Londres – As dores da diversidade na mídia variam de acordo com o país. Na imprensa britânica, a principal dor chama-se classe.
Não que a mídia britânica tenha acertado as contas em diversidade de gênero e raça. Mas progrediu. Já a inclusão das classes sociais menos favorecidas segue patinando.
O relatório anual de diversidade do NCTJ (National Council of Training for Journalists), divulgado em maio constatou que 80% dos 108 mil profissionais que se descrevem como jornalistas no país (incluindo os de grande imprensa, mídias digitais e de atividades de comunicação e RP) vêm da classe alta.
Melhorou diversidade de gênero e etnias na imprensa britânica
O levantamento registrou avanço no equilíbrio de gênero inclusive em níveis sêniores, e “uma certa melhora” na representação de etnias, embora alertando que “há questões associadas à promoção de pessoas de grupos étnicos não brancos para cargos editoriais mais altos”.
Já em classe o país regrediu. A proporção de profissionais de imprensa oriundos da elite era de 75% em 2020 e subiu para 80% em 2021.
O estudo mostrou ainda que mais repórteres (84%) vieram de classes mais altas do que seus editores (73%). A porta de entrada fechou-se mais para a chamada working class.
Isso significa que o conjunto de fontes que molda a opinião pública e determina comportamentos (de jornais tradicionais a blogs e comunicados de empresas) enxerga o mundo pelas lentes da elite.
E pelas lentes nacionais. O NCTJ constatou que em um país cheio de imigrantes e com uma capital multicultural como Londres, sede de boa parte da mídia e das corporações, 92% dos profissionais de jornalismo são britânicos.
Parece óbvio, considerando que o idioma é vital para a atividade. Mas não é bem assim. Há uma parcela significativa de imigrantes de países que têm o inglês como primeira ou segunda língua. E os que vieram crianças e se formaram em inglês.
Outro sinal de que a baixa inclusão de outras nacionalidades não se deve só ao idioma é que a cadeia produtiva de notícias tem funções que não exigem inglês nativo nem o sotaque da elite, questão sensível no país que conserva estruturas políticas e sociais da era do Império Britânico.
Sotaque e diversidade
Quem estudou em escolas privadas e se formou em Oxford ou em Cambridge (os Oxbridge) tem uma forma caraterística de falar, denotando uma suposta superioridade intelectual e social.
O inglês da elite chama-se Received Pronunciation, conhecido como Queen’s English ou “inglês da BBC”, porque era obrigatório nas transmissões da rede pública.
Não é mais, e a BBC tem se esforçado para incluir gente diversa em suas telas. Só que nem todos aprovam.
Nas Olimpíadas de Tóquio, o barão Jones de Birmingham, ex-ministro que teve assento na Câmara dos Lordes, atacou via Twitter o sotaque da comentarista esportiva Alex Scott, nascida em Poplar, região humilde de Londres onde se passa a série Call the Midwife. O motivo: ela não pronuncia o g no final de palavras como swimming.
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O barão incluiu no ataque a secretária nacional do Home Office, Priti Patel, e a jornalista política Beth Rigby, uma das mais reconhecidas da imprensa britânica, pedindo: “Socorro, em nome da língua inglesa alguém pode dar aulas de locução para essas pessoas?”.
Essa é uma mentalidade resistente em parte da população, seja por origem aristocrática ou resultante da polarização insuflada pelo Brexit, que elegeu imigrantes como destruidores da cultura e dos empregos dos ingleses.
Embora não caiba apenas ao jornalismo exterminar preconceitos, diversidade nas redações e diante das câmeras e microfones é parte importante da equação, porque adiciona variadas visões de mundo à cobertura e demonstra que não importa o sotaque, e sim o que se fala.
O consultor de pesquisas Mark Spilsbury, autor do relatório do NCTJ, reconhece que a alta qualificação exigida para jornalistas é uma barreira.
Mas salienta que se os empregadores continuarem a recrutar principalmente dentro do seu pool, que não representa o conjunto da população, a sub-representação continuará.
Leia o relatório completo aqui