Londres – A censura na Rússia e a perseguição às plataformas de mídia digital avançaram algumas casas nos feriados de Natal, com a aplicação de multas gigantes a Big Techs americanas e bloqueio do site de uma ONG de direitos humanos sem aviso prévio. 

Um tribunal de Moscou aplicou na sexta-feira (24/12) uma multa equivalente a US$ 98 milhões (RS$ 550 milhões) ao Google e outra de US$ 27 milhões (R$ 152 milhões) à Meta, controladora do Facebook, por não excluírem conteúdo proibido pela lei local. 

No dia seguinte, a organização não-governamental OVD-Info, que monitora prisões políticas e fornece ajuda legal a vítimas, teve seu site suspenso e soube que as plataformas de mídia digital receberam do órgão fiscalizador de telecomunicações russo, o Roskomnadzor , um pedido de suspensão de suas contas em redes sociais. 

Censura na Rússia não arrefeceu depois de Nobel a jornalista 

Os novos passos do governo de Vladimir Putin no ano em que um jornalista do país foi um dos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz não surpreendem a quem acompanha a situação da liberdade de imprensa e de expressão no país. 

No dia em que Dmitry Muratov foi anunciado como vencedor do prêmio, que dividiu com a filipina Maria Ressa, o governo enquadrou mais jornalistas na Lei do Agente Estrangeiro, recurso utilizado para sufocar o jornalismo independente.

A Lei, de 2017, permite rotular publicações e jornalistas como agentes estrangeiros, e também obriga a imprensa independente a revelar em suas reportagens os financiadores do veículo. 

Diversas publicações fecharam com a fuga de investidores, temerosos pela exposição. Nem correspondentes estrangeiros escapam do cerco, e alguns tiveram que deixar o país. 

Além de perseguir a mídia crítica, Moscou empreende uma batalha contra as plataformas de mídias sociais, usadas pelos cidadãos e por adversários políticos para convocar protestos e criticar atos do governo. 

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(reprodução TV)

Mas há um sinal de agravamento na perseguição. Esta foi a primeira vez que um tribunal russo calculou uma multa com base na receita da empresa, resultando em punições financeiras bem maiores do que as que já tinham sido aplicadas anteriormente às duas empresas e também ao Twitter. 

Em julho, uma nova lei determinou que Google, Facebook e Twitter, entre outros grandes sites de e-commerce e varejo, abrissem escritório com representantes no país. 

O governo anunciou multa de US$ 166 mil (R$ 863 mil) para o Google, baixa comparada ao poder econômico do império digital. Para Facebook e Twitter a pena foi estipulada em cerca de R$ 560 mil cada.

Desta vez os valores são bem mais assustadores mesmo para as gigantes tecnológicas. 

Autoridades afirmam que Google e Meta não atenderam a um pedido judicial de remover mais de 2 mil postagens, nem aceitaram a exigência de armazenar os dados pessoais dos cidadãos em servidores na Rússia. 

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O Tribunal Distrital de Tagansky decidiu que o Google repetidamente negligenciou a remoção do conteúdo banido e ordenou que a empresa pagasse a multa administrativa. 

O Google disse que estudaria os documentos do tribunal antes de decidir sobre os próximos passos.

No mesmo dia, o tribunal também aplicou uma multa administrativa à Meta por não ter removido conteúdo considerado ilegal. 

Os conteúdos não foram apontados. O comunicado da Justiça de Moscou limitou-se a relatar que as Big Techs receberam a pena por reincidência em não eliminarem conteúdos ilegais segundo as leis do país. 

A agência reguladora Roskomnadzor disse que os conteúdos proibidos alimentam o “ódio religioso”, fornecem informação “pouco confiável”, ou perigosa para os menores, ou apoiam “organizações terroristas, ou extremistas”.

ONG de direitos humanos não foi avisadas sobre bloqueio de site

Ao mesmo tempo em que mira nas gigantes americanas, a censura na Rússia também se volta contra entidades de direitos humanos. O bloqueio ao site da OVD-Info foi feito com base em um alterações à lei de informática e informação aprovada na Duma (Assembleia Nacional) no dia 22 de dezembro. 

Pelo novo dispositivo, o Ministério Público pode solicitar autonomamente ao Roskomnadzor o bloqueio de sites.

Segundo a ONG, foi o que aconteceu. O bloqueio foi justificado como proteção contra terrorismo e extremismo.

Em nota publicada nas redes sociais na manhã do dia 25, a organização disse: 

“No sábado de manhã, descobrimos que nosso site ovdinfo.org foi bloqueado. Parece que foi bloqueado pelo Roskomnadzor na sequência da decisão do juiz distrital Luchovitsky na região de Moscou.

Não sabemos os motivos. Não recebemos nenhuma notificação oficial da inspeção do Ministério Público ou demandas para remover qualquer conteúdo ilegal, nem recebemos informações sobre a sessão judicial ou o bloqueio do site.

Consideramos esse bloqueio secreto um ato de censura estatal destinado a interromper nosso trabalho. Não reconhecemos a censura e continuaremos o trabalho do projeto.

A OVD-Info pediu que os apoiadores continuassem acompanhando as notícias nas contas de mídia sociais, que acabaram não sendo fechadas. 

A OVD-Info tem quase 100 mil assinantes no Telegram, 80 mil no Instagram e 60 mil no Twitter. 

OVD-Info contorna censura na Rússia informando sobre prisões 

O trabalho da organização ganhou destaque por seu rastreamento meticuloso e contagem de prisões em protestos de rua na Rússia. Os ativistas começaram a prática durante protestos em massa desencadeados pela eleição parlamentar russa de 2011, marcada por vários relatos de fraude eleitoral.

Os dados levantados pela ONG têm sido vitais para os meios de comunicação, já que as autoridades russas mantém silêncio ou minimizam a escala de prisões em massa em protestos e manifestações.

A OVD-Info também opera como um grupo de assistência jurídica para manifestantes detidos em delegacias de polícia e tribunais. Em setembro, uma organização internacional de direitos humanos com sede na Suécia concedeu ao OVD-Info o prêmio de Defensor dos Direitos Civis do Ano.

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O projeto evoluiu na última década, abrindo uma linha direta e ativando um serviço de consultoria jurídica via Telegram . A expansão do projeto exigiu um aumento de recursos, principalmente de crowfunding e de fundos europeus. 

Isso serviu como justificativa para que o Ministério da Justiça incluir, em setembro, a  OVD-Info na lista das associações públicas não registadas que desempenham a função de “agentes estrangeiros”, mesma classificação aplicada a jornalistas e veículos de imprensa independentes. 

Na nota publicada após o fechamento do site, a ONG afirmou que vai contestar a decisão judicialmente e fazer todo o possível para seguir fornecendo notícias e apoio jurídico.

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