A jornalista Francisca Sandoval, baleada na cabeça durante a cobertura de uma passeata no Dia do Trabalho, no Chile, morreu na quinta-feira (12). A notícia gerou uma comoção no país, com memoriais e manifestações realizados nas ruas de Santiago. Após tumultos, confrontos com a polícia foram registrados.
Sandoval, de 30 anos, documentava uma passeata em 1º de maio no bairro Meiggs para a emissora comunitária local Canal Señal 3 La Victoria. Homens armados dispararam contra os participantes, ferindo também outros dois jornalistas.
Chefe da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Emergência de Assistência Pública, o médico Daniel Rodríguez disse em comunicado à imprensa que a jornalista morreu “depois de 12 dias em extrema gravidade” por uma lesão “muito grave”, que causou hemorragia cerebral e um quadro clínico irreversível.
Jornalista baleada é homenageada no Chile
Pessoas foram às ruas da capital do Chile em protesto contra a morte da jornalista baleada. Vigílias e memoriais com a foto de Francisca Sandoval também foram feitos em sua homenagem.
A emissora Señal 3, onde ela trabalhava, lamentou a morte da profissional nas redes sociais. “Francisca não nos deixou. Eles a assassinaram. Com estas palavras confirmamos o falecimento da nossa amada Fran”, diz a mensagem no Twitter. “Sentiremos sua falta e faremos o possível para encontrar a verdade.”
Francisca no se nos fue. La asesinaron. A través de estas palabras confirmamos el fallecimiento de nuestra querida Fran. Te extrañaremos y haremos todo lo posible para encontrar la verdad.
— Señal 3 La Victoria (@tv_piola) May 12, 2022
O presidente chileno Gabriel Boric disse que a violência “prejudica a democracia” do país ao prestar condolências à família da repórter.
“Nosso compromisso é com a segurança e a justiça, e não vamos descansar nesse esforço.
Minhas condolências e abraços à família de Francisca Sandoval, vítima inocente de criminosos. Não permitiremos a impunidade.”
Enquanto Sandoval estava internada, Boric conversou com seus familiares durante visita ao hospital. Ele também recebeu um grupo de parlamentares cobrando medidas contra a violência.
La violencia perjudica la democracia y daña familias irreparablemente. Nuestro compromiso es con la seguridad y la justicia, y no descansaremos en ese afán. Mi sentido pésame y abrazo a la familia de Francisca Sandoval, víctima inocente de delincuentes. No permitiremos impunidad.
— Gabriel Boric Font (@GabrielBoric) May 12, 2022
O protesto contra a morte de Francisca Sandoval, convocado por entidades e estudantes de jornalismo, registrou confrontos com a polícia na Plaza de la Dignidad. No Twitter, o Señal 3 La Victoria compartilhou imagens de forças policiais dispersando os manifestantes com jatos d’água.
É possível ver que foi deslocado um grande efetivo de agentes para conter o protesto — que, segundo a mídia local, estava pacífico até então.
#PlazaDignidad / #JusticiaParaFranciscaSandoval pic.twitter.com/LWjr2NPN0E
— Señal 3 La Victoria (@tv_piola) May 13, 2022
Plaza Dignidad y alrededores lleno de Carabineros, lleno. Y en las poblas? Ni uno pic.twitter.com/uToxSCdXIk
— Señal 3 La Victoria (@tv_piola) May 13, 2022
A organização francesa Repórteres sem Fronteiras (RSF) condenou a morte da jornalista e cobrou investigações sobre o caso.
“ O governo chileno deve responder a essa tragédia aumentando a proteção aos jornalistas chilenos, que estão trabalhando em um ambiente cada vez mais perigoso ”, disse Emmanuel Colombié, diretor do escritório da RSF na América Latina.
A morte de Sandoval causou um choque entre os chilenos, já que são raros os casos de profissionais de imprensa que morrem durante ou em decorrência do trabalho. Segundo a entidade, ela é a primeira jornalista a ser morta no país desde José Carrasco Tapia, assassinado em 1986, durante a ditadura militar.
O Chile não está entre as nações com situação de liberdade de imprensa mais crítica no mundo e nem na América Latina, ocupando a 82ª posição entre 180 países no índice global de liberdade de imprensa da RSF, publicado em 3 de maio.
Apesar disso, a organização alerta para uma crescente hostilidade em relação à imprensa no Chile, que remonta aos protestos de 2019, iniciados contra o aumento nas passagens de metrô e que escalaram para uma generalizada revolta política.
“O Chile tem visto um aumento de ameaças, campanhas de intimidação (especialmente nas redes sociais) e violência contra jornalistas que cobrem protestos – violência por manifestantes, policiais e oficiais de inteligência militar – desde outubro de 2019, quando começou um período de turbulência política e social.”
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Relembre o caso
Durante a marcha de 1º de maio convocada por sindicatos, a jornalista Francisca Sandoval foi baleada na cabeça durante tumultos registrados entre manifestantes e a polícia.
Outros dois profissionais de imprensa também ficaram feridos: Fabiola Moreno, repórter da Rádio 7, foi baleada no ombro, e o repórter Roberto Caro, do jornal comunitário Prensa Piensa, foi alvejado na perna. Ambos receberam tratamento médico e tiveram alta no mesmo dia.
Logo após o incidente, a polícia chilena deteve dois suspeitos de dispararem armas de fogo no protesto. Reportagens da imprensa local informaram que a promotoria concedeu prisão domiciliar para eles, fato que motivou indignação entre as entidades de jornalismo, que temem impunidade.
Em 2 de maio, Marcelo Naranjo, um homem de 41 anos com antecedentes criminais, foi preso acusado de disparar o tiro que matou Sandoval. Ele foi identificado a partir de vídeos e fotos postados nas redes sociais e segue detido aguardando julgamento.
De acordo com o site Ciper Chile, um total de 11 pessoas foram vistas atirando contra manifestantes em 1º de maio.
O site Milenio cita que o protesto do Dia do Trabalho aconteceu no bairro Meiggs, conhecido pelo comércio atacadista e a venda informal de produtos chineses, um negócio paralelo controlado por máfias que dominam algumas ruas, um fenômeno novo na região.
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