Após 37 anos de espera, a justiça finalmente começou a ser feita no caso do jornalista Jaime Ayala Sulca, desaparecido em 1984. 

Ele tinha 22 anos quando foi visto pela última vez ao entrar em quartel da Marinha no Estádio Municipal da província de Huanta, no Peru.

O profissional trabalhava para a Rádio Huanta 2000 e era correspondente do jornal La Republica. Altos oficiais da Marinha começaram a ser ouvidos no processo judicial iniciado na semana passada.  

Corpo do jornalista desaparecido nunca foi encontrado

O caso virou um mistério durante quase quatro décadas, e o corpo nunca foi encontrado.

Entre 1980 e 2000, o Peru viveu uma guerra contra as guerrilhas do Sendero Luminoso e do MRTA (Movimento Revolucionário Túpac Amaru), que deixou um saldo de 69 mil mortos, segundo a Comissão da Verdade do país.

Nos últimos anos, militares foram condenados por crimes de tortura, assassinato e desaparecimento cometidos naquele período, em casos semelhantes ao ocorrido com o jornalista Jayme Ayala Sulca.

A Justiça peruana começou a colher na segunda-feira (21) depoimentos dos altos oficiais da Marinha que atuaram em 1984 no quartel: Alberto Rivera Valdeavellano, chefe do Comando Político Militar de Huanta e La Mar; e Augusto Gabilondo García del Barco, chefe da base contra-subversiva de Huanta.

Para ambos os réus, o procurador superior da Segunda Promotoria Nacional Criminal, Jesús Prado León, pediu 25 anos de prisão como supostos autores do crime contra a vida, o corpo e a saúde – homicídio qualificado na forma de assassinato com traição do jornalista do Peru.

Por não ser o único caso pelo qual os oficiais são julgados, o processo pode durar pelo menos três anos devido ao grande número de vítimas e testemunhas.

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Apesar de o corpo do jornalista desaparecido nunca ter sido localizado, anos após o desaparecimento um de seus executores revelou à Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR) que Ayala foi detido por vários dias, torturado e executado extrajudicialmente:

“Primeiro eles o mataram com golpes, sem armas. Eles o esquartejaram e depois o enterraram em diferentes partes do estádio… Não me lembro do local específico.”

A Associação Nacional de Jornalistas do Peru (ANP), que em novembro do ano passado inaugurou um mural em homenagem a Jaime Ayala em sua casa, há décadas exige justiça e que seja feita uma busca exaustiva no corpo do jornalista desaparecido que foi presidente da associação em Huanta.

“Esperamos que o julgamento termine com a impunidade no crime de nosso colega e em todos aqueles que são investigados junto com o dele.

Também nos solidarizamos com a família, que há quase quatro décadas luta incansavelmente por memória, verdade e justiça.”

Impunidade de crimes contra jornalistas é alarmante

Na última década, os culpados por cerca de oito a cada dez assassinatos de jornalistas no mundo não receberam qualquer  punição, aponta o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) em levantamento divulgado em novembro.

O Brasil é um dos integrantes do “clube” de 12 países em que agressões à imprensa sem que os autores sejam responsabilizados se repete com frequência. 

Mas o México é o local onde a situação é mais grave, com pelo menos oito mortes registradas apenas este ano

O último caso reportado foi o de Armando Linares, diretor e editor do site mexicano Monitor Michoacán, morto a tiros em 15 de março, em frente à sua casa na cidade de Zitacuaro — apenas 43 dias após denunciar a morte de um colega do mesmo veículo em um vídeo emocionado. 

O Sindicato Nacional de Redactores de la Prensa do país afirma que  95% dos assassinatos de jornalistas no país ficaram impunes. 

Estado foi condenado por crime contra jornalista na Colômbia

Apesar dos dados negativos, o caso do jornalista desaparecido no Peru pode ter um desfecho diferente, assim como aconteceu com a Colômbia.

Em outubro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tomou uma decisão histórica para combater a impunidade dos crimes contra jornalistas no país.

A Colômbia foi condenada pelo sequestro, tortura e estupro da jornalista Jineth Bedoya, ocorrido há 20 anos. O crime foi praticado por paramilitares que ela investigava. Na época, a jornalista tinha 26 anos. 

O tribunal concluiu que as provas contra o Estado colombiano eram “sérias, precisas e consistentes”.

O país foi declarado “internacionalmente responsável pela violação dos direitos à integridade e liberdade pessoal, honra, dignidade e liberdade de expressão” de Jineth Bedoya.

Em virtude disso, o estado colombiano terá de pagar indenizações de US$ 30 mil (R$ 166 mil) à jornalista e à mãe dela.

A condenação determinou também, entre outras medidas, a continuidade das investigações para responsabilizar os autores pelos crimes praticados  e a realização de uma campanha de apoio ao movimento #NoEsHoraDeCallar (Não É Hora de Calar), criado pela jornalista.

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