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‘Mini-Trumps’ minam liberdade de imprensa no mundo, alerta diretora da RSF

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Rebecca Vincent, Diretora de Campanhas Globais, Repórteres Sem Fronteiras (divulgação)

Londres – “Mesmo depois de Trump ter ido embora da Casa Branca, ainda temos “mini-Trumps” espalhados pelo mundo, e eles são uma ameaça à liberdade de imprensa global, com retórica e políticas que causam grandes estragos”. 

A opinião é de Rebecca Vincent, diretora de campanhas globais da Repórteres Sem Fronteiras, em entrevista ao MediaTalks após um encontro organizado pela FPA (Foreign Press Association) para falar sobre o Índice de Liberdade de Imprensa 2022, lançado nesta terça-feira pela organização. 

Junto com Rebecca participaram três jornalistas que representam bem o momento de ameaças vivido pelo jornalismo: Stuart Ramsay, correspondente britânico da SkyNews ferido em uma emboscada na guerra da Ucrânia; Kris Cheng, ex-editor do Hong Kong Free Press que fugiu da repressão chinesa à mídia no território e Eugenya Dillendorf, ex-correspondente em Londres do Novaya Gazetta, jornal russo dirigido pelo Nobel da Paz Dmitry Muratov, cujas operações foram recentemente suspensas. 

Polarização nas mídias sociais e liberdade de imprensa 

O World Press Freedom Index deste ano, em que o Brasil aparece em 110º lugar entre 180 países, destaca o que a RSF chamou de “era da polarização”.

A organização critica os ataques ao jornalismo amplificados pelas redes sociais, sem controle. E também as chamadas ‘mídias de opinião’, no modelo da americana Fox News, que aprofundam divisões.

Comentando sobre a situação de polarização e desinformação em torno da guerra da Ucrânia, Rebecca Vincent disse não se surpreender. Ela avalia que se a pauta do momento não fosse o conflito, seria alguma outra parecida entre tantas existentes no mundo.

Rebecca observou que as ameaças não estão apenas em países autoritários, mas também em democracias como o Reino Unido e os EUA, referindo-se ao caso do fundador do Wikileaks, Julian Assange, na reta final para ser extraditado e responder a processos pelo vazamento de documentos de guerra que podem somar 175 de cadeia. 

“Todo ano tocamos o alarme e tentamos chamar a atenção, pois proteger os que arriscam suas vidas no mundo não diz respeito apenas aos jornalistas, mas ao direito do público à informação”, afirmou. 

Neste vídeo, Rebecca Vincent apresenta o relatório deste ano.

RSF’s 2022 World Press Freedom Index : a new era of polarisation

Assim como outras organizações como a Unesco e a Federação Internacional de Jornalistas, a RSF defende a regulamentação das redes sociais. 

A diretora de campanhas da RSF ressaltou que elas têm um papel importante no jornalismo moderno.

E lembrou que o trabalho da organização não se limita a apoiar jornalistas profissionais, mas também jornalistas cidadãos, que as utilizam em seu trabalho de informar a sociedade. 

“Em alguns países, eles são os mais censurados e presos, como na China e no Vietnã”, observou. 

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Na regulamentação, liberdade deve ser garantida 

No entanto, ela se une ao coro dos que criticam a falta de controles nas redes. O estudo afirma que o espaço de informação online globalizado e não regulamentado incentiva notícias falsas e propaganda estatal a serviço de governos autoritários. 

“Há falta de transparência sobre os algoritmos em muitas das plataformas, e uma relutância ou falha em levar a sério questões como propaganda política.

Isso tem um impacto direto no jornalismo e na segurança, um problema particularmente sensível para mulheres jornalistas, as mais atacadas.” 

Para Rebecca Vincent, as plataformas devem fazer mais. E afirmou que ficou para trás o tempo em havia esperança de que gigantes da mídia digital resolveriam os problemas sozinhas.

“O que estamos vendo agora são países tentando impor regulamentações, como o Reino Unido e a União Europeia. 

Na RSF, achamos que é preciso responsabilidade das plataformas. Mas vamos acompanhar cuidadosamente como as legislações evoluirão para garantir a liberdade de expressão.” 

Rebecca manifestou preocupação com a proposta de regulamentação do Reino Unido quanto ao fim da criptografia de ponta a ponta em serviços de mensagem, defendida por ONGs de direitos infantis e autoridades de segurança pública.

A medida, avalia ela, pode colocar em risco a segurança de informantes, vitais para o jornalismo investigativo.

O estudo da RSF, que faz uma análise detalhada das ameaças à liberdade de imprensa em cada um dos 180 países examinados, aponta muitas vezes a ação de líderes governamentais que adotaram um discurso agressivo em relação à mídia, citando entre eles Jair Bolsonaro. 

Rebecca Vincent não tem dúvidas sobre o mal que essa prática causa ao jornalismo.

Ela lembrou que há dois anos, na época de Donald Trump, o relatório anual destacou em sua abertura o modelo de “macho alfa” adotado por alguns governantes, que ela chamou de “mini-trumps”, citando como exemplos os governantes do Brasil, México e Filipinas. 

“Mesmo sem Trump na Casa Branca, eles continuam atuando no mundo”, disse. 

Ameaças na América Latina

Outro diretor da RSF, Emmanuel Colombié, responsável pela América Latina, acompanha de perto o contexto do Brasil e de outros países da região onde a retórica antimídia por parte de governos se estabeleceu. 

Assim como Vincent, ele acha preocupante o impacto da narrativa estigmatizante, que configura uma ameaça real à liberdade de imprensa no continente. 

“Ao longo de 2021, o presidente Bolsonaro, seus filhos e autoridades do alto escalão do governo mantiveram um discurso orientado para a crítica à imprensa, difamando, atacando e insultando.

Isso alimenta a hostilidade generalizada contra jornalistas, refletida nas redes sociais.”

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Colombié lamenta que as redes tenham se tornado um ambiente hostil para a imprensa, o que não é novo, mas vem se intensificando.

Ele também destacou a avalanche de processos judiciais e os ataques contra mulheres jornalistas nas redes sociais, insuflados pelo presidente da república e seus seguidores. 

“Esse tipo de discurso não ocorre somente no Brasil, mas também em outros locais como El Salvador, Nicarágua e Cuba. É arriscado, porque se transforma em ataques no mundo real.” 

Colombié avalia que a repetição de narrativas como a de que jornalistas produzem fake news ou que trabalhem contra os interesses do país faz com que essas teses ganhem força, não somente no Brasil, transformando-se em ameaças reais à liberdade de imprensa. 

“Temos uma desconsideração geral e global do papel da imprensa. É necessário lutar contra a banalização desse discurso de ódio, que é inaceitável e perigoso”. 

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