Londres – Pressionado pela censura da China e ameaças ao jornalismo independente, mais um veículo de mídia de Hong Kong é levado a encerrar as operações, num ambiente de deterioração da liberdade de informar o público sem a influência do governo chinês.
Na noite de domingo (2/1), o jornal digital independente Citizen News anunciou nas redes sociais a decisão fechar nesta terça-feira (4/1), em consequência da drástica redução da liberdade de imprensa, com ameaças até a integridade física dos jornalistas.
Em seis meses, este é o terceiro veículo de oposição ao governo chinês a fechar as portas. Em um relatório publicado em dezembro, a organização Repórteres Sem Fronteiras destacou a deterioração do jornalismo livre de Hong Kong em um relatório intitulado ” O salto para trás da liberdade de imprensa na China”.
China censura a mídia pró-democracia
A decisão do Citizen News aconteceu uma semana após uma operação policial que prendeu sete funcionários do Stand News, acusados de sedição, a sublevação contra autoridades, crime previsto na legislação de segurança nacional implantada pelo governo chinês em Hong Kong, em 2020.
Entre os presos estão uma famosa cantora pop que foi membro do conselho do jornal, Denise Ho, e um dos editores que presidia a Associação de Jornalistas de Hong Kong.
Outra publicação pró-democracia, o jornal Apple Daily – conhecido por suas críticas ao governo chinês, em Hong Kong – também foi forçado a fechar em junho do ano passado, após uma pressão constante das autoridades sobre o jornal que funcionou de 1995 a 2021.
Seu proprietário, o famoso magnata da mídia Jimmy Lai, de 74 anos, cumpre pena por diversas condenações relacionadas aos protestos pró-democracia que tomaram conta de Hong Kong em 2019. Ele é um dos mais velhos jornalistas presos na atualidade.
O ex-editor do Apple Daily foi preso quando tentava embarcar para o Reino Unido.
Em uma entrevista coletiva na segunda-feira, a editora-chefe do Citizen News, Daisy Li, disse que o ambiente havia mudado e ela não sabia mais o que eram notícias “seguras”.
“Se não estou mais confiante o suficiente para orientar e liderar meus repórteres, devo ser responsável”, disse ela.
Na entrevista, Chris Yeung, fundador e redator-chefe do jornal, disse que não recebeu visitas de representantes do governo ou ameaças diretas, mas que o ambiente é inseguro. E que depois da operação no Stand News a decisão de fechar foi tomada.
“Aqueles que são vistos como críticos ou causadores de problemas, são mais vulneráveis”, afirmou Yeung, que é ex-presidente da Associação de Jornalistas de Hong Kong, no comando de uma redação que conta com cerca de 40 jornalistas.
A nova vítima da repressão chinesa
Fundado em 2017, o portal de notícias online Citizen News vinha se mantendo como uma das últimas publicações pró-democracia em língua inglesa em Hong Kong.
Numa postagem em sua página no Facebook na noite de 2/1, o veículo agradeceu aos leitores pelo apoio, anunciando “com pesar” que encerraria as operações a partir de 4 de janeiro para “garantir a segurança e o bem-estar de todos”.
“Lamentavelmente, o que estava à nossa frente [eram] não apenas chuvas torrenciais ou ventos fortes, mas furacões e tsunamis”, informou o comunicado.
“Infelizmente, não podemos mais nos esforçar para transformar nossas crenças em realidade sem medo por causa da mudança radical na sociedade nos últimos dois anos e da deterioração do ambiente da mídia.”, disse o comunicado, acrescentando:
“Infelizmente, as grandes mudanças em nossa sociedade nos últimos dois anos e a deterioração do ambiente da mídia tornaram impossível para nós realizarmos nossa missão sem preocupações.
“Com o coração pesado e perseverante, declaramos: Zhongxin (Citizen News) encerrará suas operações em 4 de janeiro de 2022 (terça-feira), o site não será mais atualizado e será fechado após um período de tempo.
Agradecemos sinceramente aos assinantes e leitores pelo apoio, e vamos lembrar do seu amor. A estrada que percorremos nos últimos cinco anos será nossas memórias mais queridas.
O Citizen News também se manifestou no Twitter, onde tem mais de 36 mil seguidores.”
We announced with a heavy heart that CitizenNews will cease operation starting from Jan 4 (Tue).
To our subscribers and readers, we sincerely thank you for your support. We shall always treasure this incredible journey in the past five years. pic.twitter.com/32nSlQFAZR— 眾新聞 CitizenNews (@hkcnews_com) January 2, 2022
Censura da China interrompe ciclo de prosperidade do setor
Os veículos fechados haviam conquistado público com o apoio aos protestos pró-democracia em Hong Kong e vinham registrando audiência crescente, agora interrompida pela onda de censura da China.
Os portais de notícias representavam uma pedra no sapato do governo chinês, que em 1997 recebeu Hong Kong da Grã-Bretanha.
A liberdade de imprensa em Hong Kong é garantida no acordo com a Grã-Bretanha, mas a indústria de mídia local garante que esse quesito está sendo flagrantemente violado pela lei de segurança nacional, decretada em 2020 como resposta de Pequim à luta pela democracia na ex-colônia britânica.
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O governo comandado por Pequim mudou o sistema eleitoral para garantir que apenas”patriotas” possam ser eleitos para cargos públicos e prendeu legisladores do campo pró-democracia.
Também introduziu determinações de segurança nacional no processo de censura de filmes.
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Repressão ao jornalismo afeta empregos
A censura da China à imprensa acaba afetando diretamente o mercado de trabalho para jornalistas da imprensa pró-democracia em Hong Kong.
O ex-professor assistente de jornalismo na Universidade Chinesa de Hong Kong, Lokman Tsui, disse que muitos de seus alunos agora estão desempregados.
“Para a cidade global que Hong Kong quer ser, é uma situação triste. Costumávamos ter uma imprensa realmente robusta em Hong Kong, e é difícil dizer que ela é gratuita e robusta neste momento.
Isso é parte integrante deste projeto maior. . . de desmantelar a crítica independente da imprensa em Hong Kong. [O governo] expulsou e pressionou todos os meios de comunicação críticos para que fechassem.”, afirmou o professor Tsui, em reportagem publicada pelo “Financial Times”.
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Em relação à liberdade de imprensa, Hong Kong ocupou em 2021 a posição 80 no ranking que reúne 180 países, feito pela organização Repórteres Sem Fronteiras. Mas a sequência de violações pode determinar queda no índice deste ano.
A RSF denuncia que a Lei de Segurança Nacional permite que o regime chinês intervenha diretamente em Hong Kong para sancionar arbitrariamente qualquer iniciativa considerada “crime contra o Estado”.
A legislação ameaça especialmente os jornalistas e os veículos de comunicação independentes. Os grandes veículos independentes, que resistem ao cerco do governo chinês, são o site de notícias em inglês Hong Kong Free Press e o inmediahk.net, em chinês.