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Ações flutuando, revolta interna e ‘sincericídio’: a semana em que Elon Musk bagunçou o Twitter

Elon Musk, que se tornou o principal acionista do Twitter, em entrevista no podcast Joe Rogan (foto: Twitter Ellon Musk)

Londres – A compra de 9,2% das ações do Twitter pelo bilionário Elon Musk, dono da Tesla e SpaceX, deu início uma semana turbulenta para a rede social, desencadeando uma onda de especulações sobre mudanças radicais por interferência do controvertido empresário sul-africano, o homem mais rico do mundo. 

Parag Agrawal, CEO do Twitter, confirmou no domingo (10) que Musk desistiu de fazer parte do conselho de administração da empresa cinco dias depois de ter sido anunciado como membro ao se tornar o maior acionista individual da plataforma, sem explicar as razões.

Nesse período as ações do Twitter flutuaram, funcionários não esconderam o desconforto com o novo acionista que defende mais liberdade de expressão nas redes e faz críticas abertas à plataforma, surgiram boatos sobre uma possível readmissão do banido Donald Trump e mudanças operacionais engavetadas começaram a sair do papel. 

Musk no Twitter e o sobe-e-desce das ações 

Por ser uma plataforma menor e menos poderosa do que gigantes como Meta (dona do Facebook,  Instagram e WhatsApp) e Google, que também tem o YouTube em seu portfólio de empresas, o Twitter não costuma enfrentar crises públicas como as demais. 

A entrada de Elon Musk mudou isso, pelo menos durante a última semana. A movimentação, que custou ao empresário a fortuna de US$ 2,64 bilhão, agitou o setor de tecnologia e o mercado financeiro.

Segundo o Twitter informou à SEC, comissão de valores mobiliários dos EUA, Musk já vinha comprando ações s de modesde janeiro, até atingir a participação de 9,2%.  

Quando a notícia foi revelada por meio de um informe protocolado, os papéis subiram mais de 25% na bolsa Nasdaq, onde a plataforma é listada.

Os 9,2% adquiridos por ele ultrapassam a participação do fundador do Twitter, Jack Dorsey, que se desligou da empresa em novembro passado.

O mercado entendeu a compra como um sinal de que a nova liderança poderia mudar os rumos da companhia – para melhor, sob o ponto de vista dos investidores – com o lançamento de novos produtos e flexibilização de regras de moderação.

O entusiasmo da turma do dinheiro durou pouco. Na segunda-feira (11), depois da volta atrás na entrada do bilionário no conselho de administração, os papéis caíram 1%, mas depois voltaram a subir ligeiramente. No entanto, abriram a terça-feira em queda. 

O recado dos investidores é de que transformações esperadas com interferência de Elon Musk são bem-vindas, pelo menos para eles. 

Elon Musk: ser ou não ser conselheiro, eis a questão

A entrada de Elon Musk no conselho do Twitter vai além de mera formalidade. Com 80 milhões de seguidores e usuário frequente da rede social, já tendo protagonizado algumas confusões com seus tweets sobre as companhias que possui, o empresário estaria oficialmente no centro das decisões sobre novos produtos e mudanças operacionais.

No dia 5 de abril, CEO Parag Agrawal tinha anunciado que Musk faria parte do conselho de administração, descrevendo-o como “um fiel apaixonado e crítico intenso do serviço, que é exatamente o que precisamos”, e que traria grande valor. 

Elon Musk publicou que estava “ansioso para trabalhar com Parag e o conselho para fazer melhorias significativas no Twitter nos próximos meses”.

Em seguida, a reviravolta: Agrawal revelou em uma mensagem para os funcionários reproduzida em sua conta na rede que o bilionário não iria mais se tornar conselheiro no dia 9 de abril, como previsto, sem explicar o motivo mas aparentando alívio com a decisão. 

“Anunciamos na terça-feira que Elon seria nomeado para o conselho, dependendo de uma verificação de antecedentes e aceitação formal”

“A nomeação de Elon para o conselho deveria se tornar oficialmente efetiva em 09/04, mas ele  compartilhou naquela mesma manhã que não iria mais integrar o conselho.

Eu acredito que isso é o melhor. […] Ssempre valorizamos a contribuição de nossos acionistas, estejam eles em nosso Conselho ou não. Elon é nosso maior acionista e permaneceremos abertos à sua contribuição.”

Para alento dos investidores e dos que enxergam com bons olhos os novos ventos que podem soprar no Twitter com Elon Musk a bordo, Agrawal sinalizou que mesmo fora do conselho, o empresário terá influência sobre os destinos da rede social. 

Depois que a notícia foi divulgada, Elon Musk tuitou e apagou um emoji tímido de mão sobre o rosto.

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A notícia de que ele recusou o cargo causa espanto, mas analistas do mercado financeiro lembraram que, como membro do conselho, o bilionário só poderia deter um máximo de 14,9% da empresa.

Como um acionista passivo, no entanto, ele fica livre não apenas para adquirir uma participação maior do que isso, mas também avançar para uma aquisição total – o que não é uma ideia impossível para a pessoa mais rica do planeta.

Outra hipótese levantada por veículos especializados em tecnologia como o The Next Web para explicar a reviravolta sobre a participação no Conselho é a de que Elon Musk não teria sido aprovado na “verificação de antecedentes” para integrar o conselho de administração. 

Em 2018, o bilionário tweetou que tiraria a Tesla da bolsa de valores e foi multado em US$ 40 milhões pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês).

A brincadeira saiu caro: ele foi forçado a pedir demissão como presidente da Tesla e pagou uma multa de US$ 20 milhões. Desde então, é obrigado a ter uma aprovação prévia de um advogado da fabricante de carros para todos os tweets relacionados à empresa.

A razão para Musk desistir do conselho pode ser ainda o fato de que como fiduciário do Twitter, ele teria que “agir no melhor interesse da empresa e de todas as partes interessadas”, como afirmou o CEO Agrawal em sua nota. 

Traduzindo: ele ficaria impedido de expressar suas opiniões polêmicas, como continua fazendo e nada indica que mudará o que se tornou sua marca registrada. 

Musk: ‘o Twitter está morrendo?’

O dono de um negócio costuma ser o último no mundo a falar mal dele publicamente. Mas em se tratando do controvertido Elon Musk, a regra não se aplica. 

Como o próprio CEO do Twitter admitiu, ele sempre fez críticas à plataforma.

Reportagens sobre a compra da participação recordaram algumas recentes, como a de que o Twitter estava com prioridades erradas ao desenvolver fotos de perfil vinculadas a NFTs (Tokens não fungíveis), lembrada pela Bloomberg. 

Depois de adquirir a maior participação acionária no Twitter, Elon Musk deu mostras de duvidar da saúde da rede social.

Contudo, para um empresário astuto e midiático como ele, esses lances podem não ser exatamente  “sincericídio”, e sim parte do roteiro para preparar mudanças radicais. 

No dia 9 de abril, ele tuitou questionando se a rede social”estaria morrendo” ao divulgar as contas com o maior número de seguidores, mas que postam “pouco conteúdo” e “raramente”:

Desconforto do time do Twitter com chegada de Musk 

Se o mercado financeiro recebeu bem a entrada de Elon Musk como acionista no Twitter, o mesmo não se pode dizer dos funcionários da empresa e dos que se preocupam com o descontrole de fake news e discurso de ódio nas plataformas.

Musk é é considerado um  “absolutista da liberdade de expressão”. Ao longo dos anos, fez duras críticas às plataformas de mídia social — incluindo o próprio Twitter — contra ações que considerou censura.

Essa posição fez emergir na semana passada o boato de que, ‘sob nova gerência’, o Twitter poderia reativar a conta do ex-presidente Donald Trump, expulso depois da invasão ao Capitólio, em janeiro de 2021.

No dia 25 de março, ele fez mais uma de suas frequentes enquetes indagando sobre se o Twitter segue o princípio da liberdade de expressão. Muitos seguidores acham que não.  

Ele também levantou a questão sobre se uma nova plataforma de mídia social seria necessária, o que foi interpretado por muitos como um plano para criar sua própria rede. 

No entanto, o que viria a seguir seria a entrada dele na rede social fundada por Jack Dorsey – fazendo com que o plano na verdade possa ser o de mudar o Twitter tal como o conhecemos hoje. 

Funcionários da companhia que falaram com a Reuters em matéria publicada na semana passada expressaram preocupação com a presença do empresário no conselho de administração.  

Eles consideram que os valores do homem mais rico do mundo não estão de acordo com a cultura empresarial da rede social.

Ainda segundo eles, o empresário poderia enfraquecer políticas de segurança dos usuários na plataforma, permitindo conteúdo abusivo ou prejudicial.

O site de tecnologia The Next Web lembrou que o bilionário já usou a justiça para silenciar funcionários críticos na Tesla:

“E não é irracional pensar que o conselho de administração pode ter oferecido a Musk a capacidade de mudar as estratégias e políticas da empresa – ou simplesmente conceder a ele muito poder sobre como a plataforma opera.

Afinal, o empresário tem um histórico de silenciar críticos com ameaças legais, demitir funcionários que discordam dele e exigir que os clientes assinem acordos de confidencialidade como condição de serviço.”

Na segunda-feira (11), um encontro que poderia ter se transformado em uma batalha entre o novo acionista e uma equipe aparentemente enfurecida acabou não ocorrendo. 

Depois que ele desistiu do conselho, Twitter cancelou uma sessão do tipo “pergunte-me qualquer coisa” entre os funcionários da rede social e o novo acionista, convocada na semana passada.

A desistência foi revelada pela Bloomberg e causou grande repercussão, diante da expectativa do mercado sobre o que seria debatido e das posições que Musk acabaria sendo compelido a expressar. 

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Depois de dizer que seria ‘passivo’, Elon Musk  faz provocações no Twitter

Ao se tornar o acionista majoritário do Twitter, Musk afirmou em documento enviado à agência reguladora da bolsa de valores que sua participação na empresa seria “passiva” e ele não tinha como objetivo influenciar em grandes decisões da plataforma.

Porém, na primeira semana como acionista da rede social, suas atitudes pouco mudaram e ele seguiu com publicações que causaram ondas de choque. 

Entre elas está a sugestão irônica de converter a sede do Twitter em São Francisco em um abrigo para sem-teto, “já que ninguém vai mesmo lá”. E a de eliminar a publicidade do serviço de assinatura Twitter Blue. 

Um tweet de Musk sobre o botão de edição deu trabalho à assessoria de comunicação. O empresário fez uma enquete para saber a opinião de seus seguidores sobre a ferramenta, que permitiria alterações em publicações que já estão no ar com milhões de respostas e retweets.

Menos de 24 horas depois, a plataforma anunciou por meio da assessoria que deseja testar a função. “Agora que todos perguntam… sim, estamos trabalhando em um recurso de edição desde o ano passado! “.

E fez questão de dizer que nada tinha a ver com a pesquisa entre usuários: “Não, nós não tivemos a ideia de uma enquete”, disse a nota, com um emoji divertido. 

https://twitter.com/TwitterComms/status/1511456430024364037

Na segunda-feira o Wall Street Journal mostrou que o bilionário apagou alguns tweets feitos no fim de semana em que voltava a cutucar a empresa.

Nem o nome consagrado da plataforma escapou. Musk também fez – e apagou – uma enquete perguntando se o Twitter deveria eliminar a letra “w” de seu nome e virar “Twitter”.

Quase 57% dos que responderam a pergunta disseram “sim”, enquanto o restante marcou “é claro”, segundo o jornal. 

O futuro do Twitter sob Musk 

Uma semana depois de ser abalado pelo terremoto Elon Musk, o futuro do Twitter é incerto, com analistas quebrando a cabeça para adivinhar o que vem pela frente e as intenções do bilionário imprevisível. 

Um deles, o americano Casey Newton, autor da prestigiada newsletter de tecnologia Platformer, traçou três cenários. 

Ele acha que Musk pode comprar mais ações do Twitter, já que não está mais limitado a manter sua participação em menos de 15%. Isso poderia levar a uma aquisição hostil, embora difícil devido a cláusulas contidas nos estatutos do Twitter, segundo Newton. 

Segundo análise da Bloomberg, ele agora tem que informar à SEC quando comprar ações, permitindo que o Twitter acionasse a cláusula chamada “pílula de veneno” para conter o empresário. 

No entanto, ele poderia comprar participações diretamente de outros acionistas, segundo a análise. 

Outra hipótese, na opinião de Casey Newton, seria a de que Musk se cansaria da “aventura no Twitter” e venderia sua participação, como fez há alguns anos o ex-CEO da Microsoft, Steve Ballmer. 

A terceira seria a de que o bilionário manteria sua atual posição e continuaria falando mal da plataforma.

Para Casey Newton, essa é a hipótese mais provável no curto prazo, pois ele continuaria se divertindo e aumentando o valor de mercado da companhia. 

Diversão é com ele. Um dos tweets na semana passada trouxe de volta a imagem de um de seus grandes momentos púbicos: o dia em que fumou maconha na transmissão do podcast do polêmico Joe Rogan, outro polemista que virou crise para o Spotify.

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O texto do tweet sugeria que a próxima reunião do conselho (antes de ele desistir de integrá-lo) seria “excelente”. 

O analista lembrou que o CEO Parag Agrawal tem sob os ombros o peso de uma meta ambiciosa: bater a marca de 100 milhões de usuários até 2023.

E que no futuro, se o plano não se concretizar, Musk poderia se aliar ao Elliot Management, um agressivo fundo de hedge que tem grande participação no Twitter como “investidor ativista” e teria sido o responsável pela saída do fundador Jack Dorsey, para interferir nos destinos do negócio. 

Assim como os demais analistas do tumulto vivido pelo Twitter na última semana, Casey Newton salienta que a dinâmica ainda mudará. 

Mas destaca que Elon Musk não precisa de uma assento no conselho para ter influência sobre o Twitter.

Em sua opinião, ” o verdadeiro poder na plataforma, tanto para Musk como para qualquer outra pessoa, está em poder tuitar o que quiser, quando quiser, o que ele conseguiu ao ficar de fora do conselho”.

* com Larissa Maurício 

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