Londres – Aos 95 anos, a rainha Elizabeth II está demonstrando em seu Jubileu de Platina que acomodação é uma palavra que não faz parte de seu vocabulário.
No início das comemorações pelos 70 anos no trono, no domingo (6), a monarca protagonizou mais um espetáculo de relações públicas, aproveitando para fortalecer a imagem da monarquia e neutralizar a crise causada pelas encrencas do filho Andrew, que responde a um processo de abuso sexualnos EUA.
Nesse roteiro bem orquestrado, recados foram transmitidos sutilmente, seguindo um modelo vitorioso adotado pela rainha Elizabeth há sete décadas. E que oferece lições sobre gestão de marcas para empresas ou celebridades.
Traduzindo: o que ela realmente quis avisar aos súditos é que Charles será o rei, e não o filho dele, William, em quem muitos apostavam como um sopro de modernidade na instituição. Mas podendo sussurrar, para que gritar? Elegância na comunicação é isso.
Traduzindo: o que Elizabeth II quis anunciar é que não vai abdicar nem reduzir a participação em atividades oficiais, como fez recentemente por recomendação médica, gerando rumores de que seria para sempre.
Assim funciona a “Firma”, como é apelidada a família real britânica, que tem na rainha sua melhor agência de propaganda, como disse o publicitário Washington Olivetto.
A metáfora empresarial para se referir à monarca e à família real não é exagero.
A riqueza financeira e o capital de reputação da monarquia inglesa foram quantificados pela consultoria britânica Brand Finance, empregando a mesma metodologia usada para atribuir valor de marcas comerciais globais.
Royal Family: a marca mais valiosa do país
Em 2017, ano da última medição, a marca valia £67,5 bilhões (cerca de R$ 480 bilhões), incluindo ativos, como joias e imóveis.
Sem contar esses ativos, o valor seria de £42 bilhões (aproximadamente R$299 bilhões).
Ela se consagrou como a marca mais valiosa da Grã-Bretanha na época, batendo a da Shell. E ficou entre as dez de maior valor do mundo.
David Haigh, CEO Brand Finance (divulgação)
Em conversa na semana passada com David Haigh, CEO da Brand Finance, falamos sobre os ativos que a fazem tão admirada, sentimento que se estende à instituição que representa.
Ele acha que o engajamento em causas relevantes para a sociedade em nível global, que começou com o príncipe Philip, é um dos fatores.
A família real britânica começou a fazer isso bem antes de conceitos como responsabilidade social corporativa e ESG entrarem na lista de prioridades das empresas e de figuras públicas como artistas e atletas.
O príncipe Charles é um ambientalista histórico. Embora nem todos concordem com as suas posições, ele fala de proteção à natureza há várias décadas, quando isso ainda não era visto com a importância de hoje.
Coerência, a marca de Elizabeth II
Outro ativo apontado por Haigh é a coerência de Elizabeth II com princípios morais.
“Há respeito pela postura de honestidade, decência e discrição.”
Haigh salientou ainda a sabedoria da rainha em ficar longe de questões controversas, embora tenha opiniões fortes.
“É uma mulher sensata, embora alguns possam achá-la sem graça”.
Essa é outra prática consagrada para proteger a imagem das empresas. Declarações desastradas de executivos são associadas à corporação, e já causaram danos de grandes proporções, impactando negócios e valor de ações.
Para famosos, pode custar contratos e perda de fãs. Terceira mulher mais admirada do mundo em 2021 (atrás apenas de Michele Obama e Angelina Jolie, segundo o instituto de pesquisas YouGov), a rainha Elizabeth é um modelo no que diz respeito a não falar bobagens que possam virar crise.
Para azar da rainha e da instituição monarquia, a boa prática não foi seguida por todos os familiares, o que deve tê-la incomodado. Mas não afetou sua imagem.
Perguntado sobre lições de Elizabeth II em seu Jubileu para marcas e companhias, o CEO ressaltou a consistência e a excelência na execução da “atividade-fim”.
“A forma como realizam eventos − casamentos, funerais, abertura do Parlamento − é exemplar, virou referência mundial”.
Haigh comparou a marca Royal Family à Apple, “um fabricante de alto nível, honesto, ético, focado nos detalhes, com alto controle de qualidade”.
“Se a Apple produzir um telefone ruim, isso vai afetar a sua reputação − e o mesmo acontece com a família real sob o comando de Elizabeth II”.
Haigh acha que a melhor lição da “Firma” para empresas é executar sua missão da melhor forma possível, com qualidade e consistência nos valores.
No Jubileu, apostas para o futuro depois da rainha Elizabeth
Falando sobre o futuro, o CEO da Brand Finance manifestou dúvidas sobre se esse capital positivo será transferido ao herdeiro do trono.
Uma das razões é o fato de Charles expressar opiniões sobre temas sensíveis e manter conversas diretas com políticos e empresários, o que o deixa mais exposto.
Uma dessas interações abriu uma crise de imagem em 2021. O futuro rei teve que demitir seu principal auxiliar na fundação beneficente que organiza suas obras sociais depois de uma denúncia de doações em troca de uma comenda real.
A história foi bem aproveitada pelos grupos antimonarquia, que pregam o fim do modelo atual após a morte da Rainha Elizabeth II.
Haigh também considera que o futuro rei perde ao assumir o trono mais velho, ao passo que a mãe o fez aos 25 anos, com um marido bonito e duas crianças encantadoras, imagem de família jovem parecida com a de William e Kate.
Outro dos valores que o CEO da Brand Finance destaca como elemento importante na imagem da Rainha Elizabeth e que pode inspirar as corporações e celebridades expostas publicamente é a lealdade.
Sob essa ótica, aproveitar as comemorações do Jubileu para confirmar que não vai mandar Charles para escanteio a fim de dar a vez ao jovem William, como muitos defendiam, foi uma demonstração de lealdade que deve somar mais pontos na cotação real.
Jornalista baseada em Londres, é co-fundadora e Editora-chefe do MediaTalks. É também colunista de mídia e comunicação no J&Cia/Portal dos Jornalistas. Faz parte da FPA London (Foreign Press Association).