Ontario – Para os brasileiros, o Canadá tem a fama de ser um país diverso e inclusivo — e os próprios canadenses, ou pelo menos 85% deles, acham que a diversidade racial faz do Canadá um país melhor.
Mas um terço da população acredita, também, que vive em um país racista.
Entre a intenção de valorizar diversidade e inclusão e a realização efetiva dessa intenção há, claro, um longo caminho a ser percorrido.
Diversidade racial do Canadá não é refletida na mídia
Uma das questões delicadas é a relação com as populações indígenas do país, uma história que envolve opressão, colonialismo e traumas que perpassam gerações e continuam muito presentes na vida dessas minorias.
Recentemente, descobertas de cemitérios clandestinos em áreas que eram, no passado, ocupadas pelas chamadas escolas residenciais, colocaram de novo o dedo nessa ferida.
O motivo? No passado as crianças indígenas eram levadas para as escolas residenciais, deixando para trás a família, sua língua e tradições culturais. Nessas escolas, elas sofriam abusos de todo tipo, enquanto eram forçadas a aprender o “jeito europeu de ser”.
À luta dos movimentos indígenas se junta o movimento Black Lives Matter, também presente no Canadá. Faz sentido: uma vitória verdadeira contra opressão, racismo e exclusão não pode deixar ninguém para trás.
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Oito em cada dez redações não têm jornalistas negros ou indígenas
A Associação Canadense de Jornalistas (CAJ, na sigla em inglês) realizou, entre novembro de 2020 e julho de 2021, uma pesquisa sobre diversidade na mídia. Foram incluídos dados de mais de 3.800 jornalistas de 209 veículos de rádio, televisão, impressos e digitais.
Os resultados revelam que oito em cada dez redações não têm em suas equipes nenhum jornalista negro ou indígena. Nos cargos de chefia, mais de 80% dos jornalistas se identificam como brancos.
O relatório também mostra que as lideranças nas redações tendem a superestimar a diversidade em suas equipes.
Enquanto 70% dos editores que responderam à pesquisa disseram que seus colaboradores refletem a diversidade de suas audiências, menos de um terço das redações participantes são tão diversas quanto o público que atendem.
Leia o relatório na íntegra aqui.
Duas professoras da Universidade Metropolitana de Toronto, Asmaa Malik e Sonya Fatah, afirmam que as discussões em torno da diversidade racial na mídia canadense têm sido capitaneadas, em sua maior parte, por jornalistas pertencentes a grupos minoritários.
Elas analisaram dados dos colunistas de três dos principais jornais do Canadá – Toronto Star, National Post e The Globe and Mail – ao longo de 21 anos e verificaram que, embora a proporção de brancos no Canadá tenha diminuído ao longo desse período, a proporção de colunistas brancos aumentou.
Não é à toa que nos últimos anos as empresas de mídia do Canadá – como as de outros ramos – têm sido cobradas cada vez mais quanto a políticas especificamente voltadas para o tema da diversidade, equidade e inclusão.
A grande distância entre intenção e realidade
Em dezembro de 2021, a CBC, emissora pública de rádio canadense, lançou um plano de três anos (2022-2025) para expressar seu comprometimento com os tópicos da diversidade, equidade e inclusão.
No documento, a empresa assume o compromisso de que “todas as pessoas vivendo no Canadá se sintam valorizadas, vistas e ouvidas por sua emissora pública”.
O plano se organiza em torno de cinco pontos estratégicos: escolher a inclusão, reconhecendo e desmontando as barreiras existentes; desenvolver conteúdo para todos; fomentar uma mudança cultural na empresa; criar conexões com grupos sub-representados para entender suas necessidades; e promover uma comunicação direta e aberta com todos os públicos.
Apesar de avanços recentes, ainda não há manual de instruções sobre as formas mais eficientes de se promover diversidade. Assim, as empresas vão experimentando, e obviamente há tropeços. Às vezes, entre a intenção declarada e o que é colocado em prática há lacunas enormes.
Por mais empenhados que sejam os jornalistas cobrindo questões de equidade, diversidade e inclusão, redações pouco diversas tenderão a uma cobertura limitada desses temas.
Havendo representatividade de grupos minoritários dentro das equipes, cria-se a possibilidade de uma cobertura mais sensível às questões de relevância para populações indígenas, negras ou de imigrantes.
Promover diversidade e inclusão nas redações e nas histórias por elas contadas não é apenas uma questão de cumprir tabela: sendo a mídia uma importante formadora de opinião, é, também, uma poderosa ferramenta para fomentar a mudança cultural que se deseja ver na sociedade.
Esta matéria faz parte do Especial MediaTalks Diversidade na Mídia. Leia aqui.