imprensa massiva ‘desarma’ negacionismo climático e dissolve passividade pública

Ele acredita que marcas de alguns países podem ser excluídas de carteiras de ativos que levam em conta a conformidade com esses princípios. Não crê que isso vá acontecer como resultado direto da COP26, mas recomenda que empresas e governos estejam atentos a essa tendencia, que se acelera.

Jovens vão decidir o futuro

Quando se olha para a garotada de rosto pintado na marcha dos 100 mil de Glasgow, nem todos podem estar enxergando ali pessoas que tomam decisões sobre investimentos ou costuram alianças.

Mas quem tem filhos ou acompanha o crescimento de filhos dos outros sabe o quanto eles crescem rápido. Em breve, alguns estarão em posição de comando, com influência que irá além de protestar nas ruas ou reclamar nas redes.


 Leia também | Edição Especial MediaTalks COP26


O Partido Verde Alemão tornou-se o mais popular entre aqueles com menos de 30 anos nas eleições para o Parlamento Europeu de 2019 e nas eleições federais de 2021. Ganhou apoio suficiente para entrar no governo de coalizão, provando que as vozes dos jovens podem influenciar diretamente a direção da política.

No Canadá, o grupo Shift Action for Pension Wealth and Planet Health tem mobilizado beneficiários dos maiores fundos de pensão do país para exigir mais transparência sobre como estão administrando o risco climático.

Uma das campanhas do Shift envolve a organização de alunos e professores para pressionar o fundo de pensão dos docentes de Ontario a tomar decisões de investimento verdes com os recursos administrados para as aposentadoria dos beneficiários.

A iniciativa alinhou interesses de alunos e professores: os jovens querem um futuro climático seguro, enquanto os professores desejam proteger suas economias dos riscos ambientais.

Um pouco de desconforto

Mas nem tudo vai ser doce e meigo assim. Há correntes mais radicais, e não estamos falando somente de grupos como o Extinction Rebellion, que fecha estradas e pontes e cola as mãos no asfalto exigindo medidas concretas para reverter o aquecimento global.

Na véspera da COP26, ativistas do movimento Fridays For Future, criado por Greta Thunberg, fizeram um protesto na área financeira de Londres, onde se concentram os bancos e empresas de investimento, que teve a participação da sueca, a caminho de Glasgow.  

As jornalistas Mary Annaïse Heglar e Amy Westervelt, do americano The Nation, fizeram em um artigo uma reflexão sobre a cordialidade na luta por mudanças. Acham que os ativistas do clima passaram décadas pedindo educadamente aos líderes mundiais para agirem, e mantiveram diálogo em fóruns respeitáveis.

Leia também 

Será que a imprensa está cobrindo bem o ativismo ambiental?

Para 78% dos jovens do Brasil, governo mente sobre ações contra mudança climática, diz pesquisa global

Porém, para elas nada disso adiantou, o que leva a questionarem:

“Existe algum movimento de justiça social na história que teve sucesso seguindo a etiqueta?”.

Heglar e Wstervelt defenderam a ideia de que compromisso e civilidade são o conforto dos ricos e poderosos. “Se quisermos que as elites ajam, teremos que tornar sua complacência desconfortável e isso vai exigir alguma falta de civilidade”, alertam.

Não é pensamento de jovens inconsequentes. Em entrevista ao MediaTalks, o diretor do Brazil Institute do King´s College, Vinícius de Carvalho, lembrou que foi graças ao radicalismo que mulheres ganharam o direito ao voto.

E pode ser assim que a temperatura do planeta acabe sendo controlada.

Leia mais

COP26 | Sociedade espera transformação, alerta diretor do Brazil Institute do King’s College London

Luciana Gurgel
Jornalista baseada em Londres, é co-fundadora e Editora-chefe do MediaTalks. É também colunista de mídia e comunicação no J&Cia/Portal dos Jornalistas. Faz parte da FPA London (Foreign Press Association).