Londres – Um experiente fotógrafo de guerra ucraniano que já tinha documentado conflitos em vários países e fazia parte da equipe de colaboradores da agência Reuters tornou-se o sexto jornalista morto na guerra da Ucrânia.
Além de colaborar para a Reuters, Maks Levin trabalhava para o site de notícias ucraniano LB.ua. Suas fotos sobre a invasão foram publicadas em vários meios de imprensa internacionais. Ele também já havia colaborado com outras mídias globais como BBC, TRT World e Associated Press.
Ele estava desaparecido desde 13 de março, e nesta sexta-feira (1) seu corpo foi encontrado na vila de Huta Mezhyhirksa, ao norte da capital Kiev. A área foi fortemente bombardeada.
Jornalista morto na guerra teria sido baleado
A promotoria do distrito de Vyshhorod, onde ele foi encontrado, anunciou em um comunicado que “segundo informações preliminares, Maks Levin estava desarmado e foi morto por soldados das Forças Armadas russas com dois disparos de arma de fogo”.
O comunicado informou que “uma investigação pré-julgamento está em andamento e medidas estão sendo tomadas para estabelecer todas as circunstâncias do crime”.
Nascido em 1981, Maksym (seu nome em ucraniano) Levin contribuía para a cobertura da Reuters sobre a Ucrânia desde 2013. Era casado e tinha quatro filhos.
John Pullman, editor-gerente global de recursos visuais da Reuters, disse que a equipe estava “profundamente triste”.
Ele acrescentou: “Sua morte na guerra é uma grande perda para o mundo dos jornalistas. Nossos pensamentos estão com sua família neste momento difícil”.
Em 2021, a Reuters perdeu uma de suas principais estrelas, o premiado fotojornalista Danish Siddiqui, capturado e morto pelo Talibã no Afeganistão. A família entrou com um processo no Tribunal de Haia contra o grupo extremista.
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A Federação Internacional de Jornalistas disse estar “profundamente chocada” ao saber da morte de Maks Levin.
“Jornalistas nunca devem ser alvos de uma guerra. Nossos pensamentos estão com a família, colegas e amigos de Maks”, disse a entidade.
O CPJ (Comitê para a Proteção de Jornalistas) cobrou ação das autoridades:
“As autoridades ucranianas e russas devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para investigar sua morte, garantir que os responsáveis sejam responsabilizados e garantir a segurança dos jornalistas que cobrem a guerra”.
Jornalista morto engrossa a lista de violência contra imprensa na guerra
A morte de Maks Levin foi anunciada em uma semana que terminou com o crescimento da violência contra jornalistas durante a guerra na Ucrânia, com registros de fatalidades, desaparecimentos, tortura e ataques que resultaram em graves ferimentos.
O conflito continua ameaçando o livre exercício da profissão para quem realiza a cobertura in loco.
A primeira morte foi a do cinegrafista ucraniano Evgeny Sakun, da Kiev Live TV, morto após ser atingido no bombardeio da torre de televisão da capital, no dia 1º de março. Embora não tenha sido um atentado direto a ele, a bomba foi direcionada a uma instalação de imprensa.
Pouco mais de uma semana depois, o país registrou a primeira morte de jornalista estrangeiro na guerra. O documentarista Brent Renaud, dos Estados Unidos, foi alvejado por soldados russos no dia 13 de março e não resistiu aos ferimentos.
No dia seguinte, o cinegrafista americano Pierre Zakrzewski, da Fox News, e a produtora ucraniana que o acompanhava, Oleksandra Kuvshinova, também foram vítimas fatais de um ataque por parte das forças russas enquanto se dirigiam para Irpin, a 20 km de Kiev.
Dois outros jornalistas, sendo um deles o correspondente da Fox News, Benjamin Hall, ficaram feridos no mesmo ataque e foram internados.
A última morte antes de jornalista antes da do fotógrafo da Reuters tinha sido a de Oksana Baulina, jornalista russa do site investigativo The Insider, vítima de um bombardeio de tropas russas a um bairro residencial em Kiev enquanto documentava a destruição causada por ataques anteriores.
Ataques não letais intimidam jornalistas na guerra
Nem todos os ataques na Ucrânia resultaram em mortes, mas provocam protestos por serem crimes de guerra, já que a imprensa tem assegurado o direito de cobrir conflitos.
Em 6 de março, o fotógrafo suíço Guillaume Briquet foi baleado por soldados da Rússia após passar por um posto de controle ucraniano em uma estrada em direção à cidade de Mykolaiv.
Apesar das diversas sinalizações de “Imprensa” no carro e em seu colete à prova de balas, Briquet foi abordado pelos soldados e teve 3.000 euros e os equipamentos de reportagem roubados.
“Eles estavam a menos de 50 metros de distância”, relatou o fotógrafo à RSF. Ele foi ferido no rosto e no braço por estilhaços de vidro de seu para-brisa.
“Eles atiraram para matar. Se eu não tivesse me abaixado, teria sido atingido. Já fui alvejado em outras zonas de guerra, mas nunca vi isso. Jornalistas que viajam pelo país sem experiência de guerra estão em perigo mortal.”
Relato semelhante ao de Briquet foi compartilhado por equipe do canal de TV árabe Al-Araby com sede em Londres – o repórter Adnan Can e o cinegrafista Habip Demirci – que ficou sob fogo russo em Irpin, um subúrbio de Kiev, também em 6 de março.
Uma equipe do canal de TV Sky News do Reino Unido – composta por quatro britânicos e um jornalista ucraniano – foi atacada por uma unidade de reconhecimento russa enquanto se dirigia para Bucha, nos arredores de Kiev, no quarto dia da invasão, 28 de fevereiro.
O líder da equipe, o repórter Stuart Ramsay, sofreu um ferimento a bala na região lombar. O cinegrafista Richie Mockler também foi atingido com dois tiros em seu colete à prova de balas.
Depois de gritarem que eram jornalistas e verem que o tiroteio não cessou, a equipe teve que abandonar o veículo e correr para se proteger até ser resgatada pela polícia ucraniana.
Jornalistas tchecos e dinamarqueses também foram feridos por soldados russos de forma deliberada. Além dos ataques a profissionais de imprensa in loco, tropas da Rússia já bombardearam quatro torres de TV e rádio na Ucrânia.
Pelo menos dois outros jornalistas seguem desaparecidos na guerra
A morte do fotógrafo Maks Levin depois de passar vários dias sem dar notícias aumenta as preocupações com outros casos de desaparecimento.
A jornalista Iryna Dubchenko foi capturada por tropas russas e levada para a cidade de Donetsk — onde, desde então, não se teve mais notícias sobre sua localização.
Na quarta-feira (30), soldados russos procuraram pelo jornalista ucraniano Konstantin Ryzhenko na cidade de Kherson, no sul do país, e sua família perdeu contato com ele naquele dia, segundo Sergei Chernyavsky, um amigo de Ryzhenko que conversou com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e publicou sobre a situação do jornalista no Facebook.
Um dia depois de seu desaparecimento, um post apareceu na conta do Telegram de Ryzhenko, que dizia: “se você está lendo este texto, significa que algo aconteceu”.
A postagem explicava que o jornalista, editor-chefe do site de notícias local Kherson Newscity, havia agendado essa postagem para publicação com antecedência; se ela foi publicada, significava que ele foi detido ou perdeu o acesso ao telefone/internet.
“Seu paradeiro é desconhecido. Não há conexão com ele”, disse Chernyavsky ao CPJ. Kherson está ocupada pelos militares russos desde 2 de março.
Em uma entrevista ao jornal britânico Daily Mail no dia 17 de março, Ryzhenko afirmou que as forças de segurança especializadas têm listas de ativistas que se opõem à ocupação, mostraram apoio à Ucrânia ou compartilharam detalhes dos movimentos militares russos.
“Me disseram várias vezes que eles estavam me procurando especificamente”, disse ele ao jornal.
Gulnoza Said, coordenador do programa Europa e Ásia Central do CPJ, em Nova York, instou as autoridades russas a prestarem esclarecimentos sobre o paradeiro do jornalista da Ucrânia.
“Seu desaparecimento se soma a uma lista crescente de jornalistas ucranianos que estão desaparecidos desde o início da invasão russa”.
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Segundo o CPJ, soldados russos revistaram o apartamento do irmão do jornalista ucraniano, Zakhar, na quinta-feira. O celular dele foi apreendido.
O pai do jornalista, Aleksandr, esteve presente durante o ataque e disse ao Sindicato Nacional de Jornalistas da Ucrânia (NUJU) que os soldados exigiam que ele entrasse em contato com Konstantin.
Aleksandr disse que os soldados russos lhe disseram que “muitas pessoas morreram” por causa de Ryzhenko, e perguntou se ele estava trabalhando apenas por dinheiro e se ele tinha “visões nacionalistas”.
Os soldados disseram que se o jornalista estivesse trabalhando apenas por dinheiro, eles poderiam “encontrar uma linguagem comum com ele”.
Chernyavsky disse ao CPJ que acreditava que as autoridades russas estavam perseguindo Ryzhenko porque ele transmitiu e gravou manifestações antirrussas de civis em Kherson. Ele também foi citado como fonte sobre a situação em Kherson por agências de notícias, incluindo a BBC e o Meduza, com sede na Letônia.
Em uma entrevista para o Meduza antes de seu desaparecimento, Konstantin Ryzhenko disse que estava “rastreando farsas russas e refutando-as” desde o início da guerra, e que as forças do país invasor estavam “perguntando onde poderiam encontrar tal jornalista”.
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