Dois jornalistas e um consultor jurídico do canal ToloNews, um dos poucos veículos de mídia independentes que continua a funcionar no Afeganistão, foram presos por oficiais do Talibã e liberados depois de interrogados. Um deles ficou sob custódia por quase 24 horas.
De acordo com o Moby Group, empresa de mídia proprietária da Tolo TV, as detenções foram uma resposta à cobertura da emissora sobre a proibição do Talibã de que séries dramáticas estrangeiras sejam exibidas no país.
O grupo fundamentalista islâmico voltou ao poder do país no ano passado e, desde então, são crescentes os ataques à imprensa e aos profissionais de mídia contrários ao regime.
Jornalistas são presos por noticiarem proibição de séries estrangeiras
Três meses depois da tomada do poder pelo grupo extremista Talibã, os líderes do país anunciaram um pacote de regras para o setor audiovisual, com restrições severas para as mulheres e para conteúdo estrangeiro.
Elas foram proibidas de aparecer em programas ficcionais (como novelas) ou de entretenimento. E as apresentadoras de noticiários ficam obrigadas a cobrir a cabeça com o hijab (véu islâmico).
As novas regras proibiram também a exibição de conteúdo que questione a leis islâmicas e os valores afegões, assim como filmes nacionais ou internacionais que promovam cultura e valores estrangeiros.
Leia mais
Mulheres são banidas da TV afegã em pacote de regras religiosas do Talibã para setor audiovisual
Apesar das restrições ao jornalismo, a emissora, que também tem um portal de notícias, continuou reportando notícias em tom crítico ao governo afegão, mostrando os problemas no país após a tomada do poder pelo Talibã e denunciando práticas abusivas do grupo extremista.
Uma delas foi a crítica à proibição de conteúdo estrangeiro.
Segundo a Associação de Jornalistas Independentes do Afeganistão (AIJA), por volta das 20h do dia 17 de março, o apresentador Bahram Aman, o diretor do TOLONews, Khpulwak Sapai, e o gerente jurídico do canal, Nafi Khaleeq, foram presos pelas forças de segurança do Talibã dentro da sede do TOLONews, em Cabul, antes de serem transferidos para um local desconhecido.
O ex-diretor da emissora, Lotfullah Najafizada, disse que Sapai e Khaleeq foram libertados horas depois de serem detidos e interrogados por militantes do Talibã.
Aman foi preso durante a noite e liberado somente na tarde de 18 de março, após 21 horas sob custódia.
“Depois de quase 24 horas, fui libertado da prisão. Eu sempre serei a voz do povo”, disse Aman em um post no Facebook após sair da cadeia.
Sapai, diretor do veículo, disse que a emissora como meio de comunicação não quer desobedecer ao governo, e sim divulgar notícias para a população
“Como meio de comunicação, nossas atividades nunca desobedeceram ao governo, mas atuaram como uma ponte entre o governo e o povo.”
“Nosso trabalho é comunicar informação para as pessoas. Como tal, nossa sugestão sempre foi que qualquer assunto relacionado à mídia ou TOLOnews seja compartilhado conosco através do Ministério da Informação e Cultura”, afirmou.
Leia também
Emissora desafia Talibã com notícias sobre repressão à imprensa
As prisões dos funcionários do TOLONews podem representar o fim da tolerância que o Talibã estava tendo com o veículo até então.
Apesar do grupo fundamentalista estar no poder há mais de seis meses, a emissora continuou reportando assuntos considerados delicados para o país, como o crescimento da fome e protestos contra os extremistas realizados pela população afegã.
No portal online do veículo de comunicação, há uma seção dedicada somente aos ataques à mídia e jornalistas — tanto do mundo quanto do próprio Afeganistão.
Quando o apresentador Bahram Aman foi libertado pelo Talibã, o TOLONews reportou o caso e citou diversas manifestações de entidades internacionais que condenavam a censura do país.
As prisões dos jornalistas e do consultor jurídico da TOLONews são as mais recentes de uma série de ataques à mídia do Afeganistão. De acordo com a AIJA, 40 jornalistas foram temporariamente detidos desde o início do regime do Talibã em meados de agosto de 2021.
Em 31 de janeiro, militantes do grupo extremista prenderam os jornalistas Aslam Hijab e Waris Hasrat, da rede Ariana News.
Em 15 de janeiro, o Talibã atacou o jornalista Jaki Qais. E em 10 de janeiro, o jornalista afegão Noor Mohammad Hashemi, vice-diretor da Salam Afghanistan Media Organisation, foi baleado por três homens não identificados.
A prisão dos funcionários da TOLOnews provocou reações dentro e fora do país.
Hujatullah Mujadidi, diretor executivo da AIJA, condenou as prisões e disse que a única maneira de impedir a detenção ilegal de jornalistas e trabalhadores da mídia é fazer cumprir a lei de mídia do Afeganistão e estabelecer uma comissão para investigar as violações da mídia.
“A detenção de um jornalista por qualquer motivo não é justificável. Sempre que as autoridades do sistema não estiverem comprometidas em acabar com essa situação e não impedirem essas ações ilegais, o processo de liberdade de expressão será severamente prejudicado e apresentará uma imagem dura e ruim do Afeganistão para a comunidade internacional.”
Leia também
Blogueira de gastronomia que vive na França é um dos primeiros alvos da lei de fake news da Rússia
A Federação Internacional de Jornalistas também condenou a detenção dos jornalistas e disse que elas representam “mais uma evidência do silenciamento do Talibã de reportagens críticas e flagrante desrespeito à liberdade de imprensa.”
“A FIJ insta o Talibã a permitir que a mídia do Afeganistão funcione de forma independente e cesse imediatamente a detenção injustificada de jornalistas e trabalhadores da mídia”.
Em publicação no Twitter, o departamento de inteligência do Talibã falou sobre a prisão de funcionários do Moby Group.
“Alguns meios de comunicação estavam transmitindo conteúdo que prejudica os sentimentos religiosos de nossa sociedade e ameaça nossa segurança nacional.”
“O Emirado Islâmico (Talibã) está comprometido com a liberdade de expressão, mas não permitirá que ninguém pise nos valores sagrados do Islã sob nomes diferentes e ameace o conforto psicológico das pessoas ou a segurança nacional de nosso país.”
Leia também
Em seis meses sob o Talibã, imprensa afegã vive “quadro catastrófico”, diz Federação de Jornalistas