Washington – Há seis meses, em Glasgow, na Escócia, os líderes mundiais na reunião de cúpula sobre mudança climática da COP26 se cumprimentaram por “manter viva” a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C até 2100.

Os céticos observaram, no entanto, que poucos países estavam encarando de frente seus problemas climáticos — e se o objetivo de 1,5°C estava vivo, era “com suporte de vida”, nas palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres. Para honrar seus compromissos da COP26, os líderes globais precisam agir rápido, com propósito e precisão.

Avance para o presente e uma série de crises separadas – uma pandemia teimosa e frequentemente ressurgente; a invasão da Ucrânia pela Rússia; inflação mundial; e, nos Estados Unidos, ataques profundos aos consagrados direitos de aborto – parecem ter paralisado qualquer impulso que tenha saído da COP26.

Após COP26, pouco foi feito para combater mudança climática

No dia 16 de maio, Alok Sharma, o ministro do Reino Unido que presidiu a COP26, esteve na Escócia para marcar os seis meses desde a cúpula sobre mudança climática.

Lá, ele reconheceu como o mundo mudou drasticamente em pouco tempo, mas pediu que novas crises “devem aumentar, não diminuir, nossa determinação de cumprir o que o mundo concordou aqui em Glasgow”. A guerra da Rússia em particular, acrescentou Sharma, deu “um grande alerta” à necessidade de energia limpa.

De fato, o foco em crises adicionais está bem colocado, mas não deve ser feito à custa da atenção dada ao clima. Então, com pouco tempo para agir, onde exatamente está o mundo em sua meta de 1,5°C, a qual os cientistas chamam de imperativa para preservar um planeta habitável? E os jornalistas responsabilizaram os líderes pelas promessas da COP26?

Infelizmente, uma reportagem recente do The Guardian descobriu que, nos meses que se seguiram à COP26, os países fizeram pouco progresso ou retrocederam em várias métricas importantes.

O dinheiro prometido pelos países ricos às nações em desenvolvimento para lidar com as mudanças climáticas continua pendente; a demanda por carvão, que os líderes em Glasgow prometeram “reduzir gradualmente”, está crescendo; e o desmatamento, que os líderes concordaram em conter, disparou.

Leia também

Mudança climática: Relatório sobre a COP26 analisa repercussões da conferência da ONU

A investigação jornalística pintou um quadro ainda mais sombrio. A matéria dos repórteres do Damian Carrington e Matthew Taylor, do The Guardian, detalhou como as principais empresas de petróleo e gás do mundo planejaram e implementaram discretamente expansões maciças do uso combustíveis fósseis que, se permitidas, facilmente farão com que o mundo esmague o objetivo de reduzir 1,5°C até 2100.

Os planos das empresas incluem 195 “bombas de carbono”, projetos que, durante suas existências, liberarão mais de 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono, e cuja pegada de carbono combinada será equivalente a 18 anos de emissões globais nas taxas recordes de hoje.

Em um momento em que as emissões precisam ser cortadas pela metade até 2030 para que o mundo tenha até mesmo a chance de atingir a meta de 1,5°C, de acordo com o Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC), as empresas de petróleo e gás estão, como disse o Guardian, “fazendo apostas multibilionárias contra a humanidade para impedi-la de interromper o aquecimento global.”

Os principais infratores na reportagem do Guardian incluem ExxonMobil, Chevron, Shell e BP, bem como empresas estatais como Qatar Energy, Gazprom da Rússia e Saudi Aramco.

Que muitas das mesmas empresas que conscientemente conduziram a crise climática se comportassem de forma tão imprudente, talvez não seja uma surpresa.

Mas a reportagem investigativa é, no entanto, um lembrete impressionante do que a indústria de combustível fóssil vai conseguir na ausência de supervisão e ação robustas do governo.

‘Descaso’ pós-COP26 é alerta para jornalistas continuarem vigilantes

Para a imprensa a matéria do The Guardian é um alerta útil. Em meio a tudo o que está acontecendo no mundo, os líderes podem se desculpar por deixar o clima em segundo plano, mas a imprensa não tem obrigação de deixá-los se retratarem, muito menos de seguir o exemplo.

Em vez disso, nos últimos meses, muitos meios de comunicação tenderam preocupantemente para a velha forma: enquanto outras crises são enfrentadas com uma abordagem prática, a cobertura da crise climática, em comparação, continua a ficar para trás.

A boa notícia é que a exposição feita na reportagem do Guardian abre portas para outros veículos de comunicação avançarem no caso.

Com essas novas “bombas de carbono” como evidência direta do fracasso dos líderes em levar a sério o clima, como eles enquadram os projetos com suas promessas climáticas deve ser uma questão diária para funcionários do governo.

Todos os anos, os governos mundiais subsidiam a indústria de combustíveis fósseis em cerca de US$ 500 bilhões. (Um cálculo recente do Fundo Monetário Internacional, que levou em consideração os custos de saúde e ambientais dos combustíveis fósseis, estimou um total muito mais alto, em US$ 5,9 trilhões.)

Com a Agência Internacional de Energia estimando que os governos precisam aumentar os gastos com energia limpa para pelo menos US$ 4 trilhões anualmente até 2030, a fim de zerar as emissões de gases de efeito estufa (net zero), como pode qualquer político apoiar prioridades de gastos tão fora de sintonia?

A mídia também podem situar as novas “bombas de carbono” em um contexto local. Por exemplo, as comunidades do entorno dos empreendimentos estão cientes da pena de morte que carregam para o clima do mundo?

Leia também

Análise COP26 | as lições da Suécia, líder global em desempenho ambiental

Notavelmente, são os EUA que abrigam as potenciais novas emissões identificadas pelo Guardian; 22 operações de perfuração e fraturamento — no Golfo do México, no sudoeste da Bacia do Permiano, Colorado e outros lugares — serão responsáveis ​​por 20% das emissões dos novos projetos, o equivalente a quase quatro vezes das emissões anuais atuais do mundo.

Claro, também são os EUA, junto com outros países ocidentais que o Guardian revela (Canadá, Austrália, Reino Unido) que rotineiramente se coloca como um líder climático no cenário mundial – uma narrativa que recebe menos escrutínio do que deveria.

Em meio à pandemia e à guerra na Ucrânia, governos de todo o mundo mostraram que podem agir rapidamente e em escala quando quiserem.

A mídia fez o mesmo – e, além disso, demonstrou a capacidade de acompanhar mais de uma crise global ao mesmo tempo. No clima, então, a questão claramente não é de habilidade, mas de atenção e vontade.

Quando falou em 16 de maio em Glasgow, Sharma alertou que o fracasso dos governos em cumprir as promessas da COP26 equivaleria a “um ato de automutilação monstruosa”. O mesmo pode ser dito para os jornalistas, neste caso, se não conseguirmos manter a pressão sob os governos.

Daqui a seis meses, os líderes se reunirão novamente, em Sharm el-Sheikh, no Egito, para a COP27. Eles se comprometeram a reunir planos de ação climática mais fortes do que os apresentados no ano passado, o que é parcialmente o motivo pelo qual os participantes de Glasgow podem alegar ter “mantido a meta de 1,5°C viva”.

Esses planos estão em andamento agora, não mais tarde, o que torna agora a hora de os jornalistas lançarem uma luz sobre o assunto. Se a reportagem do Guardian é alguma indicação, todos nós temos um longo caminho a percorrer.


Andrew McCormick é vice-diretor do CCNow e jornalista independente em Washington, DC.  Suas matérias foram publicadas no  The New York Times, The Atlantic, The Nation e Columbia Journalism Review, entre outras publicações. 


Esta matéria faz parte da Covering Climate Now, uma colaboração de jornalismo global co-fundada pela CJR e The Nation, fortalecendo a cobertura das mudanças climáticas. 

Leia também

COP26 | As imagens e fatos mais marcantes da conferência do clima em Glasgow