Londres – Ao completar um ano de mandato e passar quase duas horas de pรฉ na quarta-feira (19/1) em uma entrevista coletiva sem o clima de guerra que marcava a interaรงรฃo de seu antecessor com a mรญdia, o presidente Joe Biden deu uma demonstraรงรฃo de que a paz voltou e que a liberdade de imprensa reina nos EUA.
Mas nem todos concordam que a civilidade na relaรงรฃo do presidente com os repรณrteres seja um sinal de que tudo estรก bem.
A organizaรงรฃo Repรณrteres Sem Fronteiras (RSF) aproveitou o aniversรกrio para fazer um duro manifesto expressando sรฉria preocupaรงรฃo com o que considera “um padrรฃo sem precedentes de violaรงรตes da Primeira Emenda da Constituiรงรฃo em meio a um clima de animosidade e agressรฃo” nos Estados Unidos.
Liberdade de imprensa nos EUA caiu sob Trump
Joe Biden nรฃo รฉ apontado como culpado pela situaรงรฃo, embora ele tenha sido criticado ao longo do รบltimo ano por dar poucas entrevistas coletivas.
A RSF reconhece que as condiรงรตes de liberdade de imprensa comeรงaram a declinar rapidamente durante o governo Trump, e nรฃo sob Biden.
No entanto, a organizaรงรฃo acha que o problema permanece apรณs a partida do ex-presidente que durante cinco anos tuitou uma vez e meia por dia contra veรญculos e jornalistas.
O manifesto pede que o o presidente Biden use seu segundo ano no cargo para tomar medidas concretas destinadas a restaurar o histรณrico de liberdade de imprensa nos EUA, “em deterioraรงรฃo drรกstica”.
E que reafirme o papel do paรญs como protetor do direito de informar e dos direitos humanos internacionalmente.
Christophe Deloire, secretรกrio-geral da RSF, disse:
โA garantia de que os jornalistas podem realizar seu trabalho com seguranรงa nos EUA โ antes vistos como um porto seguro para a imprensa โ estรก diminuindo lentamenteโ.
Segundo a organizaรงรฃo, mais de 50 profissionais de imprensa foram presos ou detidos por seu trabalho nos EUA em 2021 โ um nรบmero quase igual ao total de jornalistas presos em 2017, 2018 e 2019 combinados.
Os dados sรฃo do US Press Freedom Tracker.
Ameaรงas ร liberdade de imprensa por outros poderes
Agora, as ameaรงas e violaรงรตes nรฃo partem mais da Casa Branca, como na era Trump, marcada por violรชncia verbal. Mas se espalham por outros poderes.
Em dezembro, a fotรณgrafa Amy Harris entrou com uma aรงรฃo judicial para tentar impedir a operadora Verizon de entregar ร comissรฃo do Congresso americano que investiga a invasรฃo do Capitรณlio cรณpia de sua comunicaรงรฃo telefรดnica e de texto durante dois meses.
Ela fazia um trabalho profissional acompanhando os integrantes do grupo de extrema direita Proud Boys, e por isso entrou no alvo do legislativo dos EUA, correndo o risco de ter suas fontes reveladas e suas conversas expostas.
Membros do Proud Boys antes da invasรฃo do Capitรณlio
O New York Times ainda briga na justiรงa para reverter uma ordem judicial que o impediu de publicar matรฉrias sobre o grupo conservador Projeto Veritas com base em documentos obtidos de uma fonte.
Um juiz chegou a determinar que os documentos em posse do jornal fossem devolvidos e suas versรตes eletrรดnicas destruรญdas.
Em seu manifesto, a Repรณrteres Sem Fronteiras diz “esperar oportunidades de trabalhar com os poderes legislativo e executivo do governo federal dos EUA para melhorar as condiรงรตes de liberdade de imprensa no paรญs”.
E pede que a Casa Branca use seu segundo ano de mandato para trabalhar com o Congresso em medidas que garantam melhorias concretas na liberdade de imprensa.
Imprensa foi alvo da ira de manifestantes
A organizaรงรฃo fez um histรณrico do declรญnio da liberdade de imprensa nos EUA.
O ano de 2020, quarto do ex-presidente Trump no cargo, teve um nรบmero recorde de jornalistas presos, alรฉm de 856 outras agressรตes cometidas contra jornalistas.
E o fim do mandato culminou com a insurreiรงรฃo em Washington, na qual cinco pessoas foram mortas e o Capitรณlio depredado.
O conflito nรฃo deixou vรญtimas entre profissionais de mรญdia, mas causou estragos materiais e “institucionais”. Manifestantes danificaram dezenas de milhares de dรณlares em equipamentos de mรญdia de propriedade da Associated Press, segundo a RSF.
A organizaรงรฃo lembra que eles quebraram cรขmeras enquanto gritavam โa CNN รฉ uma m*.
E gravaram as palavras โMurder The Mediaโ nas portas do Capitรณlio, em uma demonstraรงรฃo da animosidade dos grupos que seguem Donald Trump em relaรงรฃo ร imprensa, insuflados por mais de cinco anos pelo polรญtico.
Liberdade de imprensa em casa e no mundo
A Repรณrteres Sem Fronteiras elogiou algumas iniciativas do presidente Biden, como a sinalizaรงรฃo do desejo de que seu governo iria fazer os EUA “recuperarem seu status global de farol de liberdade de expressรฃo”.
Logo depois da posse, o governo Biden restabeleceu as coletivas de imprensa regulares da Casa Branca e das agรชncias federais.
“Autoridades anteriormente silenciadas foram capazes de comunicar informaรงรตes precisas sobre a pandemia ao pรบblico americano”, reconheceu a entidade.
O manifesto recordou a fala do presidente Biden durante seu primeiro grande discurso de polรญtica externa no Departamento de Estado dos EUA:
โUma imprensa livre รฉ essencial para a saรบde da democraciaโ
No entanto, o que a entidade diz esperar mais do que palavras:
“Apesar desses esforรงos bem-vindos, muitos dos problemas subjacentes e crรดnicos que afetam os jornalistas โ do desaparecimento de veรญculos locais ร polarizaรงรฃo sistรชmica da mรญdia, passando pelo enfraquecimento do jornalismo e da democracia por plataformas digitais e redes sociais โ permanecem em grande parte nรฃo abordados pela Casa Branca e pelo Congresso.”
Caso Julian Assange destacado
O caso de Julian Assange foi destacado no manifesto, com um apelo para que os EUA revejam sua posiรงรฃo:
“Enquanto o editor do Wilileaks, Julian Assangeenfrenta uma possรญvel prisรฃo perpรฉtua por publicar informaรงรตes de interesse pรบblico, a RSF continua pedindo ao Departamento de Justiรงa de Biden que encerre o caso de mais de uma dรฉcada contra o editor do Wikileaks de uma vez por todas, de acordo com seu compromisso declarado de proteger a liberdade de imprensa.”
Assange estรก hรก mais de dois anos preso em uma penitenciรกria de seguranรงa mรกxima em Londres, aguardando a tramitaรงรฃo do processo de extradiรงรฃo movido pelos EUA.
Em dezembro, a justiรงa britรขnica aceitou os argumentos do Departamento de Estado e revogou a proibiรงรฃo de extraditรก-lo concedida nos primeiros dias de 2021.
A defesa, liderada por sua companheira, Stella Moris, ainda tenta recorrer e anunciou intenรงรฃo de apelar a uma Corte europeia.
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