Os pais do fotógrafo indiano Danish Siddiqui, vencedor do Prêmio Pulitzer, abriram um processo no Tribunal Penal Internacional de Haia contra seis membros do Talibã pela morte do filho, que foi torturado, assassinado e teve o corpo mutilado em 2021.
O fotógrafo de 38 anos da agência de notícias Reuters foi morto em julho do ano passado após uma emboscada do Talibã durante a cobertura da retirada das tropas norte-americanas no Afeganistão — a apenas algumas semanas da queda do governo do país.
Na época, a morte de Siddiqui foi reportada como acidental, apesar de já existirem relatos da crescente violência contra a imprensa nacional e estrangeira praticada pelos membros do grupo fundamentalista islâmico.
Fotógrafo assassinado em ataque direto
Reportagem investigativa da Reuters descobriu que a morte do fotojornalista Danish Siddiqui, que chefiava a área de fotografia da agência de notícias na Índia, não foi por acaso.
O caso soma-se a outros resultantes de ataques diretos a profissionais de imprensa em reação ao seu trabalho.
Em 16 de julho de 2021, o fotógrafo acompanhava soldados afegãos durante uma missão fracassada de retomar a cidade Spin Boldak, considerada uma das mais importantes na fronteira com o Paquistão.
A derrota foi apontada pela agência de notícias como o marco inicial no colapso das forças armadas afegãs.
Nas semanas que se seguiram, o mundo assistiu perplexo o Talibã conquistar cidade após cidade no Afeganistão. A vitória final dos extremistas veio em meados de agosto, quando a capital Cabul foi tomada.
Leia também
Talibã prende jornalistas e diretor de TV independente que criticou veto a séries estrangeiras no Afeganistão
Os primeiros relatos indicaram que Siddiqui havia sido vítima de fogo cruzado enquanto tentava tirar fotos na fronteira.
No entanto, a Reuters descobriu que o fotógrafo havia sido ferido por estilhaços, mas ainda estava vivo quando foi levado para receber cuidados médicos em uma mesquita próxima.
Ainda não está claro o que aconteceu depois disso. Porém, um alto oficial do exército afegão relatou à agência de notícias que o fotógrafo foi assassinado pelo Talibã depois de ser abandonado no local junto com outros dois soldados do Afeganistão.
Na denúncia encaminhada ao Tribunal de Haia, os pais de Danish Siddiqui alegam que o Talibã o prendeu, torturou e o assassinou antes de mutilar seu corpo.
“Danish, nosso filho querido, foi assassinado pelo Talibã simplesmente por cumprir seus deveres como jornalista”, disse a mãe do fotográfo, Shahida Akhtar, em comunicado.
Talibã nega ter assassinado fotógrafo indiano
Autoridades indianas e de segurança afegãs também disseram à Reuters que o corpo de Siddiqui foi mutilado sob custódia do Talibã após sua morte.
Outros relatos da época citaram autoridades afegãs e indianas que disseram que o corpo de Siddiqui estava “severamente mutilado” quando foi entregue à Cruz Vermelha — embora as fotos iniciais mostrassem que ele estava ferido, mas intacto.
O Talibã, no entanto, negou o assassinato e afirma que o corpo já estava mutilado no momento em que o encontraram.
Os pais do fotógrafo refutam as alegações do grupo extremista.
“O Talibã atacou e matou Danish porque ele era jornalista e indiano. Isso é um crime internacional”, disse o advogado da família, Avi Singh.
“Depois de assasinado, ele teve seu corpo mutilado, sendo inclusive atropelado por um veículo pesado. O corpo tinha marcas de tortura brutal e 12 pontos de entrada e saída de balas”.
Leia também
Jornalista afegã que se vestia como menino para ir à escola é uma das Mulheres do Ano da revista Time
Fotógrafo assasinado pediu para ir ao Afeganistão
Baseado em Mumbai, Danish Siddiqui trabalhou para a agência Reuters por mais de uma década. Suas fotografias lhe renderam reconhecimento internacional.
Em 2018, o fotógrafo ganhou o Prêmio Pulitzer de fotografia de longa-metragem ao documentar a violência enfrentada pela minoria rohingya de Mianmar
Em um TED Talk de 2020, ele mostrou alguns de seus trabalhos e descreveu sua missão como fotojornalista.
“Meu papel é como um espelho e quero expor a verdade crua e fazer de vocês testemunhas disso”, disse ele. “Vocês podem desviar o olhar ou se levantarem e agirem pela mudança.”
Com o avanço do Talibã no Afeganistão, ele procurou os editores pedindo para ser enviado ao país para cobrir a retirada das tropas dos Estados Unidos. Siddiqui sabia que havia riscos, disseram colegas.
“Embora nosso filho não volte, nossa petição [no Tribunal de Haia] aliviará a dor na esperança de que algum dia a justiça seja feita”, disse o professor Akhtar Siddiqui, pai do fotógrafo.
Assassinado apenas algumas semanas antes da tomada de poder pelo grupo fundamentalista islâmico, o fotógrafo Siddiqui foi ao Afeganistão num momento em que jornalistas já eram ameaçados pelo Talibã.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 32 profissionais de imprensa foram mortos no Afeganistão entre 2018 e julho de 2021.
No ano passado, a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) já tinha contabilizado a perda de 14 jornalistas e quatro profissionais de apoio no país antes da queda do governo oficial.
Outras entidades também demonstravam preocupação com a segurança de jornalistas no país antes mesmo da chegada do Talibã ao poder.
A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), por exemplo, manifestou “séria preocupação” com o bem-estar dos profissionais locais com o aumento das ameaças e ataques a meios de comunicação locais, bem como ao trabalho de correspondentes estrangeiros.
Ainda em julho, a IFJ disse ter recebido vários apelos de ajuda de jornalistas querendo fugir do Afeganistão.