Londres – A Rússia, que poderia ter ficado orgulhosa de ter visto um de seus jornalistas agraciados com o prêmio Nobel da Paz é justamente a que está adotando uma lei de censura que pode punir com até 15 anos de prisão jornalistas que escreverem verdades incômodas sobre uma guerra que a colocou como inimiga de boa parte do mundo
O parlamento nacional da Rússia, a Duma, deve aprovar nesta sexta-feira a lei que tornará um ato criminoso chamar a guerra na Ucrânia de guerra e permitirá a prisão dos que veicularem “notícias falsas” sobre as operações militares no país vizinho.
“Notícias falsas” são descritas como qualquer coisa não aprovada oficialmente por Moscou.
Censura à imprensa na Rússia começou antes da guerra
O prêmio Nobel da Paz concedido ao jornalista russo Dmitry Muratov (junto com a também jornalista filipina Maria Ressa) não mudou em nada a conduta o governo de Vladmir Putin em relação à imprensa – e a guerra com a Ucrânia só fez piorar a situação.
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A mídia independente e jornalistas estrangeiros já vinham sendo sufocados na Rússia com base na “lei do agente estrangeiro”, instrumento para impedir a circulação de notícias que desafiem políticas e atos do regime de Putin.
Logo que o conflito com a Ucrânia começou, a Roskomnadzor, que regula a mídia na Rússia, emitiu diretrizes rígidas sobre a cobertura sobre o país vizinho e sobre a ação das forças armadas russas. O órgão ordenou que a mídia de todo o país publique apenas informações fornecidas por fontes oficiais.
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Entre as proibições estão a de qualificar os ataques à Ucrânia como “invasão” ou “guerra”. A ação deve ser chamada de “operação militar especial”.
A nova lei aprovada em primeira instância no Parlamento russo tem o potencial de silenciar os poucos que ainda se atrevem a tentar noticiar com algum grau de independência. Nos últimos dias, a quantidade deles foi ainda mais reduzida por pressão do órgão regulador.
Em 3 de março, a estação de rádio Ekho Moskvy, com sede em Moscou, que transmitia desde 1990, informou que estava fechando.No mesmo dia, o popular canal de televisão russo Dozhd também suspendeu suas operações em meio a pressões ligadas à sua cobertura.
A CEO da Dozhd, Natalya Sindeyeva, anunciou a decisão ao vivo no ar, dizendo que tomou a medida drástica após uma reunião com os membros da equipe.
Um dia antes, o editor-chefe do Dozhd, Tikhon Dzyadko, relatou via no Telegram que ele e vários outros jornalistas do Dozhd haviam deixado a Rússia por medo de sua segurança, depois das seguidas ameaças e atos de censura.
Em 1º de março, a Roskomnadzor havia exigido que a TV2 removesse material sobre o que está acontecendo na Ucrânia. A direção do site disse ter cumprido a exigência e encaminhado uma notificação ao departamento.
Medo da censura na Rússia faz leitores evitarem mídia independente
Segundo reportagem do jornal Novaya Gazeta, do qual o Nobel Dmitry Muratov é editor, muitos usuários da internet na Rússia passaram a sentir medo de visitar sites de publicações independentes como Meduza, BBC Russian Service e Radio Liberty.
A condenação à censura oficial vem de todos os lados. O Departamento de Estado dos EUA acusou Moscou de montar “um ataque total à liberdade de imprensa e à verdade”, dizendo que as autoridades estão tentando “enganar e suprimir” informações sobre a invasão russa na Ucrânia.
A Rússia também bloqueou o acesso ao Twitter e ao Facebook, a várias grandes lojas de aplicativos e às principais organizações de notícias ocidentais, incluindo a britânica BBC e a alemã Deutsche Welle.
Enquanto isso, a RT (Russia Television), emissora estatal, foi banida em várias regiões e países. Contudo,especialistas apontam que a propaganda russa é feita não só pelos veículos oficiais, mas também por meio de operações bem articuladas, algumas envolvendo até grandes organizações de mídia globais.