O jornalista Dmitry Muratov, premiado com o Nobel da Paz em 2021 e crítico do regime de Vladimir Putin, foi atacado com uma mistura de tinta vermelha e acetona durante uma viagem de trem na Rússia.

O ataque foi reportado no dia do anúncio da criação do Novaya Gazeta Europe, projeto lançado pela mesma equipe editorial comandada por Muratov após o jornal original suspender as operações em Moscou após receber duas notificações do órgão regulador de mídia do país. 

O editor viajava em um trem que saiu da capital russa com destino à cidade de Samara, quando um homem entrou na sua cabine, gritou: “Muratov, um brinde para nossos meninos” e jogou a tinta sobre ele. 

Ataque a jornalista da Rússia por posições políticas

O ataque ao jornalista da Rússia Dmitry Muratov foi divulgado pelas redes sociais do Novaya Gazeta Europe.

“Uma pessoa desconhecida atacou o editor-chefe da Novaya Gazeta e vencedor do Prêmio Nobel da Paz, Dmitry Muratov, no vagão [em que viajava]”, publicou o veículo no Twitter ao compartilhar as fotos de Muratov e da cabine sujos de tinta vermelha.

Segundo a publicação, os olhos do editor-chefe do jornal foram atingidos pela mistura tóxica. 

“Os olhos ardem terrivelmente”, descreveu Muratov. “Cheiro de óleo em todo o vagão. A partida já foi atrasada em 30 minutos. Vou tentar lavar”, completou.

Ainda segundo informações do Novaya Gazeta Europe, Dmitry Muratov foi examinado por médicos em Samara. Ele teve queimadura nos olhos e na conjuntiva, mas a córnea está intacta.

Na manhã de sexta-feira (8), a agência de notícias russa Tass informou que um suspeito foi preso por causa do ataque. 

“De acordo com o canal de Telegram 112, trata-se de Ilya Markovets, de 37 anos, que disse à polícia que era contra traidores e, portanto, cometeu tal ato”, disse o jornal de Muratov no Twitter.

Antes da prisão de Markovets, a suspeita já era de que o ataque estava relacionado com as posições políticas do Novaya Gazeta durante a invasão russa à Ucrânia.

Principal jornal independente da Rússia, o veículo anunciou a suspensão dos seus serviços na semana passada sob pressão do governo Putin.

No dia 28 de março, o Novaya Gazeta publicou um comunicado no site informando que estava suspendendo a edição impressa e online depois de receber outra notificação do Roskomnadzor, órgão regulador de telecomunicações russo. 

O informe diz que as operações serão retomadas após o final da “operação especial no território da Ucrânia”. Pelas regras da nova legislação russa contra fake news, a guerra não pode ser chamada de guerra. 

Dois avisos do Roskomnadzor por ano podem valer uma suspensão da licença de mídia. Uma outra notificação tinha sido recebida no dia 22 de março. 

O Novaya Gazeta não informou o teor da notificação ou qual reportagem teria motivado a abordagem do órgão oficial. Limitou-se a avisar sobre a suspensão.

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No entanto, no mesmo dia em que a decisão foi anunciada, o jornal tinha publicado uma reportagem sobre a entrevista concedida pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a jornalistas russos de veículos de oposição ao governo.

Zelensky foi entrevistado em 27 de março pelo editor-chefe do Dozhd, Tikhon Dzyadko, pelo editor-chefe do site Meduza, Ivan Kolpakov, pelo jornalista Mikhail Zygar e pelo correspondente especial do Kommersant, Vladimir Solovyov, com a participação e apoio do editor-chefe da Novaya Gazeta.

Mesmo antes da divulgação do material, o Roskomnadzor  proibiu a mídia russa de publicar a entrevista com Zelensky e ameaçou jornalistas, segundo o Novaya Gazeta, em um ato de censura prévia. 

O veículo comandado por Muratov foi o último grande meio de comunicação independente da Rússia a criticar o governo do presidente Vladimir Putin e há muito tinha um relacionamento difícil com o Kremlin.

Outros jornais fecharam ou tiveram seus sites bloqueados desde que a invasão russa da Ucrânia começou em 24 de fevereiro.

A pressão contra os meios de comunicação independentes russos aumentou desde então, com a maioria dos veículos e organizações controladas pelo Estado aderindo à linguagem usada pelo Kremlin para descrever o conflito.

Vários ativistas da oposição relataram mensagens ameaçadoras pintadas nas portas de seus apartamentos.

Muratov, editor de longa data da Novaya Gazeta, dividiu o Prêmio Nobel da Paz de 2021 com Maria Ressa, jornalista das Filipinas.

Nas Filipinas, vencedora do Nobel também enfrenta repressão

Assim como Muratov, Maria Ressa também segue perseguida pelo governo de seu país mesmo após a visibilidade obtida pela conquista do Prêmio Nobel.  

Na terça-feira (5), ela se reuniu com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, para discutir a necessidade de defender e proteger a mídia independente no país.

O encontro aconteceu num momento em que Ressa e seu site de notícias, o Rappler, enfrentam uma nova onda de intimidação governamental às vésperas das eleições nas Filipinas, no dia 9 de maio. 

O Rappler foi objeto de ao menos 14 novos processos por crimes de difamação online nas últimas semanas, denunciaram a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) e a coalizão Hold the Line, criada para defender a jornalista que virou símbolo de perseguição à imprensa. 

Após a reunião com Ressa, Antony Blinken compartilhou uma imagem do encontro no Twitter, e disse que eles abordaram o “trabalho que os governos devem fazer para proteger os jornalistas”.

“A mídia independente é uma pedra angular da democracia – uma ferramenta essencial que vale a pena proteger neste momento crítico para defender a democracia”, afirmou Blinken. 

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