O Parlamento da Rússia aprovou nesta sexta-feira (4) uma lei que impõe pena de prisão de até 15 anos para quem divulgar intencionalmente “informações falsas” sobre as ações russas na guerra contra a Ucrânia.
No entanto, um monitoramento feito pela organização americana NewsGuard identificou que é a Rússia quem espalha, há meses, desinformação online sobre a Ucrânia para justificar a guerra iniciada em 24 de fevereiro.
Vale lembrar que o Kremlin não chama a invasão ao território vizinho de guerra, mas sim de “operação especial”. Segundo os russos, inimigos como os Estados Unidos e aliados deles na Europa espalham fake news para “semear discórdia entre o povo russo” e colocá-lo contra o governo de Vladimir Putin.
NewsGuard descobre 116 sites que fazem fake news sobre guerra na Ucrânia
A NewsGuard monitora a confiabilidade de sites de notícias e rastreia como a desinformação se espalha na web.
A equipe da plataforma é formada por jornalistas que pesquisam publicações de grandes e pequenos veículos de mídia na internet para ajudar o público a identificar quais são confiáveis.
No monitoramento sobre a Rússia, a NewsGuard constatou que a mídia estatal do país está se juntando a sites menos conhecidos na divulgação de narrativas enganosas.
A análise resultou na lista dos 10 principais “mitos da guerra” espalhados pela Rússia para difamar a Ucrânia, incluindo a legitimidade para o referendo de 2014 sobre a adesão da Crimeia pelo Kremlin.
A NewsGuard identificou 116 domínios da web, incluindo fontes da mídia estatal russa, como RT, Sputnik e Tass, que espalham deliberadamente fake news sobre a Ucrânia.
E alertou que sites sem relação direta com o governo russo também estão divulgando conteúdo falso nas redes sociais.
“A Rússia emprega uma estratégia multifacetada para introduzir, amplificar e difundir narrativas falsas e distorcidas em todo o mundo – contando com uma mistura de fontes oficiais da mídia estatal, sites e contas anônimas e outros métodos para distribuir propaganda que promova os interesses do Kremlin e prejudique os dos adversários.”
“Seus sites financiados e operados pelo governo usam plataformas digitais como YouTube, Facebook, Twitter e TikTok para lançar e promover narrativas falsas.”
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Sites anônimos, fundações e plataformas de pesquisa com financiamento indeterminado também promovem desinformação à favor da Rússia, diz a NewsGuard.
As principais plataformas de mídia social disseram que estão em alerta por desinformação ligada à invasão russa.
A proprietária do Facebook e Instagram, Meta, lançou um “centro de operações especiais” para monitorar o conteúdo relacionado ao conflito, enquanto o Twitter disse que suspendeu mais de uma dúzia de contas originárias da Rússia.
O YouTube e o TikTok também disseram que estão monitorando de perto o conteúdo relacionado à guerra na Ucrânia.
Os 10 ‘mitos da guerra’ na Ucrânia espalhados pela Rússia
Veja abaixo quais são os 10 principais “mitos da guerra” na Ucrânia espalhados intencionalmente pela mídia russa ou sites relacionados ao Kremlin.
1) “Residentes de língua russa na região de Donbas, na Ucrânia, foram submetidos a genocídio”
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa não encontrou nenhuma evidência de genocídio em Donbas, a região leste da Ucrânia parcialmente ocupada por separatistas apoiados pela Rússia desde 2014.
2) “Sabotadores de língua polonesa tentaram bombardear uma fábrica de cloro em Donbas”
O vídeo do “ataque”, para o qual não há provas, foi gravado dias antes de supostamente ter ocorrido. Há também evidências de que as imagens foram manipuladas.
3) “As forças ucranianas bombardearam um jardim de infância em Luhansk, leste da Ucrânia, em 17 de fevereiro de 2022”
Sites de notícias russos alegaram que o exército ucraniano bombardeou um jardim de infância na vila Novaya Kondrashovka, que eles disseram estar localizada na república de Lugansk, controlada pelos separatistas russos. Na verdade, tanto a localização do jardim de infância quanto as evidências do local indicam que o bombardeio veio do sul, onde estão as linhas de frente separatistas russas.
4) “A Rússia não teve como alvo civis ucranianos no início da invasão”
Um dia após a invasão, a Anistia Internacional documentou pelo menos três ataques militares russos a áreas civis na Ucrânia. Mais de uma semana depois do início da guerra, centenas de relatos, fotos e vídeos de civis atingidos por bombardeios russos são facilmente encontrados em veículos de informação confiáveis.
5) “O nazismo é desenfreado na política e na sociedade ucraniana, apoiado pelas autoridades em Kiev”
Grupos radicais de extrema-direita existem na Ucrânia e, de acordo com um relatório da Freedom House de 2018, eles representam uma “ameaça ao desenvolvimento democrático” do país. No entanto, o candidato do partido nacionalista de extrema-direita, Svoboda, obteve 1,6% dos votos nas eleições presidenciais de 2019.
6) “O Ocidente deu um golpe para derrubar o governo ucraniano pró-Rússia em 2014”
Não há evidências que sustentem a teoria de que a revolução Maidan de 2014 na Ucrânia foi um golpe orquestrado por países ocidentais.
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7) “Os EUA têm uma rede de laboratórios de armas biológicas na Europa Oriental”
As alegações são baseadas em uma deturpação do Programa de Redução de Ameaças Biológicas do Departamento de Defesa dos EUA, que colabora com países parceiros para reduzir a ameaça de surtos de doenças infecciosas perigosas.
8) “A Otan tem uma base militar em Odesa, no sul da Ucrânia”
Bases militares estrangeiras não são permitidas na Ucrânia, conforme previsto na Constituição. Além disso, o mapa interativo da OTAN, que mostra onde estão localizados os sistemas de vigilância e os centros de treinamento da aliança, não mostra nenhuma base, centro ou qualquer outra instalação militar na Ucrânia.
9) “A Crimeia se juntou à Rússia legalmente”
A Assembleia da ONU declarou que o referendo de 2014 que apoiou a adesão da Crimeia à Rússia era ilegítimo. Por isso, a maioria dos países não reconhece a região como parte da Rússia.
10) “A Ucrânia moderna foi inteiramente criada pela Rússia comunista”
É verdade que a Rússia e a Ucrânia de hoje, ambos ex-estados soviéticos, compartilham longos períodos de história. No entanto, as regiões passaram muito mais tempo separadas do que juntas. A herança compartilhada da Rússia e da Ucrânia remonta a mais de mil anos.
Rússia ‘sequestrou’ seções de leitores na mídia ocidental
Em outra frente da “guerra digital” para espalhar desinformação sobre a Ucrânia, um estudo da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, constatou o que o espaço de comentários de leitores em sites de grandes jornais internacionais tornou-se alvo de “uma grande operação de influência destinada a manipular sistematicamente a mídia ocidental e espalhar propaganda e desinformação que apoie os interesses do Kremlin”.
O trabalho foi feito por integrantes do Instituto de Pesquisa sobre Crime e Segurança da universidade britânica. Eles encontraram evidências de que 32 meios de comunicação de grande audiência em 16 países – incluindo no Brasil – tornaram-se alvos dessa ação.
Entre os veículos em que essa estratégia vem sendo utilizada estão Folha de S.Paulo no Brasil, The Daily Mail; Daily Express e The Times no Reino Unido; Fox News e Washington Post nos EUA; Le Figaro na França; Der Spiegel e Die Welt na Alemanha e La Stampa na Itália.
Os pesquisadores identificaram 242 reportagens em que declarações provocativas pró-russas ou antiocidentais foram postadas em reação a reportagens sobre a Rússia. Dessa forma, eles influenciam os leitores dos sites alvo da operação.
Além disso, os comentários são utilizados por meios de comunicação de língua russa como base para matérias sobre eventos politicamente controversos.