Londres – A Repórteres Sem Fronteiras acaba de publicar um relatório demonstrando a extensão das violações da liberdade de imprensa na China dois anos depois de o país ter iniciado o que a organização internacional classifica como “uma nova ordem mundial de mídia”.
Intitulado “ O grande salto para trás do jornalismo na China”, o relatório publicado na terça-feira (7/11) consolida em 82 páginas as ações de repressão ao trabalho da mídia, bem como a censura exercida sobre profissionais da grande imprensa e jornalistas cidadãos que usam as redes sociais para divulgar fatos incômodos ao governo.
O caso mais notório é o de Zhang Zhan, que transmitiu vídeos da crise da Covid-19 em Wuhan em 2020 e foi condenada a quatro anos e meio de prisão. Ela está em greve parcial de fome, pesando menos de 40 quilos, e a família denuncia que corre risco de morrer.
Hong Kong deixou de ser modelo de liberdade de imprensa
“O grande salto para trás do jornalismo na China” também detalha a estratégia de Pequim para controlar o acesso à informação dentro e fora de suas fronteiras antes de apresentar apelos e recomendações às autoridades, governos, instituições, jornalistas e meios de comunicação chineses.
Tanto a Repórteres sem Fronteiras quanto as demais entidades de defesa do jornalismo – como a Federação Internacional de Jornalistas e o Centro de Proteção a Jornalistas – têm sido incisivas nas denúncias de violações, mas o governo chinês não parece se importar com críticas internacionais.
E mostra irritação com o que classifica como interferência. Há dois meses, um artigo de opinião assinado pelo editor do jornal estatal The Global Times tratou a RSF com violência, afirmando que seria necessário “um porrete para combater o cão selvagem“.
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“ Se a China continuar sua corrida frenética para trás, os cidadãos chineses podem perder a esperança de um dia ver a liberdade de imprensa estabelecida em seu país, e o regime de Pequim pode ter sucesso em impor seu antimodelo internamente e no exterior ”, disse o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire.
Ele cobra que as democracias “ identifiquem todas as estratégias adequadas para dissuadir o regime de Pequim de prosseguir as suas políticas repressivas e apoiar todos os cidadãos chineses que amam o seu país e desejam defender o direito à informação ”.
As democracias ocidentais têm mantido distância do problema. Em um encontro bilateral realizado em novembro, Ji Xinping e Joe Biden anunciaram um acordo para evitar expulsões de jornalistas e garantir vistos de trabalho nos dois países, mas casos como o da chinesa Zhang Zhan não foram abordados, pelo menos publicamente.
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A repressão fez com que duas plataformas digitais deixassem o país recentemente. Primeiro foi o LinkedIn, e em seguida o Yahoo. As demais plataformas globais já não estavam operando no país.
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Os 10 pontos principais da supressão da liberdade de imprensa na China
Na apresentação do relatório (cuja íntegra em inglês pode ser vista aqui), a RSF destaca dez casos que considera os mais graves no país, incluindo o uso de embaixadas no exterior como ferramenta para atacar a liberdade de informação:
Jornalistas obrigados a serem “porta-vozes” do Partido
Para receber e renovar seus cartões de imprensa, os jornalistas em breve terão que passar por um treinamento anual de 90 horas, parcialmente focado no “Pensamento” de Xi Jinping. Os jornalistas já precisam fazer o download do aplicativo de propaganda Study Xi, Strengthen the Country, que pode coletar seus dados pessoais.
O maior cárcere de jornalistas do mundo
Atualmente, pelo menos 127 jornalistas (profissionais e não profissionais) estão detidos pelo regime. O simples ato de apurar um tópico “delicado” ou publicar informações censuradas pode resultar em anos de detenção em prisões insalubres, onde os maus-tratos podem levar à morte.
Correspondentes estrangeiros indesejáveis
A intimidação chinesa de repórteres estrangeiros, com base em vigilância e chantagem de vistos, obrigou 18 deles a deixar o país em 2020.
Gui Minhai , Yang Hengjun e Cheng Lei, três jornalistas estrangeiros de ascendência chinesa, estão detidos sob acusação de espionagem.
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Covid-19 como uma desculpa para o aumento da repressão
Pelo menos dez jornalistas e comentaristas online foram presos em 2020 pelo simples ato de informar o público sobre a crise da Covid-19 em Wuhan. Até o momento, dois deles, Zhang Zhan e Fang Bin, ainda estão detidos.
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Bloqueio de mídia em Xinjiang
Desde 2016, em nome da “luta contra o terrorismo”, o regime de Pequim conduz uma violenta campanha contra os uigures. Setenta e um jornalistas uigures estão atualmente detidos, representando mais da metade dos jornalistas presos na China.
Proliferação das “Linhas Vermelhas”
O número de tópicos “tabu” continua aumentando, diz a RFS. Não apenas aqueles normalmente considerados “sensíveis” – como Tibete, Taiwan ou corrupção – estão sujeitos sob risco de censura, mas também desastres naturais, o movimento #MeToo ou mesmo o reconhecimento de profissionais de saúde durante a crise Covid-19.
Jornalistas de Hong Kong ameaçados pela Lei de Segurança Nacional
Deliberadamente vaga, segundo o relatório da entidade, a Lei de Segurança Nacional, imposta no ano passado em Hong Kong pela China, serviu desde então como pretexto para a repressão de pelo menos 12 jornalistas e defensores da liberdade de imprensa, incluindo o fundador do Apple Daily , Jimmy Lai , com risco de prisão perpétua.
Carrie Lam como uma marionete do regime de Pequim
Para agradar ao regime chinês, Carrie Lam, presidente-executiva de Hong Kong, fechou à força a última grande mídia independente, o Apple Daily , e está censurando fazer o mesmo com o grupo de mídia pública RTHK (Rádio Televisão de Hong Kong), critica a RSF.
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CGTN continua a espalhar propaganda em todo o mundo
O grupo audiovisual estatal chinês CGTN continua a transmitir propaganda do regime em todo o mundo, apesar de ter perdido sua licença no Reino Unido em 2021 depois de transmitir várias autoconfissões, incluindo as do editor Gui Minhai e do ex-jornalista Peter Humphrey.
Embaixadas usadas como ferramenta contra a liberdade de informação
As missões diplomáticas chinesas também são uma fonte de pressão contra a liberdade de informação nas democracias. “Infame por suas diatribes contra a mídia, o embaixador da China em Paris, Lu Shaye, é um reincidente que regularmente insulta e ataca jornalistas independentes”, diz a RSF.